Sábado, 16h00, e a rua Cândido dos Reis está cheia de mesinhas e barracas que dão vida à Baixa do Porto. É o mercado dos Clérigos que acontece sempre no último sábado de cada mês e que enche a rua de cor. Para sorte dos vendedores, o dia 27 é um dia solarengo.

Aqui há de tudo: roupas, quadros, livros, fruteiras pintadas à mão, postais, aventais com o galo de Barcelos, porta-moedas, chapéus, malas, pulseiras de todas as cores, casas em miniatura, brincos, disco de vinil, e muitos mais. A música, ritmada e jovial, embala o ambiente.

Os preços são propícios à época de crise: livros por cinquenta cêntimos, doces por um euro, pulseiras por dois. Algumas barraquinhas ainda anunciam “saldos”. Mesmo assim, as pessoas parecem reticentes: a maior parte delas limita-se a ver. Os melhores compradores são os turistas e os vendedores vão arriscando um inglês desenrascado.

Mas o mercado faz-se de peças de autor, e aqui até exclusivos encontramos. Filipe Coelho cria fantoches que parecem ter personalidade própria. “Sempre vi muita BD, é uma coisa instintiva”, conta. O capuchinho vermelho e o lobo mau, o galo de Barcelos, o Yoda e o Darth Vader, Son Goku e muitos mais. Também cerca de uma dúzia de presépios, todos diferentes, empilham-se numa pirâmide, como se o Natal estivesse mesmo à porta.

“Um saquinho de doces por um euro?”

Duas barracas adiante, a banca da cortiça. Corticeiros desde sempre, Ramiro Silva e Madalena Brandão já participam neste mercado há um ano e meio. Fazem chapéus, guarda-chuvas, estojos, malas, cintos… tudo em cortiça. Mas a “altura para comprar não é a melhor”, contam.

Quem não consegue vender atrás de uma banca tem de passarinhar por entre os clientes. De cesto na mão e avental ao pescoço, um rapaz vai tentando a sua sorte: “Um saquinho de doces por um euro?”A maioria dos vendedores diz que se nota a diferença em relação ao ano passado, outros que está praticamente a mesma coisa. “Mesmo assim, vai valendo a pena”, garantem.

Já a chegar ao final da rua, Ana Almeida Santos vende corpetes verdes e pretos, bolsas de veludo, pulseiras de couro, chapéus de bruxa… Um hobbie que sentiu necessidade de criar há oito anos atrás por acreditar que falta roupa gótica no mercado. Usa sedas, veludos, fitas de cetim… “Tudo do melhor” diz ela. Várias pessoas param defronte da sua banca, colocam os chapéus pontiagudos na cabeça e posam para a câmara fotográfica. Parece que o Halloween já chegou e, para Ana, o dia está a correr melhor do que o normal.

Ana O’Conner diz que não há tempo para desesperar. “Os mercados de rua são assim: nuns dias corre bem, noutros nem por isso”. Trabalhava numa área completamente diferente mas, desempregada e com dois filhos, ajuda agora o marido na produção de peças de artesanato inspiradas na cultura sul-africana – a única fonte de rendimento da família. Utiliza missangas, vidro, e arame para dar vida aos animais.

Compotinhas, biscoitos… que pode provar sem pagar

Mas no mercadinho também há delícias para aquecer o estômago: compotinhas, doces de cacau, bolinhos de canela, rebuçados de mel, biscoitos, chouriços e licores. Fernando Bessa só vende produtos caseiros e artesanais, feitos pela esposa Cláudia Bessa, que têm um aspeto delicioso e, garante ele, “um sabor ainda melhor”. Quem quiser pode provar sem pagar e as pessoas “vão na conversa”: Fernando diz que não se pode queixar.

Às seis da tarde o sino dos Clérigos toca e ainda há gente nas ruas. Uns só de passagem, outros já clientes habituais. Examinam com perspicácia, tocam demoradamente, e cheiram os produtos com desconfiança de quem vai investir numa relíquia. E por fim, quase a medo, perguntam: “Quanto custa?”.