“Eu conheço o Soutinho desde que ele foi meu aluno. Porque eu sou um bocado mais velho, embora o destino tenha decidido levá-lo a ele primeiro. Eu vou fazer 88 e ele tinha 83”, revela José Carlos Loureiro, reconhecido arquiteto português, antigo estudante ilustre da Universidade do Porto (UP) e, como já se percebeu, ex-professor de Alcino Soutinho, o também conceituado arquiteto, que faleceu este domingo, devido a uma doença oncológica.

José Carlos Loureiro deu os números, basta fazer as contas: 2013 menos 83 dá 1930, ano em que Alcino Soutinho nasceu, mais precisamente a 6 de novembro, em Vila Nova de Gaia. No entanto, não demorou muito a mudar-se para o Porto, onde acabou por ficar associado à famosa corrente de arquitetura contemporânea em Portugal, a “Escola do Porto”, algo que seria impossível sem a passagem pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto (ESBAP), onde se formou em 1957.

Na verdade, foi lá que José Carlos Loureiro o conheceu. Conforme já foi dito, é a história do professor e do aluno. Mas depois foi a história do trabalhador-estudante no atelier do professor. E depois foi a história do candidato a professor associado e do arguente no concurso a professor associado. José Carlos Loureiro e Alcino Soutinho foram tudo isto um para o outro, em várias fases das suas vidas.

Obras e prémios

Alcino Soutinho esteve na origem de várias obras emblemáticas, entre as quais se destacam o edifício da Biblioteca-Museu Amadeo de Souza Cardoso, em Amarante (1977), a recuperação do Castelo de Vila Nova de Cerveira (1982), a Casa-Museu Guerra Junqueiro, no Porto, a renovação da Faculdade de Belas Artes (FBAUP), e, talvez a mais célebre, os Paços do Concelho de Matosinhos (1987).

Todos estes projetos valeram-lhe alguns prémios, como o “Europa Nostra” (1982), o da Associação Internacional dos Críticos de Arte (1984), a Medalha de Mérito e de Ouro das câmaras municipais de Matosinhos (1988 e 2007) e de Vila Nova de Gaia (1992 e 2011), e a Comenda da Ordem Militar de Santiago de Espada (1993).

“Eu tinha uma estima grande pelo Soutinho. Na última vez que o vi, naquele colóquio sobre a Ponte da Arrábida, já o encontrei muito debilitado”, conta José Carlos Loureiro, a quem não passaram despercebidos os traços de personalidade vincados de Alcino Soutinho, sobretudo quando este concorreu ao cargo de professor associado da Faculdade de Arquitetura (FAUP) e Carlos Loureiro foi seu arguente. “Era um profissional muito sensato e sério na sua atividade, além de ter sido brilhante naquilo que fez”, refere.

Alcino Soutinho: o Homem que Matosinhos nunca esquecerá

Mas não houve só professores na vida de Alcino Soutinho. O arquiteto também chegou, ele próprio, a esse estatuto, a partir de 1972, na ESBAP, e, depois, na FAUP. Naturalmente, houve quem tenha bebido do seu conhecimento. José Fernando Gonçalves, presidente da Secção Regional do Norte (SRN) da Ordem dos Arquitetos (OA) foi uma dessas pessoas. “Recordo, com saudade, o caráter e a postura dele, nas aulas. A forma serena e segura como transmitia o conhecimento que possuía. Nós sabíamos que tínhamos perante nós alguém com uma sabedoria espetacular”, conta ao JPN José Fernando Gonçalves.

“Além disso, era um arquiteto fantástico, as obras dele falam por si…a Câmara de Matosinhos, o Castelo de Vila Nova de Cerveira…”, continua o presidente da SRN da Ordem dos Arquitetos. De facto, os projetos de Alcino Soutinho têm tanto peso em Matosinhos que, esta segunda-feira, foram decretados dois dias de luto no município. Guilherme Pinto, o presidente da Câmara, disse ao jornalistas que “morreu o homem que introduziu a modernidade, quer em Matosinhos quer um pouco na ideia do que era o poder local democrático à época”.

Guilherme Pinto recordou ainda o “sentido de humor e a sua postura despojada”, além de ser “um homem muito conversador, sempre muito perspicaz”. Na realidade, José Gigante não poderia estar mais de acordo. O também arquiteto e professor na FAUP (filho de Jorge Gigante, com quem Alcino Soutinho cresceu, na área) guarda com maior saudade essas características.

“Tivemos muitas conversas. Era uma pessoa que, para além da arquitetura, sabia falar da vida. Tinha um humor muito perspicaz, muito particular, e dava gosto falar com ele, fosse sobre trabalho ou em convívio. Além disso, era muito ponderado e sabia medir as palavras. Falava muito simples, nunca complicava. É daquelas pessoas que nunca mais se esquece”, conta ao JPN José Gigante. Pelo menos, Matosinhos nunca o vai esquecer e, na verdade, as restantes obras que deixou por Portugal não o deixarão morrer. O corpo de Alcino Soutinho sai, pelas 10h30 desta terça-feira, da Igreja do Cristo Rei, no Porto, para o Tanatório de Matosinhos.