A 31 de março a Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado (APESP), em carta ao Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato e ao Ministro da Saúde, Paulo Macedo, denunciava “uma situação de manifesta iniquidade e ofensa do princípio de igualdade, de que são vítimas as instituições privadas que ministram ensino na área da saúde e os seus estudantes”.
Essa situação, explica a carta, começa quando “as Administrações Regionais de Saúde impõem às Instituições particulares de ensino o pagamento de “compensações financeiras”, sem as quais não facultarão a necessária disponibilidade para que possam ser desenvolvidos os estágios clínicos, em ambiente de trabalho, imprescindíveis ao complemento prático das correspondentes formações”.
Contra o pagamento imposto às faculdades e escolas privadas, a APESP acabava a carta a pedir o fim do “procedimento da cobrança de “comparticipações financeiras” às instituições privadas” bem como a “elaboração de diploma legal que esclareça a situação, isentando as instituições e os estudantes do ensino superior privado das referidas ‘compensações financeiras'”.
Para além do pagamento do período de estágio, as faculdades privadas sujeitam-se ainda a um número de vagas mais reduzido do que aquele a que o ensino público tem acesso. Assim sendo, primeiro são colocados os alunos do ensino público e só depois os do privado, ficando com as vagas que os alunos da pública não preenchem.
“Os pagamentos são acordados através de protocolos”
José Manuel Silva, diretor da Escola Superior de Enfermagem de Santa Maria, de ensino privado, declara que no que diz respeito às vagas “é mesmo dada prioridade aos alunos do estatal”. Os pagamentos pelos estágios “são acordados através de protocolos com as entidades que vão receber os alunos e o pagamento pode ser à hora ou ao dia” afirma o diretor.
A universidade privada Fernando Pessoa também leciona cursos de saúde na cidade do Porto. Salvato Trigo, reitor da instituição, diz que “só é paga essa taxa quando os alunos fazem o seu estágio em instituições de saúde externas”.
O Hospital Escola da Fernando Pessoa foi fundado a quatro de novembro de 2012 e desde aí possibilita que alguns alunos possam fazer um estágio interno. Porém, só para o “próximo ano é que o hospital escola estará a funcionar completamente”, podendo assim receber um maior número de alunos que, por fazerem um estágio interno, não se sujeitam a taxas.
“Em pleno funcionamento nas várias áreas que fornecemos [o hospital escola] consegue receber entre 20 e 30 alunos em cada turno, sendo que existem três turnos diários”, declara Salvato Trigo. Apesar disto, o número de alunos que tem de recorrer a um estágio externo, é elevado.
Todos esses alunos que ficam de fora das colocações no hospital escola, num processo de seleção por média, são obrigados a pagar 50 euros por mês, adicionalmente aos 375 euros de mensalidade. Segundo o reitor, esse dinheiro “serve para pagar os estágios que frequentam durante o período de estudos”.
Regularização estatal
A 26 de abril de 2004, o Ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, aprovava o Despacho nº 9826/2004, que determinava que “Os hospitais com a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos devem continuar a proporcionar o ensino e formação dos profissionais de saúde aos alunos das escolas públicas, sem que para o efeito sejam exigidas diretas contrapartidas financeiras aos alunos e às escolas”. Tudo isto porque muitas instituições públicas estavam sujeitas a imposições financeiras quando chegava a altura de estagiar.
Após o Decreto, a realidade no ensino público
Apesar de existir um Decreto, há dez anos, a regularizar o não pagamento de taxas por parte das instituições de ensino públicas, existem casos de Escolas que continuam a ser sujeitas à obrigação de pagar pelos estágios dos alunos. A Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP) é uma das escolas que se confronta com a situação.
Quando questionado acerca do assunto, Luís Cruz, presidente da ESTSP, afirma que o pagamento pelo estágio curricular “depende das entidades. Há situações em que temos de pagar, mas este número tem vindo a reduzir”. Luís Cruz afirma ainda que, apesar de existir um decreto que não deixa margem para dúvidas acerca das regras, “a situação ainda não está regularizada. Ainda depende da administração da entidade que recebe os alunos”.
O presidente da ESTSP apresenta o Hospital São João, Hospital de Santo António e Centro Hospital de Vila Nova de Gaia/Espinho como algumas das instituições que nunca exigiram qualquer pagamento pela realização de estágios curriculares nas suas instalações, porém são os hospitais empresa (EPE) quem mais fixa um pagamento pelos estágios.
Hospitais Empresa
Os hospitais EPE (Entidade Pública Empresarial) fazem parte de um projeto estatal de empresarialização dos hospitais, tornando-os em entidades públicas empresariais. A tutela continua a ser do Estado mas a gestão é feita por um Conselho de Administração que se dedica a pôr em prática uma gestão empresarial. Na zona do Porto, existem vários hospitais empresa, dos quais o IPO, o Hospital de S. João e o Centro Hospitalar do Porto, que engloba o Hospital de S. António, a Maternidade Júlio Dinis e o Hospital Joaquim Urbano.
Já no caso da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), o pagamento por estágios curriculares nunca se verificou. Paulo Parente, presidente da ESEP, afirma que a instituição pública de ensino de enfermagem nunca teve de pagar por uma situação de estágio.
Segundo o presidente da ESEP, “houve tentativas de instituições públicas [para que houvesse pagamento em troca da realização de estágios curriculares], porém foi sempre possível negociar para não se proceder ao pagamento”. Esta negociação passou muitas vezes pela apresentação do decreto que, segundo o presidente da ESEP, “é ainda aparentemente desconhecido” por muitas entidades. “Seria um contrassenso termos o apoio do Estado e depois termos de co-financiar outras instituições estatais”, acrescenta.
Para além da vertente legal, Paulo Parente acredita que “os estudantes sejam melhorias para os cuidados de saúde, apesar dos custos que acarreta a formação. Não está apurado o custo real de um estudante num hospital, nem é provado que o aluno traga só custos”, diz. Para o presidente da ESEP também existem benefícios ligados aos estágios curriculares na área da saúde, pelo que não faz sentido atribuir um valor monetário a ser pago.
Na primeira pessoa
Para Mariana Cruz, aluna do primeiro ano do curso de enfermagem da Universidade Fernando Pessoa, o pagamento pelo estágio faz sentido quando se trata de Escolas e Institutos privados. No entanto, a aluna defende que esse valor “devia estar incluído nas propinas” e ser acarretado pela Universidade.
Já Catarina Albuquerque, aluna do primeiro ano na Escola Superior de Enfermagem do Porto, acredita que é justo o pagamento por parte do setor privado “porque as privadas deviam criar o próprio espaço para estagiar”. A aluna do ensino público defende que “a partir do momento em que [as privadas] usam o espaço de outras escolas”, deve ser feito um pagamento.
Dada a desigualdade entre as instituições que constituem o ensino superior, sendo públicas ou privadas, fica a cargo da Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado mudar o paradigma dos estágios curriculares na área da saúde.