Precariedade laboral, baixos salários e sentimento de pertença europeia são três dos fatores apontados para responder à questão: "Porque é que os jovens portugueses são os mais predispostos a mudar de cidade ou país para trabalhar?" O JPN foi falar com dois especialistas para saber mais sobre a realidade nacional.

Segundo um relatório do Eurostat, cerca de 70% dos jovens desempregados portugueses, entre os 20 e os 34 anos, estão mais predispostos do que qualquer outro jovem da União Europeia a mudar de cidade ou de país para procurar um emprego. Este valor é bastante expressivo comparativamente à média europeia dos 28 países que constituem a união, que é de cerca de 50%.

Apesar da recuperação que se deu depois da crise económico-financeira, Portugal continua com uma elevada taxa de desemprego jovem. De acordo com dados do PORDATA, a taxa de desemprego (25-54 anos) baixou de 10%, em 2016, para 7,9% no ano de 2017. Já a taxa de desemprego jovem (<25 anos) sofreu um abaixamento de 28% para 23,9%.

Estes valores, na opinião da Presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Maria Filomena Mendes, podem explicar a maior predisposição dos jovens portugueses para abandonar o país.

“Se o país não tiver condições suficientemente aliciantes para o regresso, é provável que não voltem”

Maria Filomena Mendes, explicou ao JPN que, apesar de o país estar numa fase de recuperação, os valores de desemprego jovem são “assustadores”. A investigadora afirmou que este fator condiciona a atitude dos jovens na decisão de sair do país para encontrar um emprego.

Vitor Sérgio Ferreira, sociólogo no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS), referiu que “a esperança é encontrarem [os jovens] mais facilmente um emprego equivalente à sua qualificação em alguns países no estrangeiro do que em Portugal”. “E, se o país não tiver condições suficientemente aliciantes para o regresso, é provável que não voltem”, acrescentou.

“Nós saímos de uma conjuntura de crise económica onde a emigração voltou a aumentar bastante. Ou seja, pôs-se como opção para muitos jovens, quer para os menos qualificados, quer para os altamente qualificados”, explicou o sociólogo.

Há outra particularidade salientada no relatório da Eurostat: os jovens com maior grau de escolaridade tendem a ter mais facilidade em abandonar o país à procura de um emprego. Assim, o nível de instrução escolar tem influência na hora de decidir sair, ou não, do país.

“Nós temos altos níveis de precariedade laboral entre os jovens e, nomeadamente, entre jovens muito qualificados”

Dos jovens desempregados da União Europeia, entre os 20 e os 34 anos, com um elevado grau de escolarização, 23% estão mais predispostos a mudar de morada por um emprego dentro do mesmo país. Já os mais aventureiros, 16%, estão dispostos a mudar por um emprego dentro da União dos 28.

No entender da investigadora Maria Filomena Mendes, isto prende-se com o facto de haver, em Portugal, precariedade nas relações laborais e remunerações distantes do expectável.

Vitor Sérgio Ferreira corrobora a tese da investigadora: “Para todos os efeitos, a taxa de desemprego juvenil baixou. E baixou significativamente. Isto não quer dizer que a qualidade do emprego se tenha elevado. Nós temos altos níveis de precariedade laboral entre os jovens e, nomeadamente, entre jovens muito qualificados.”

No parecer que o sociólogo deu ao JPN,  o que acontece é que “alguns segmentos juvenis altamente qualificados têm a expectativa de encontrar um emprego com maior estabilidade, qualidade e equivalência em termos de salário e condições de trabalho na sua área de formação. Algo que muitos não conseguem arranjar em Portugal.”

“As remunerações ficam muito aquém do que são as suas expectativas”

Maria Filomena Mendes adiantou que há licenciados que não conseguem encontrar um emprego de acordo com as suas habilitações académicas e profissionais e acrescentou: “As remunerações ficam muito aquém do que são as suas expectativas. Daí que existam condições para uma maior predisposição dos jovens portugueses em abandonar o país”.

Numa geração em que os planos são adiados, sobretudo devido aos períodos de instabilidade que se têm vindo a viver, a investigadora acrescentou que os jovens portugueses procuram equiparar a qualidade de vida à que os pais já atingiram. “Isso é obviamente, e simultaneamente, uma ambição e uma preocupação dos jovens”, afirmou a Presidente da Associação Portuguesa de Demografia.

O sociólogo do ICS de Lisboa disse que a opção de emigrar não é tão dramática quanto era no passado devido à globalização e à facilidade com que chegamos ao outro lado do mundo. Há também, no entender do investigador, uma relativa facilidade em aceitar a decisão de abandonar o país porque “está muito mais consubstanciada na ideia de experiência: eu vou experimentar aquilo, se não der certo volto”.

“Os jovens de hoje não se sentem emigrantes”

Vitor Ferreira alertou, contudo, que não se pode entrar no discurso de que “os jovens vão porque querem, porque vão conhecer o mundo”. Nas palavras do sociólogo, “há muitas formas de conhecer o mundo que não tenham impactos tão grandes no curso de vida”.

Se, por um lado, há fatores que influenciam a saída do país, por outro, há o sentimento de pertença a uma união económica, política e social. No entender de Maria Filomena Mendes “os jovens de hoje não se sentem emigrantes. Falam em “ir lá para fora” e o “ir lá para fora” não é emigrar como era nos anos 70 ou mesmo numa época menos recuada”.

Há, então, um forte sentimento de “cidadão europeu, cidadão do mundo” que pode explicar o facto de os jovens portugueses não pensarem duas vezes na hora de fazer as malas. A mobilidade, incentivada desde cedo por programas como o Erasmus, pode ser um aspeto aliciante a somar aos menos positivos, e que dizem respeito à precariedade laboral para jovens em Portugal.

Vitor Sérgio Ferreira disse ao JPN que há um maior “cosmopolitismo” nos jovens. “Nós temos de facto uma geração mais aberta a experimentar e a viajar, mais curiosa e com mais condições de poder experimentar essa abertura ao mundo”, rematou o sociólogo.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro