O Sanatório de Mont’Alto, um dos mais imponentes sanatórios localizados em Portugal, construído durante a época do Estado Novo, fechou há 46 anos. De um projeto colossal que recebeu cerca de 200 doentes, restam apenas as ruínas de um edifício que teima em não ter solução: “A ideia nasce no momento certo. A construção é desfasada da necessidade”.
Preocupada com as enfermidades da época, a rainha Dona Amélia, esposa do Rei D. Carlos e última a ocupar o lugar em Portugal, fundou a 11 de junho de 1899 o Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, dando origem, no início do século XX, à construção de vários sanatórios no país. O objetivo passava por tratar os doentes infetados com tuberculose, uma doença infecciosa que pode atingir qualquer órgão, sendo a forma pulmonar a mais frequente.
O norte do país não foi exceção. Com a fundação da Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal (ATNP) por parte do professor António Elísio Lopes Rodrigues, em 1930, a região ganha novo fôlego no combate ao flagelo. É então que o Sanatório de Mont’Alto – conhecido como Sanatório de Valongo, mas localizado em São Pedro da Cova, concelho de Gondomar -, começa a ganhar vida.
Depois da doação do terreno por parte da família Sá para a construção do Sanatório na Serra de Santa Justa, estava dado o mote para a construção de um edifício que iria receber os doentes infetados com tuberculose na região norte do país.
O lugar não foi escolhido ao acaso. O ar puro da serra ajudava ao tratamento dos doentes, para além de estarem isolados das cidades mais próximas para prevenir o risco de infeção. Mas as obras arrastaram-se anos e anos e o Sanatório, que começou a ser construído em 1932, só foi inaugurado em 1958: “O Sanatório foi construído a dois tempos”, conta Carlos Pizarro, atual coordenador da ATNP. “Houve financiamento para o sanatório e começou-se a construir. Acabou o financiamento e as obras estiveram paradas algum tempo. Foi com a ajuda da população que se retomaram as obras e se avançou com aquilo”, conclui.
Além da falta de financiamento, outra razão pode ajudar a perceber os 26 anos necessários à conclusão da obra. Numa entrevista à SIC, para uma série de reportagens dedicadas a edifícios abandonados, Serafim Gesta, na terra conhecido como “Mazola”, autor de vários livros sobre as minas de São Pedro da Cova, afirmou que a Companhia das Minas de São Pedro da Cova nutria “pouca simpatia” pelo projeto, a ser construído numa “zona de exploração de carvão”, a um par de quilómetros das minas.
Talvez por isso a abertura da unidade de saúde se faça numa altura – finais dos anos 60 – em que aquela exploração de carvão estava já em queda. Duas décadas antes tinha sido a mais importante do país. Fecharia em 1970 e terão sido alguns os mineiros e britadeiras que ainda acorreram ao sanatório vitimados por doenças como a tuberculose e a silicose.
Um arquiteto de renome
Foi o arquiteto Júlio José de Brito quem projetou o imponente Sanatório de Mont’Alto, o mesmo arquiteto que desenhou outros espaços icónicos da cidade do Porto como o Teatro Rivoli ou o Coliseu. Inaugurado em 1958, o enorme edifício está inserido numa área de 88.000 metros quadrados, aproximadamente nove campos de futebol. “A ideia do Sanatório começa em 1930 com a fundação da ATNP. O problema é que veio fora de tempo. Se calhar as verbas não vinham todas para o norte e construiu-se o Sanatório já fora de tempo. Faz sentido dizer que foi um período de funcionamento muito curto para um edifício daquela imponência”, admite Cláudio Alves, presidente da ATNP.
A partir da década de 70, a tubercuose já estava mais controlada e passa a ser tratada em ambulatório. Os sanatórios perdem a sua importância como estabelecimentos de cura e repouso e por isso tornam-se obsoletos, sendo relegados para o esquecimento: “Em 1972, já havia muito poucas pessoas no Sanatório. Tentou-se criar várias opções como um hospital para os retornados do Ultramar ou um hospital psiquiátrico, mas a verdade é que nada avançou” . Após o saque de que foi alvo, o Sanatório foi também fustigado por incêndios como é possível constatar pelo seu estado débil assim como pelas árvores queimadas nas imediações do espaço.
Para além da imensidão do Sanatório, a área envolvente contava ainda com uma escola, uma lavandaria, uma igreja, uma capela e um reservatório de água, todos eles estão hoje devolutos e prestes a ruir. O último piso do Sanatório já se encontra sem teto. “A instituição como deixou de ter como fim trabalhar a tuberculose e como estava conotada com o Estado Novo, os seus edifícios foram saqueados após o 25 de Abril. Como deixaram de haver donativos, o Sanatório de Mont’Alto foi-se degradando. Bombeiros e Proteção Civil faziam lá testes e simulacros e rebentavam paredes. Acabou por ser tomado pela população para os piores fins”, explica Cláudio Alves.
O Sanatório de Mont’Alto na atualidade
De um edifício que recebeu cerca de 200 pacientes, restam apenas as paredes. Não se encontram vestígios materiais que mostrem que naquele sítio já se trataram doentes. Portas abertas, corredores vazios e salas vazias são traços em comum nos seis pisos que compõem o edifício. As paredes estão cobertas de grafitos e o exterior é ocupado pelo entulho que se encontrava no interior do edifício. As árvores envolventes ao Sanatório estão queimadas conferindo ao lugar um aspeto ainda mais sombrio.
Se antigamente o lugar destinava-se a atividades ligadas à saúde e à educação, hoje o leque é mais diversificado. O edifício é utilizado para a prática de paintball, sessões fotográficas e até para atividades ligadas ao mundo sobrenatural, com a prática de rituais. A ATNP tem feito esforços para garantir a segurança dos curiosos que por lá passam. José Sousa que o diga. De t-shirt suja e com a testa suada, mostra o trabalho que ele e a sua equipa fizeram para deixar o Sanatório com uma imagem mais digna: “Começámos a limpar isto há dois anos. Tirámos mais de 200 toneladas de entulho à mão, havia entulho até às janelas”, conta. “Vandalizaram e roubaram tudo. Agora a ideia é limpar e vedar o espaço”, diz José Sousa.
Ao chegar junto de uma janela que dá para a antiga escola contígua ao Sanatório, avista um grupo de jovens curiosos e apressa-se a expulsá-los dali: “Saiam daí rapaziada, não veem que esse teto está a cair?”.
O último piso é talvez o ex-líbris daquele lugar. Uma vista fantástica que se prolonga até ao mar. “Daqui vê-se tudo diz”, sublinha José Sousa. “Vê-se o Porto, o mar e, lá ao fundo, Vila do Conde”. O presidente da ATNP também quer o ver o Sanatório de Mont’Alto com outras condições de segurança: “Temos a ideia de começar a pensar o Sanatório. Queremos garantir condições para quem lá passa e que o faça em segurança. Estamos a emparedar paredes para que a entrada seja mais restrita, estamos a limpar as zonas envolventes e a criar vedações. Depois pensaremos o futuro”, explica-nos.
E que futuro para o Sanatório de Mont’Alto?
Carlos Pizarro e Claudio Alves, os dois homens à frente da ATNP, instituição que se dedica atualmente à educação através das suas escolas e jardins de infância, projetam em uníssono um futuro ideal para aqueles nove hectares de terreno: “Gostaríamos de reabilitar aquilo de qualquer forma. É fundamental trazer vida ao Sanatório e ao meio envolvente”, assume o coordenador. “Por estar naquela zona, algo ligado ao turismo e saúde. Turismo porque beneficiaria toda aquela zona de Gondomar e saúde para ser usado pela comunidade. O Sanatório cresceu com o apoio da população para ajudar as pessoas mais debilitadas e enquanto IPSS, onde trabalhamos a vertente social, gostaríamos de refletir esses valores num eventual projeto”.
A atual direção demarca-se das anteriores que dizem terem feito muito pouco pelo património histórico da ATNP e frisa que não pode ser apenas a instituição a querer tomar as rédeas da reabilitação do espaço: “O futuro não pode passar apenas pela ATNP, mas também pela Câmara de Gondomar e entidades privadas”, explica Carlos Pizarro.
A verdade é que o Sanatório de Mont’Alto continua ao abandono há quase 50 anos e, apesar de terem surgido ideias de alguns projetos na comunicação social local, nunca nenhum projeto avançou devido ao elevado estado de deterioração do edifício.
Artigo originalmente realizado para a cadeira Laboratório de Ciberjornalismo do Mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Porto.
Artigo editado por Filipa Silva