No espaço de um ano, um em cada quatro adolescentes portugueses recebeu pelo menos uma mensagem de cariz sexual, um fenómeno conhecido como sexting entre os mais jovens. Os dados constam do relatório EU Kids Online 2020 e levantam algumas questões.

Os riscos associados ao sexting são conhecidos, nomeadamente a violação de privacidade e o bullying. Daniel Cardoso, investigador da equipa portuguesa da rede EU Kids Online, alerta para a necessidade de sensibilizar os jovens, mas também de dar-lhes um “espaço de segurança no qual se sintam à vontade para falar” e reforç que “é preciso não responsabilizar a vítima”.

Da vingança à extorsão

Um dos perigos mais óbvios do sexting é a divulgação não autorizada de informação íntima, que pode acontecer de diversas maneiras e por diferentes motivos.

O fim de um relacionamento pode, por exemplo, levar a comportamentos como o revenge porn (partilha de conteúdo privado por vingança). Por outro lado, alguém pode aceder às contas e informações de outra pessoa e fazer chantagem utilizando conteúdo sexual, gesto conhecido entre os mais jovens como sextortion.

Mas são várias as formas de “violação do contexto em que as imagens foram partilhadas ou produzidas”, como explica Daniel Cardoso.

O também professor na Universidade Lusófona de Lisboa teve conhecimento de um caso em que uma adolescente enviou uma “imagem de si própria, a um rapaz por quem estava interessada”. O rapaz em questão partilhou a fotografia com outros colegas de escola, que, por sua vez, partilharam com mais pessoas.

A situação levou a “uma quantidade massiva de alunos, a fazerem bullying” sobre a adolescente, sendo necessária a intervenção da escola.

No entanto, o bullying não é a única consequência que advém da violação de privacidade.

Nos Estados Unidos, exemplifica o investigador, a troca de mensagens sexuais, mesmo que consentidas, entre um casal de adolescentes, levou à detenção e acusação dos mesmos por “produção e distribuição de pornografia infantil”. A denúncia terá sido feita pelos pais, que ao descobrirem mensagens trocadas entre os jovens, apreenderam os equipamentos e os levaram à polícia.

Há, então, um conjunto de perigos que devem ser tidos em consideração. Sensibilizar é, por isso, fundamental, mas promover uma “comunicação saudável entre jovens e os pais, e entre os jovens e a escola”, para combater a “cultura do medo” também.

“Se uma jovem vê as suas imagens a serem partilhadas de forma não consensual e ela tem mais medo de ser castigada por ter enviado essas mensagens do que acha que as outras pessoas vão ser punidas por terem feito o envio não consensual, se calhar, ela não vai denunciar a situação”, declara o investigador.

Para o especialista, o sexting, tal como muitas outras práticas, pode ser “bem ou mal utilizado”. O enfoque da questão deve, então, estar na forma como é feito e no contexto em que se insere, “até porque pode ser consensual ou não consensual”. Enviar “uma mensagem sexualmente explícita para uma pessoa que não a pediu, é completamente diferente de enviar a mensagem no contexto de um relacionamento íntimo pré-existente”, explica.

O professor universitário considera ainda que o sexting pode ser uma “ferramenta de exploração da intimidade entre as pessoas”, no sentido em que não requer presença ou contacto físico, e pode até promover “práticas de sexo mais seguro”. A partir do sexting as pessoas começam a criar uma “narrativa umas com as outras”, relativamente ao encontro sexual que ainda não aconteceu, o que serve para “perceberem se são ou não sexualmente compatíveis”, justifica.

Novas formas para práticas antigas

A evolução tecnológica facilita a prática do sexting, mas a ideia que está na base da partilha tem origens antigas.

Daniel Cardoso recorda como, já no século XVIII, os príncipes e princesas trocavam retratos antes de casarem e, mais tarde, os soldados trocavam cartas íntimas com as esposas. Não se trata, exatamente da mesma coisa, contudo “o fenómeno em si não é novo, exprime-se é de uma forma completamente diferente, porque, obviamente, no século XVIII não temos smartphones, nem Internet”.

São vários os estudos, como o do National Opinion Research Center, que apontam no sentido de estarmos a assistir a um declínio do sexo em países desenvolvidos como os EUA. Contudo, e apesar de reconhecer a influência da tecnologia nesta ocorrência, Daniel Cardoso não considera que o sexo esteja a ser substituído, mas “complementado com outras formas de nos ligarmos às pessoas”. Sendo assim, o importante não é ver se há mais ou menos sexo, mas a qualidade das ligações.

Quer positivo ou negativo, o sexting faz parte da realidade de um mundo cada vez mais digital, e começa tornar-se um comportamento normal nos relacionamentos amorosos entre jovens.

Artigo editado por Filipa Silva