Os dias são agora mais longos e parece que já lemos tudo o que tínhamos nas prateleiras. Surge a necessidade de algo novo e todas as recomendações são bem-vindas. Quem melhor para falar sobre este assunto do que os próprios escritores? Ana Luísa Amaral, Afonso Reis Cabral, João Tordo e Pedro Mexia falam sobre os autores portugueses que consideram que vale mesmo a pena conhecer.

Enquanto alguns estão mais em contacto com o que de mais novo se faz em Portugal, outros estão convencidos de que dentro dos clássicos ainda existe muito por explorar. Alguns dos nomes serão já mais conhecidos do público, outros nem tanto; em todo o caso, ficam as sugestões, motivando, quem sabe, a nossa próxima encomenda em barda de uma livraria online.

Afonso Reis Cabral

O escritor de 29 anos, que publicou o primeiro livro aos 15, selecionou para o JPN três nomes, também eles muito jovens. O primeiro é o de Ana Bárbara Pedrosa, 29 anos, que publicou no ano passado o primeiro romance, intitulado “Lisboa, chão sagrado”. Afonso Reis Cabral diz que este é um livro “muito cru, forte, muito bem escrito”, e que é boa ideia manter a escritora debaixo de olho: “Acredito que não seja para parar, ela escreve diariamente e tem já na calha mais trabalhos. Acho que vamos continuar a ouvir falar muito bem dela.” Ana Bárbara Pedrosa tem também alguns contos publicados online e colabora no projecto Bode Inspiratório.

Segue-se o poeta Nuno F. Silva, de 26 anos, já com alguns livros publicados, dos quais destaca “Linguagem do Abandono” e “Cativeiro”. “É uma poesia absolutamente segura, sem floreados, vai realmente ao cerne da poesia. Não é autorreflexiva, é virada para o outro, curta, crua e forte”, diz.

Finalmente, Ana Damião da Cunha, uma jovem de 24 anos que publicou em 2016 o romance “Des(Controlo)”, vencedor do Prémio Literário Aldonio Gomes, atribuído pela Universidade de Aveiro. Para Afonso Reis Cabral, “é já uma escrita muito segura, muito voltada para as personagens, e acho que vai dar cartas.” A autora publicou o primeiro livro aos 17 anos, numa pequena editora do Porto, a SimplesMente.

Os dois últimos são mais desconhecidos do público, embora por motivos diferentes: “A Ana Damião da Cunha ainda está muito no início, e os livros não têm grande distribuição.” Quanto a Nuno F. Silva, “a poesia, lamentavelmente, tem menos leitores, menos visibilidade”, comenta vencedor do ano passado do Prémio José Saramago.

Pedro Mexia

Pedro Mexia tem como primeira sugestão um escritor já bastante conhecido, mas que não podia deixar de mencionar, por considerar o escritor “mais interessante” da sua geração: Gonçalo M. Tavares. “É um escritor que tem um universo próprio, é reconhecível, alguns livros do Gonçalo, nomeadamente a série “O Bairro”, ou “Jerusalém”, são livros muito reconhecíveis como sendo dele, e isso é muito importante na forma como um escritor se estabelece na imaginação dos leitores. A preocupação com o mal e a história são dois temas muito fortes, e o Gonçalo M. Tavares tem hoje uma repercussão verdadeiramente internacional como poucos autores portugueses têm.”

Bruno Vieira Amaral e Djaimilia Pereira de Almeida são autores que Pedro Mexia destaca muito pelas temáticas que abordam e por terem escrito “a partir da sua própria experiência pessoal”. “O Bruno tem escrito sobre um mundo que não aparece muito na literatura portuguesa que é o das periferias, dos subúrbios, da margem sul de Lisboa. É um mundo que não tem atenção literária, há uma tradição dos anos 40, e depois no neorrealismo português que falava dos trabalhadores rurais, no Alentejo, Ribatejo, mas depois disso não há esse mundo dos subúrbios pós-revolução na literatura portuguesa. Ele tem escrito sobre isso de uma forma memorialística/jornalística/ficcional.”

Quanto a Djaimilia Pereira de Almeida, nascida em Angola, são as questões étnicas que sobressaem: “Ela tem um livro chamado “Esse Cabelo”, é sobre a ideia do cabelo, a história do cabelo, que é uma espécie de marca de uma pertença africana. É uma autora que escreve muitíssimo bem, acho que é das pessoas da sua geração que escreve com mais cuidado, percebe-se o tempo que ela dedica à escrita… tem um romance do ano passado, “Lisboa, Luanda, Paraíso”, que ganhou o Prémio Oceanos 2019, também sobre a experiência de angolanos em Portugal e os aspetos hospitaleiros ou hostis dessa experiência.”

Quanto a poesia, diz que “há uns anos parecia muito claro quais eram as tendências da poesia portuguesa, e felizmente ela é suficientemente estimulante para aparecerem dois ou três poetas que desarrumam essas categorias.” Esses dois autores, para si, são Margarida Vale de Gato e Miguel Manso. “Mulher ao Mar”, da primeira, é para Pedro Mexia “uma tentativa muito conseguida de escrever poesia no feminino de uma forma diferente daquilo a que se costuma chamar a poesia feminina – ou feminista – portuguesa, que tem uma tradição”. A autora, refere Mexia, “dá uma sofisticação de linguagem” que “parece diferente do que tem sido feito na poesia portuguesa. Talvez por causa da sua experiência como tradutora, ela tem uma capacidade técnica, oficinal, de escrever poemas que é muito invulgar.”

De Miguel Manso, diz que tem “uma característica invejável a qualquer poeta, lê-se um verso dele e não se consegue imaginar qual é o verso seguinte. É um poeta muito avesso a clichés, muito surpreendente, que vai buscar os seus materiais aos sítios mais diversos, por exemplo à pintura, ou às viagens imaginárias, e escreve com uma grande vivacidade. É um dos nomes que acho mais estimulantes na poesia portuguesa da última década e meia.”

O escritor, cronista e crítico acredita que a renovação de gerações é bem-vinda no panorama literário português: “Não há propriamente aquela ideia que muitas vezes as pessoas têm, de que há uma geração de grandes escritores que morreram entretanto e a geração não se renovou. Acho que há muita literatura portuguesa atual que vale a pena descobrir. Os nomes a certa altura começam a ser falados, as pessoas vão começando a reparar neles, a ler artigos na imprensa, que também é importante na divulgação de um nome, não sou muito pessimista quanto a isso.” Reconhece que a poesia é um nicho do qual é mais difícil sair: “os leitores em geral não lêem poesia. Mas pelo menos na prosa acho que os escritores que valem a pena acabam por ser conhecidos.”

João Tordo

As recomendações de João Tordo são já de “autores feitos”, pois, admite: “não conheço autores muito novos, nem leio assim tantos autores portugueses”.

“Índice Médio de Felicidade” e “A Educação dos Gafanhotos” são as obras que destaca de David Machado, um autor “relativamente novo, mas já com alguma obra”. Escreve para adultos e para crianças e participa no projeto “Um dia de cada vez”, “uma espécie de diário da quarentena, com sugestões, ideias para quem está fechado em casa”.

Aconselha também “Filho da Mãe”, ensaio autobiográfico de Hugo Gonçalves, “sobre a relação dele com a mãe e a morte dela, muito bonito e muito bem escrito”, e “Ecologia”, de Joana Bértholo: “Tem muito a ver com os tempos de hoje, e é muito bonito, ela tem uma forma muito particular de escrever.”

Não crê que haja um desinteresse em autores mais jovens. “Eu publiquei o meu primeiro livro já com 28 anos, até ganhar um público e conquistar terreno demorou muitos anos, acho que é uma coisa que demora o seu tempo. As pessoas precisam de se habituar a um escritor, precisam de criar familiaridade com o escritor para começarem a segui-lo e a comprar sempre os livros dele. Não tem a imediatez que tem uma canção, ou um post no Instagram, a literatura é uma coisa que demora tempo, e o público também demora tempo a afeiçoar-se”, desdramatiza.

Ana Luísa Amaral

Shakespeare 400 é para maiores de 18 anos e tem um número limitado de participantes, pelo que deve ser feita uma inscrição prévia através do e-mail rp@tnsj.pt ou do telefone 22 340 19 56. A iniciativa decorre entre as 10h00 e as 13h00 e entre as 14h30 e as 17h30. Os participantes podem frequentar apenas um módulo, pelo preço de 25 euros, ou todo o seminário beneficiando, nesse caso, de descontos.

Ana Luísa Amaral, escritora e professora universitária, prefere os clássicos. Confessa não prestar grande atenção aos autores mais jovens: “As pessoas antes de conhecerem o que é mais recente, na minha opinião, deviam conhecer aquilo que já aí está há muito tempo e que é esquecido. Acho que vivemos um momento de obsessão com o novo.

As escolhas da escritora de 63 anos recaem sobre a poesia. Começa por recomendar nomes mais conhecidos, como David Mourão-Ferreira, cuja obra completa foi reeditada recentemente, e Vitorino Nemésio, que apesar de mais conhecido por “Mau Tempo no Canal”, que considera “um grande romance”, tem também poemas “fabulosos”.

De Rui Cinatti diz que “tem uma voz absolutamente única na poesia portuguesa. Ele contactou muito com o universo anglo-americano e traz uma grande novidade para o panorama português, que nos anos 60 e 70 era mais influenciado pelos franceses. Traz uma dimensão de quotidiano para a poesia completamente nova.”

Pedro Tamen é outro dos nomes que destaca: “é inultrapassável, um grande poeta português, belíssimo.” Diz ser “uma pena” que o seu nome não seja mais conhecido. Descreve a poesia do autor como “melódica, a maior parte rima, mas do ponto de vista sintático tem momentos interessantíssimos”.

Menciona dois poetas cuja escrita “não é fácil”. De Luiza Neto Jorge diz que “dá para as pessoas estarem bastante tempo à volta de um poema”. Fernando Echevarría é o outro nome que considera mais complexo, cuja escrita apelida de “muito densa, mas musical”, e lamenta que este seja um poeta “completamente esquecido em Portugal”, tendo apenas obtido mais reconhecimento quando ganhou o Prémio Literário Casino da Póvoa, no âmbito do festival Correntes d’Escritas, em 2015.

Recomenda também Salette Tavares, que, a par de Ana Hatherly, é dos nomes a ter em atenção no que toca a poesia visual. Salette Tavares, “ainda bastante desconhecida do público em geral”, tem uma obra “completamente diferente, inovadora” e é “uma pedrada no charco na poesia portuguesa”.

Ana Luísa Amaral diz ter deixado o melhor para o fim: Ilse Losa. “Para quem tem filhos em casa, ela tem livros infantis, completamente diferentes do que agora se escreve, que infantiliza muito as crianças. Tem também uma pérola de literatura, “ O Mundo Em Que Vivi”, um romance curto sobre a sua experiência durante a Alemanha nazi. Ela teve de fugir da Alemanha para Portugal, refugiou-se aqui no Porto. É comovente, muito bem escrito, fantástico.”

A autora considera mais útil e interessante reler aquilo que já temos publicado, ao invés de recomendar autores muito jovens, de forma a contrariar “a velocidade estúpida a que vivemos”. “Este momento terrível obriga-nos a parar e a contemplar mais”, remata.

Artigo editado por Filipa Silva