Na noite de 25 para 26 de abril de 1986, o reator número quatro da central nuclear de Chernobyl explodiu e incendiou-se. A explosão, a norte de Kiev, emitiu partículas durante 10 dias. Já as consequências continuam a fazer-se sentir, 34 anos depois. Este ano, a preocupação aumentou, com um incêndio a lavrar próximo da antiga central.

Mas recuemos ao trágico acidente de 1986. Dois trabalhadores morreram na sequência da explosão e 28 pessoas, entre bombeiros e trabalhadores de limpeza, pereceram nos meses seguintes, com lesões causadas pela radiação, segundo a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA, na sigla inglesa). Os resíduos radioativos chegaram a territórios como a Bielorussia, a Rússia e a Finlândia.

Estima-se que 350 mil pessoas tenham sido evacuadas, depois do acidente. Mais de três décadas depois, a área circundante – numa extensão de 30 quilómetros – continua inabitável, devido aos altos níveis de radioatividade. E assim será por mais 20 mil anos, estimam os cientistas. 

A central nuclear foi construída em Pripyat, na cidade de Chernobyl, na antiga URSS. Depois da Segunda Grande Guerra, a potência mundial investiu montantes avultados em energia nuclear. A central começou a ser construída em 1972 e em 1983 eram dados como concluídos os reatores 3 e 4. Apenas três anos depois, durante um teste de rotina, a estrutura do reator 4 cedeu à pressão das turbinas em contacto com água arrefecida. Deu-se uma explosão, seguida de incêndios, e a libertação de radioatividade para o meio ambiente. 

Inicialmente, os bombeiros foram mobilizados para despejar água no reator 4. Só depois foram substituídos por helicópteros militares, que despejaram toneladas de chumbo e areia, na tentativa de abafar o fogo e conter a radiação, e evitar uma eventual inundação dos restantes reatores. 

Foi construído um sarcófago de emergência para cercar o reator danificado. Os restantes reatores mantiveram a atividade até ao final de 2000. O mau estado de conservação do sacrófago, numa fase mais recente, obrigou à construção de uma segunda cápsula. Na “zona de exclusão” de mais de 4 mil quilómetros quadrados, a vegetação ganha terreno, assim como algumas espécies selvagens. 

Imagem da zona de exclusão captada em 2017. Foto: Wikimedia Commons

34 anos assinalados em chamas

Recentemente, uma vaga de incêndios que deflagrou em terreno próximo da central de Chernobyl gerou novas preocupações, com vários ativistas ambientais a alertar para os riscos de radiação. Este sábado (24), a IAEA afirmou que “o aumento dos níveis de radiação medidos no país era muito pequeno e não representava riscos para a saúde humana”, segundo a avaliação dos dados oficiais ucranianos. 

Num artigo publicado na quinta-feira (23), a Greenpeace alerta que, três semanas depois do começo dos incêndios, “pelo menos três dos maiores fogos continuam ativos. Um deles fica próximo da antiga central nuclear, apenas a quatro quilómetros de distância do sarcófago”. Os primeiros fogos começaram a 3 de abril.

Apesar da insistência do fogo “na zona de exclusão”, as autoridades ucranianas dizem que não há um aumento do risco para a saúde pública. Foto: Wikimedia Commons

A organização sublinha ainda que “centenas de bombeiros e silvicultores sub-equipados estão neste momento a tentar manter os fogos no norte da Ucrânia sob controlo”, correndo vários riscos. Segundo imagens de satélite, estima-se que a área ardida seja já de 57 mil hectares da zona interdita de Chernobyl, ou seja, mais de 20% da “zona de exclusão”.

Quercus e MIA ressurgem-se contra as centrais em Espanha

A assinalar a data, a Quercus (Associação Nacional de Conservação da Natureza) e o Movimento Ibérico Antinuclear (MIA) expressam preocupação com a recente situação em Chernobyl e relembram o incidente semelhante em Fukushima, em 2011. Num comunicado enviado este domingo (26), voltam a exigir o encerramento das centrais nucleares espanholas ainda ativas.

“Era mesmo necessário construir centrais nucleares para nos fornecerem energia suficiente ou continuar agora a manter essas estruturas quando elas já atingem a obsolescência?”, questiona o MIA, que congrega mais de 50 organizações portuguesas e espanholas. Defendem que manter a produção de energia nuclear não é aceitável, dada a “enorme capacidade de geração de energia a partir de fontes renováveis, além de soluções de engenharia para aumentar a eficiência energética”. 

Segundo dados do Eurostat, em 2018, 13 países europeus possuíam reatores nucleares operacionais, entre os quais França que, em 2017, era o país europeu com mais reatores operacionais. Espanha tem um plano para encerrar as sete centrais nucleares que mantém ativas até 2035. A central de Almaraz é a maior do país, situada numa das margens do rio Tejo, a 100 quilómetros de Portugal.

Apesar de agendado para este ano, o encerramento da central espanhola foi adiado por mais oito anos. Há muito que Portugal se preocupa com as implicações da central de Almaraz. Em 2017, a Assembleia da República aprovou um apelo unânime para que o Governo português defendesse o fecho da central nuclear junto do Governo espanhol. 

Sobre os perigos da produção nuclear, a Quercus e o MIA chamam à atenção para “um facto nunca mencionado”: o impacto radioativo vai “durar até 300 mil anos e a sua gestão é paga por toda a sociedade”. Sem esta gestão contínua para “evitar a emissão contínua de milhões de partículas”, lembram que a contaminação radioativa pode alastrar-se desde a atmosfera, aos solos, recursos hídricos e ecossistemas do planeta.

O movimento antinuclear está espalhado pelo mundo, com várias organizações a apelarem ao fim da exploração desta energia. Apesar de limpa, os perigos da energia nuclear são vários, relacionando-se com o ambiente e saúde pública, a segurança das centrais e a proliferação de armas nucleares.

O acidente em Chernobyl terá afetado cerca de 6 milhões de vidas, direta ou indiretamente e muito além do território ucraniano. Milhares de pessoas viram-se obrigadas a abandonar as suas casas, mas a destruição ambiental e os perigos para a saúde foram e são equacionados no longo-prazo.

Artigo editado por Filipa Silva