Em setembro, o Governo assinou diversos protocolos com a Movijovem (Pousadas da Juventude) e associações de hostels e alojamento local, para acolher, a nível nacional, cerca de 4.500 estudantes bolseiros que não encontrassem lugar nas residências universitárias.
Contudo, o JPN contactou seis das 11 entidades de alojamento do Porto que fazem parte da listagem disponibilizada no site da Direção-Geral de Ensino Superior (DGES) e todas afirmaram não existir até ao momento qualquer vaga ocupada por estudantes ao abrigo desta nova modalidade.
Falta de informação e eventuais atrasos na atribuição das bolsas dificultam celebração de contratos
Os estudantes começaram a contactar os hostels e pousadas da juventude no início de outubro, manifestando interesse nas camas disponíveis, mas em número muito inferior ao esperado e sem que tal resultasse na celebração de qualquer contrato.
Estes dados têm chegado de diversos pontos do país à Associação de Hostels de Portugal, uma das entidades subscritoras do protocolo.
Para Rui Pina, que preside a esta estrutura e é também gerente de diversas unidades de alojamento local no Porto, “a máquina ainda não está bem oleada para que o processo seja eficaz”.
Existem “lacunas” na divulgação, já que os estudantes não dispõem de “informação completa”. Contactam os hostels com dúvidas que já deviam estar resolvidas.
“As pessoas telefonam para aqui mais para fazer perguntas. Parecemos a Segurança Social”, lamenta-se Julien Ribeiro, do Urban Garden Hostel, que até ao momento recebeu apenas dois contactos e a quem parece que esta modalidade “chegou tarde”. “As coisas só mexeram mesmo nos últimos sete a dez dias”.
Outra dificuldade prende-se com eventuais “atrasos na atribuição das bolsas”, acrescenta Rui Pina. Os alunos são apanhados de surpresa com a obrigatoriedade de um pagamento adiantado de três mensalidades e alguns afirmam ainda não ter recebido a bolsa, podendo só saber em novembro se a mesma é ou não renovada, o que dificulta a entrada imediata no hostel.
O Hotel Star Inn é outra das unidades de alojamento da cidade que ainda não acolheu qualquer estudante. “Esperava melhores resultados”, admite Pedro Salazar, diretor-geral do hotel, ao JPN. “Estávamos a contar com 10/20 camas ocupadas. Neste momento já não temos essa expectativa”.
Fonte da Pousada da Juventude do Porto confirma também ao JPN não ter recebido até ao momento qualquer estudante ao obrigo do protocolo.
Paula Pinho, da Manuel Steps, não esconde a desilusão pela falta de resultados: “Fizemos ajustes no mobiliário e na organização das camas para adequar os quartos aos estudantes, mas saiu furado”. Com seis camas disponíveis, ainda nenhuma foi alugada.
FAP aponta falhas ao plano do Governo
Marcos Alves Teixeira, presidente da Federação Académica do Porto (FAP), aponta “falhas de comunicação” em todo o processo delineado pelo Ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), considerando que o mesmo não foi o “mais eficaz”.
A FAP concorda que faz sentido aproveitar as potencialidades de alojamento local, tendo em conta que é um setor que “está em stress”, por causa da COVID-19, “e que tem a oferta” de que os estudantes necessitam.
No entanto, o dirigente estudantil considera que o processo de assinatura de protocolos “foi prematuro”, porque não havia ainda oferta disponível e que existe uma falta de conhecimento dos estudantes em relação a esta nova possibilidade.
Estas dificuldades teriam sido resolvidas, prossegue Marcos Alves Teixeira, se fosse criada “uma plataforma online parecida com as plataformas convencionais de alojamento, onde as ofertas estariam centralizadas e seriam de fácil acesso. O facto de não haver um processo centralizado pode ter criado alguma entropia”.
A medida que permite aos estudantes deslocados fixarem residência em hostels e pousadas da juventude está a ser acompanhada de um aumento substancial do subsídio de alojamento (no Porto, passou de 174 euros para 263 euros; e, em Lisboa, de 174 euros para 285 euros); bem como da diminuição do preço médio das camas (ainda que no Porto, até à data, de forma muito ligeira: era de 305€, em outubro de 2019, e passou para os 297€ actuais, o que corresponde a uma variação de 3%).
Requalificação e construção de novas camas em residências fica abaixo do esperado
Neste ano letivo, as camas disponíveis nas residências estudantis diminuíram por causa do cumprimento das medidas de distanciamento social resultantes da pandemia de SARS-CoV-2.
São 2.218 lugares a menos por comparação com o ano letivo anterior, o que corresponde a uma queda próxima dos 15%, nesta tipologia.
Assim, o aumento referido pelo Governo com base no balanço semestral de execução do Plano Nacional de Alojamento do Ensino Superior (PNAES), apresentado a 30 de setembro – passando de cerca de 16.000 camas para sensivelmente 18.500 – resulta do somatório da oferta de alojamento já existente com as potenciais 4.500 camas que serão disponibilizadas pelas entidades privadas de alojamento com as quais o Governo assinou protocolos.
O Governo admite, porém, que a construção e requalificação de camas em residências está abaixo do esperado.
No balanço semestral de execução do PNAES, estima-se que até ao final do ano terão sido intervencionadas 1.573 camas em vez das 2.492 previstas. Destas intervenções apenas 64 correspondem a novas camas.
Na Audiência Parlamentar de 7 de outubro, realizada ao ministro Manuel Heitor a pedido dos grupos parlamentares do CDS/PP e do PSD, o deputado Alexandre Poço, líder da JSD, defendeu que a execução do PNAES “é um descalabro, um falhanço”, classificando os objetivos do Governo de “ficção científica” e os números apresentados de “propaganda e engodo”.
Na noite anterior, Alexandre Poço e a restante direção nacional da JSD tinham acampando em frente ao MCTES, numa ação de protesto contra o que consideram ser as falsas promessas do Governo socialista.
O Ministério liderado por Manuel Heitor sublinha, por seu turno, o esforço que o Estado está a realizar através do PNAES, ao disponibilizar cerca de 200 imóveis para requalificação, mas admite a existência de “3.762 camas que por questões burocráticas ou não asseguradas em tempo útil resultaram numa não oferta aos estudantes”.
Destas, 971 estão atrasadas devido ao regulamento de gestão do Fundiestamo (Sociedade a quem cabe a gestão dos fundos imobiliários do Estado); 318 camas viram o concurso público anulado por ausência de participantes; e 2.473 foram consideradas desajustadas para requalificação, pretendendo o Governo permutá-las com outras que tenham viabilidade.
O ministro reiterou que “há mais camas” (se adicionarmos as camas existentes com as protocoladas) e “mais apoios sociais”, e que mesmo com a COVID-19 o número de camas disponibilizadas para ação social subiu.
O secretário de Estado João Sobrinho Teixeira não tem dúvidas: o projeto previsto no PNAES, que aponta para uma duplicação da oferta disponível em residências durante os próximos anos (até alcançar os 30 mil lugares em 2030), vai “demorar tempo a fazer”.
Construção e renovação de camas em residências deve ser solução, sublinham FAP e oposição
A adoção dos protocolos com entidades privadas levanta dúvidas à oposição. Alexandre Poço, deputado do PSD, afirmou que “uma solução que é temporária está a ser utilizada para compensar uma falha na execução do PNAES”, enquanto que o PCP, através de Alma Rivera, representante do Grupo Parlamentar comunista na Comissão de Educação, Ciência. Juventude e Desporto, enfatiza que camas protocoladas “não são novas camas, são camas temporárias, excepcionais” e que “novas camas são camas construídas”.
Marcos Alves Teixeira, presidente da FAP, diz que a crise que estamos a viver era previsível: “Nos últimos 20 anos, temos mais 100 mil estudantes no Ensino Superior a nível nacional. E nesses mesmos 20 anos o número de camas nas residências só aumentou 6 mil, que ainda assim foi um aumento percentual bastante grande (53%)”, referiu.
Quanto a soluções, é taxativo: “É preciso construir mais camas em residências”, para que o problema seja resolvido de “forma estrutural” e que mais “uma barreira de acesso ao Ensino Superior” possa assim ser removida.
Artigo editado por Filipa Silva