A vila costeira de Palma, situada no nordeste de Moçambique, foi tomada de assalto por radicais afetos ao Al-Shabbab que a cercaram desde quarta-feira (24 de março). Entre as dezenas de mortos e os milhares de deslocados, o rasto de terror é alarmante.
Vivem-se dias dramáticos em Cabo Delgado, no norte de Moçambique. A braços com um conflito que tem assolado o território desde 2017, o país da Costa Oriental Africana tem sido palco de acesas disputas e de ataques armados sem pudor, responsáveis por provocar mais de duas mil mortes e 670 mil deslocados, centrando em si a atenção mundial para a gravidade do cenário de guerrilha vivido.
Um conflito que não tem dado tréguas à população e que conheceu no passado dia 24 de março um novo capítulo e um atroz escalar de violência.
Os contornos do ataque
“Um grupo de terroristas penetrou, dissimuladamente, na vila sede do distrito de Palma e desencadeou ações que culminaram com o assassinato cobarde de dezenas de pessoas indefesas e danos materiais em algumas infraestruturas do Governo”. É este o retrato traçado por Omar Saranga, porta-voz do Ministério da Defesa Nacional de Moçambique.
“As FDS [Forças de Defesa e Segurança] registaram com pesar a perda de sete vidas de um grupo de cidadãos que se precipitou numa coluna de viaturas saída do hotel Amarula, que foi emboscada pelos terroristas”, acrescentou o dirigente.
The attacks in #Palma #CaboDelgado thank you to Marcelo Mosse pic.twitter.com/D230sqhim5
— jœ (@HalfManHalfRusk) March 27, 2021
Esta foi a primeira vez, desde o início do conflito, em Outubro de 2017, que se registaram as primeiras baixas de estrangeiros entre a população civil (6 pessoas de nacionalidade sul-africana). O Hotel Amarula, localizado nos arredores de Palma, foi ponto chave no desenrolar das operações islâmicas. Um grupo mais restrito, de cerca de 200 cidadãos de diferentes nacionalidades, refugiou-se no estabelecimento hoteleiro, de onde muitos foram sendo resgatados por terra e mar para a área controlada pela petrolífera Total.
Porém, uma das caravanas foi atacada na noite de sexta-feira e pelo menos sete pessoas morreram. Houve ainda feridos no incidente e um deles é um português, tendo sido transferido para a África do Sul, para tratamento médico, conforme confirmaram as autoridades portuguesas. Visto como um bom refúgio após a eclosão dos ataques à vila por trabalhadores estrangeiros e alguns representantes do poder político local, o Amarula tornou-se num alvo.
Após dias de indefinição no teatro de operações, o ataque dos insurgentes islâmicos à vila sede de distrito com 42 mil habitantes foi reivindicado pelo Daesh. A informação foi avançada pela agência oficial do movimento jihadista, a Amaq, que assumiu o controlo do território, divulgando imagens da vila no extremo Norte de Moçambique, perto da fronteira com a Tanzânia.
O número exato de vítimas ou desaparecidos permanece por esclarecer, quando a maioria das comunicações com Palma prossegue sem dar resposta e as forças governamentais “continuam a clarificar as zonas de Palma por forma a garantir um regresso seguro das populações”.
#Mozambique:
The humanitarian situation in Palma, Cabo Delgado, is extremely concerning following the recent attack by non-state armed groups and ongoing clashes reported in the district since 24 March.Dozens of civilians may have been killed.
More: https://t.co/inbpL55VM3 pic.twitter.com/M4AwsdvpFT
— OCHA Southern & Eastern Africa (@UNOCHA_ROSEA) March 30, 2021
A ameaça aos projetos de gás natural
O ataque coordenado e grande intensidade levado a cabo por vários grupos desenrolou-se num ponto estratégico moçambicano. Palma é a vila que serve de ponto de ligação terrestre e aérea à exploração de gás natural na bacia do Rovuma e às instalações que estão a ser construídas na península de Afungi, considerado como o mais avultado investimento privado realizado em solo africano, na ordem dos 20 mil milhões de euros.
Curiosamente, no dia do ataque a Palma, a Total (petrolífera francesa) tinha manifestado a intenção de retomar os trabalhos para exploração de gás, mas foi forçada a anunciar no sábado a suspensão das suas operações após o ataque ‘jihadista’ na região.
A Total “não tem vítimas a lamentar no pessoal que trabalha no local do projeto” em Afungi, a 10 quilómetros da localidade de Palma, mas vai “reduzir os trabalhadores ao mínimo” e a “reativação do projeto ponderada esta semana fica suspensa”, de acordo com um comunicado citado pela AFP.
Apesar de o projecto Mozambique LNG não estar posto em causa, o investimento é de extrema importância para uma região com um índice de pobreza desmedido e Filipe Nyusi (Presidente Moçambicano) parece estar numa encruzilhada entre garantir a segurança do projeto sem abrir mão do controlo do seu território.
A fuga desesperada da população
Este panorama agudiza as debilidades do combate contra a insurgência e afeta a imagem que o Executivo moçambicano pretendia transmitir: a de estar no caminho certo para debilitar os jihadistas e garantir a segurança dos projetos de exploração de gás natural na bacia do Rovuma. Entretanto, o Governo de Moçambique fez saber que não aceita militares estrangeiros a combater os radicais, apenas permite que as tropas moçambicanas recebam instrução militar para o efeito.
Palma é agora uma vila deserta, sem gente e movimento nas ruas. Do ar, ainda se vê o fumo de edifícios incendiados pelos radicais, que aplicam normalmente uma política de destruição de infraestruturas públicas.
Um número incalculado de pessoas está desde então a fugir para a península de Afungi, bem como para a Tanzânia ou para Nangade, município a Norte de Mueda, junto à fronteira.
Disturbing reports of targeted attacks against civilians have continued to emerge from the northern #Mozambique town of #Palma.
UN agencies @unocha, @wfp, @refugees, @UNmigration report that dozens of people had been killed during attacks by unnamed insurgents. pic.twitter.com/yLhNwq7wPG
— UN Geneva (@UNGeneva) March 30, 2021
Os grupos incluem muitas crianças e estão todos a caminhar desde quarta-feira pelo mato, sem comida e sem água, depois de deixarem tudo para trás quando grupos armados entraram na vila. Após procurarem refúgio nas florestas densas da região começaram também a rumar a sul, com o objetivo de chagar a Pemba, onde estão concentradas as organizações internacionais que fornecem apoio alimentar e assistência médica.
Crise humanitária “preocupante”
No seu mais recente relatório, datado de 29 de março, segunda-feira, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (UNOCHA) enfatiza a gravidade do cenário no município de Palma, no qual mais de 110 mil pessoas vivem num contexto de terror.
Cenas chocantes no aeroporto de Pemba #CaboDelgado, crianças chegam feridas, desorientadas e assustadas após violência brutal em #Palma.
O UNICEF e parceiros já estão a trabalhar no terreno para apoiar as crianças e suas famílias. pic.twitter.com/bNF9aJhcLZ
— UNICEF Moçambique (@UNICEF_Moz) March 30, 2021
A par das atrocidades cometidas às mãos dos rebeldes, a fome grassa e a crise humanitária adensa-se e os deslocados na sequência do ataque armado a Palma ultrapassam os 3000. A rede de água de Quitunda deixou de funcionar, ao passo que casos urgentes de feridos, grávidas ou doentes têm sido transportados em aviões de apoio humanitário para Pemba.
Tijdens een missie ontmoette een UNCHR-delegatie in Cabo Delgado 🇲🇿 mensen die in eigen land op de vlucht zijn voor geweld.
Getuigenissen van mensen wiens familieleden werden onthoofd tonen aan hoe tragisch de situatie in het noorden van Mozambique is. pic.twitter.com/JTvQ5odRdR
— UNHCR België (@UNHCRBelgie) March 24, 2021
Em suma, o ataque dos insurgentes jihadistas à vila de Palma pode ser considerado como uma das ofensivas mais ousadas da guerra em Cabo Delgado na derradeira pedra para a sua transformação num conflito internacional. Urge o contra-ataque das forças governamentais moçambicanas de forma a controlar o ímpeto jihadista que tanto transtorno tem causado.
Artigo editado por João Malheiro