Ivo Rosa, juiz de instrução da Operação Marquês, que tem em José Sócrates a figura central, deliberou que o antigo primeiro-ministro vai ter que responder em julgamento por três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documentos. Fica, no entanto, livre das acusações de corrupção das quais foi alvo pelo Ministério Público.

A decisão final de seis mil páginas foi esta sexta-feira resumida numa leitura de sensivelmente três horas. Durante a sessão, à qual José Sócrates assistiu presencialmente no Campus da Justiça em Lisboa, ficou a saber-se que o antigo governante vai a julgamento por seis dos 31 crimes pelos quais estava acusado pelo Ministério Público.

Os crimes de branqueamento de capitais, cuja moldura penal vai de 2 a 12 anos de prisão, estão relacionados com o recebimento, por parte de José Sócrates, de mais de 1.7 milhões de euros, que têm Carlos Santos Silva na origem. Pagamentos pelos quais o Ministério Público queria que os dois arguidos fossem julgados por corrupção passiva. Ivo Rosa não enjeitou indícios de suborno, mas discordou da tipologia do crime imputado pelo Ministério Público, além de considerar que à data da acusação o ilícito já teria prescrito.

A decisão instrutória viu ainda indícios de que Sócrates teria falsificado documentos referentes ao arrendamento do apartamento em Paris e quanto aos contratos de prestação de serviços celebrados entre a RMF Consulting e envolvidos. Pelos crimes de falsificação de documento, a pena varia entre um e cinco anos de prisão.

Além dos três crimes de corrupção, caíram ainda da lista de acusações a José Sócrates três crimes de fraude fiscal qualificada, 13 crimes de branqueamento de capitais e seis crimes de falsificação de documento.

Dos 28 arguidos do processo, apenas cinco vão a julgamento. Além de José Sócrates, também o empresário Carlos Santos Silva vai responder em tribunal pela coautoria dos mesmos crimes imputados ao antigo primeiro-ministro. Ricardo Salgado foi outro dos nomes que ficou a saber que vai a julgamento, mas neste caso por três crimes de abuso de confiança. Já Armando Vara e João Perna seguem o mesmo trajeto, mas por um crime de branqueamento de capitais e um de porte de arma, respetivamente.

Ao longo da leitura, Ivo Rosa foi deixando duras críticas à acusação deduzida pelo Ministério Público, sublinhando que algumas das acusações pecavam por “falta de suporte probatório” e que constituíam “um conjunto de opiniões, perceções meramente subjetivas”, de “falta de rigor” ou ainda de “especulação e fantasia”. Exemplificando, o juiz considerou que não havia qualquer base que sustentasse o alegado “favorecimento do Grupo Lena”, lançando: “nessa parte, a acusação é completamente inócua, na medida em que não identifica pessoas instrumentalizadas por José Sócrates”.

O Ministério Público anunciou no final da leitura que vai recorrer da decisão, tendo solicitado para o efeito a extensão do prazo previsto na lei. A acusação, liderada pelo procurador Rosário Teixeira, pede 120 dias para responder à decisão do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal. O recurso será feito junto ao Tribunal da Relação de Lisboa. A fase de instrução começou a 28 de janeiro de 2019. Os atos na mira da justiça terão sido praticados entre 2006 e 2015.

À saída do tribunal, o antigo primeiro-ministro assegurou que não cometeu os crimes de que saiu acusado, e sublinhou que a acusação do Ministério Público “ruiu” por completo, insistindo na “motivação política” da ação. Numa conversa de grande acrimónia com a comunicação social, que também acusa de parcialidade, José Sócrates reiterou que “prenderam e difamaram durante sete anos um inocente”.

Artigo editado por Filipa Silva