A AIPIM demonstrou-se apreensiva, esta quarta-feira, face a uma decisão da Teledifusão de Macau (TDM), canal público radiofónico e televisivo da Região Administrativa Especial, com emissões em português, escrevendo, numa declaração à Lusa: “estas situações e o que veio a público são motivo de atenção e preocupação por parte dos nossos associados”.

A decisão em questão está associada à eliminação por parte da TDM de determinadas partes do debate em português “Contraponto”, transmitido a 30 de maio, em que se abordava o massacre de Tiananmen. Para além disso, o canal eliminou reportagens em formato online do telejornal transmitido no dia do 32.º aniversário do massacre, a 4 de junho.

O jornal “Expresso” adianta que uma das quatro reportagens divulgadas no telejornal da TDM apresentava críticas da Associação Novo Macau Democrático relativamente à proibição da vigília para assinalar o aniversário da tragédia de Tiananmen.

Tal deliberação levou o jurista Frederico Rato e o jornalista Emanuel Graça a abandonarem a emissora de Macau. “Deixei o programa porque fui censurado na opinião que expendi relativamente à proibição da vigília para assinalar os acontecimentos na praça de Tiananmen, por parte da PSP de Macau”, afirmou o advogado à Lusa. 

Frederico Rato disse que, nas suas declarações censuradas, defendia que a interdição da vigília do massacre de Tiananmen violava a Lei Básica, espécie de “miniconstituição” de Macau, e que, de certa forma, este documento legal “corria o risco de passar a letra morta”, preconizando, assim, o “fim da [sua] aplicação”.

Como resposta à contestação face à escolha feita, na segunda-feira, a TDM alegou que a remoção das declarações no debate “Contraponto” justifica-se pelo facto de “os comentadores opinarem sobre um processo que decorria no âmbito do Tribunal de Última Instância”, referindo-se a um recurso apresentado pelos organizadores da vigília após a sua proibição, em que “não havia ainda uma decisão final”.  

Contudo, Frederico Rato desmentiu a explicação para a decisão do canal de Macau. “Eu não fiz qualquer comentário à decisão de qualquer tribunal, fosse ele qual fosse, e gostava que a comissão executiva da televisão de Macau transcrevesse e publicasse esse comentário fantasma que nunca existiu”, avançou o jurista à Lusa. 

Entretanto, a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau admitiu que “objetivamente não vislumbra motivo que impeça comentadores de se pronunciarem sobre processos em curso nos tribunais, independentemente da natureza dos mesmos e desde que se respeitem as regras e os princípios aplicáveis, como o segredo de justiça ou a presunção de inocência”, afirmando que estes têm sido cumpridos.

Para o advogado Frederico Rato, “parece que, pouco a pouco, esse acervo de direitos, liberdades e garantias está a ser desgastado e não está a ser respeitado“, estando, assim, a ser posta em causa a liberdade de imprensa macaense. 

Março: o início da ameaça à liberdade de imprensa em Macau

No entanto, este episódio não foi o primeiro associado à “repressão” da liberdade de imprensa na Região Administrativa Especial de Macau. A 10 de março, a Teledifusão de Macau divulgou algumas diretrizes que proíbem os seus jornalistas de divulgarem informações contra as políticas da China e que priorizam a adesão ao “princípio do patriotismo” e ao “amor a Macau”.

Segundo declarações à Lusa de um jornalista do canal público referido, o incumprimento das diretrizes levaria ao despedimento por justa causa. Consequentemente, as orientações levaram à demissão de cinco jornalistas da emissora, tendo sido as restrições fortemente contestadas, na altura, tanto pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) como pelo Sindicato de Jornalistas de Portugal. 

Para além disso, este episódio levou os Repórteres Sem Fronteiras (RSF) a colocar Macau no seu ranking anual que analisa a liberdade de imprensa em 180 países, a qual o território ameaça. Em comunicado, a 11 de março, a organização condenou “a interferência editorial da direção das emissoras públicas de Hong Kong e Macau” e pediu aos governos de ambas as Regiões Administrativas Especiais para “cessar[em] os seus ataques à liberdade da imprensa”. 

Numa declaração à Lusa, Cédric Alviani, diretor dos RSF, alertou para a possibilidade de a TDM se tornar “órgão de propaganda” chinesa graças à “censura da direção”. O responsável pela organização admitiu que a China quer “obrigar os jornalistas a alinharem-se com as decisões do partido”, relembrando que “um média público pertence ao público, existe para informar o público, livre dos constrangimentos comerciais de outros órgãos, e deve ser mais independente que um órgão privado”, e não “um órgão controlado pelo Estado, para fazer passar a sua propaganda”.

Face às fortes críticas, o Governo de Macau reiterou, num comunicado, a garantia e o respeito pela liberdade de imprensa no território. O chefe de Governo da Região Administrativa Especial, Ho Iat-Seng, ao salientar que não foram impostas restrições à liberdade de imprensa, defendeu que os media são patrióticos, em declarações feitas depois de uma receção em honra do comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Popular da China, Liu Xianfa, citadas pelo Diário de Macau. 

Artigo editado por João Malheiro