Esta quarta-feira (5), governantes e especialistas de saúde pública voltaram a reunir-se no Infarmed, em Lisboa. A conferência onde é avaliada a evolução da pandemia de Covid-19 em Portugal decorreu numa altura em que os casos aumentaram significativamente, devido à prevalência da variante Ómicron que, segundo referiu João Paulo Gomes, investigador do Instituto de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), representa já 90% dos novos casos no país.

Além da análise da situação epidemiológica atual, os especialistas reunidos no Infarmed deixaram também propostas de medidas a adotar nesta nova fase da pandemia, sugestões que serão discutidas pelo Governo amanhã, quinta-feira (6), em reunião do Conselho de Ministros.

A análise dos especialistas

1) Pico previsto para a segunda semana de janeiro

Baltazar Nunes, do INSA, mostra uma simulação que indica que, nos próximos dias, Portugal pode alcançar números diários de casos de Covid-19 entre os 42 mil e os 130 mil. O especialista nota que o crescimento diário em Portugal é superior ao de outros países.

O especialista acredita que, com estas semanas de contenção, pode haver “inversão da tendência” do crescimento de casos e veremos “a incidência a descer”. Inevitavelmente, com o aliviar de restrições os casos poderão voltar a subir, mas “o pico da incidência será na segunda semana de janeiro”, projeta.

Baltazar Nunes revelou cenários quanto ao pico de casos diários: as hipóteses andam entre os 42 mil e os 130 mil. No pior dos cenários, o especialista considera que 12% da população pode ficar em isolamento ou quarentena; o cenário intermédio aponta para 7% e, o melhor, para os 4% de população isolada. O especialista ressalta que estes cenários “não são previsões” e sim “projeções” de acordo com “determinadas características: ‘se isto acontecer, é o que esperamos'”.

2) Ómicron domina, mas taxa de mortalidade é “moderada”

Pedro Pinto Leite, da Direção-Geral da Saúde (DGS), refere que estamos “numa fase diferente” da pandemia, em que se estão a registar “valores históricos” de infeção por Covid-19. A causa é a nova variante Ómicron, cuja tendência de valores é “fortemente crescente”: a incidência a cada 14 dias está nos 2.007 casos por 100 mil habitantes, uma subida de 131% em relação ao período homólogo. A incidência, a afetar todos os grupos etários, é superior na faixa 20-29 anos.

A taxa de mortalidade, no entanto, encontra-se nos 19 óbitos por milhão de habitantes nos últimos 14 dias. A tendência é “estável e muito abaixo dos valores que já tivemos” noutras fases da pandemia, estando o país num cenário de mortalidade “moderada”.

Isto deve-se, maioritariamente, à adesão à vacinação, sendo “o risco de morte é substancialmente inferior nos indivíduos com esquema vacinal completo”, refere Pinto Leite. O risco de internamento mantém-se, também, “inferior nos grupos com vacinação completada”. O aumento de casos deve ser observado, não obstante, com “cautela”.

De referir ainda o aumento recorde na capacidade de testagem. Na última semana, foram realizados cerca de 1 milhão e 700 mil testes, nomeadamente os rápidos de antigénio.

João Paulo Gomes, do INSA, explicou que a variante Ómicron já é responsável por 90% dos novos casos em Portugal (80% em todo o mundo).

O especialista garante, no entanto, que esta variante “afeta menos os pulmões”. Ana Paula Rodrigues, também do INSA, complementa ao referir que, apesar do risco de infeção ser até dez vezes maior com esta variante, há um risco de hospitalização menor. “Potencial menor gravidade da infeção, menor capacidade de ligação com as nossas células do pulmão e imunidade que já adquirimos” são as razões apontadas pela especialista.

Espera-se, por isso, “carga de doença elevada com gravidades mais baixas”. Isto não significa que a infeção seja mais ligeira, mas sim que tem menor gravidade: “é mais benigna do que a que tínhamos anteriormente”, reforça Ana Paula Rodrigues.

3) Terceira dose da vacina reforçará proteção

Ana Paula Rodrigues explica que a dose de reforço da vacina contra a Covid-19 pode aumentar a eficácia da proteção até 88%.

4) Reforço da vacina para maiores de 20 anos prevista para março

O coronel Carlos Penha Gonçalves, responsável pela estratégia de vacinação, informou que 90,21% da população portuguesa já recebeu pelo menos uma dose da vacina, sendo que 88,28% já têm o esquema vacinal completo.

“Temos um plano para vacinar nos próximos dois meses e meio, até meados de fevereiro, a faixas etárias dos 50, 40 e 30 anos. Depois, finalmente, vamos vacinar os jovens provavelmente já em março“, refere.

O coronel volta a frisar que maior vacinação tem significado menos mortalidade, associando o número de casos e de mortes atual ao efeito das vacinas. “Há uma tendência que nos mostra que nas populações mais idosas, a vacinação protege da mortalidade”, diz, justificando a vacinação das faixas etárias mais velhas em primeiro lugar.

As recomendações para a gestão da pandemia

Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), apresentou durante a reunião do Infarmed recomendações para a gestão da pandemia em Portugal nesta nova fase.

A especialista mantém as recomendações gerais até aqui repetidas, como a continuidade do processo de reforço da vacinação, controlo das fronteiras e atenção às populações vulneráveis.

1) Autogestão do risco e participação ativa da população

Às medidas de proteção habituais – vacinação, promoção da qualidade do ar em espaços interiores, distanciamento, uso de máscara, testagem e higienização -, propõe-se a introdução de um novo pilar: o da autogestão do risco. A especialista recomenda que exista um esforço para autonomizar a população neste sentido, para que se possam fazer autoavaliações de risco.

Em acrescento, recomenda-se capacitar a população face ao que fazer perante teste positivo, facilitando os inquéritos epidemiológicos por via digital, de forma a retirar sobrecarga das equipas de saúde pública na intervenção sobre cadeias de transmissão.

Para isto, pede comunicação clara dos sistemas de saúde sobre medidas de testagem, isolamento, acesso a plataformas de registo de autotestes e efeitos gerais do aumento da incidência, além de um diagnóstico rápido no momento da suspeita, com participação ativa do indivíduo positivo, por via digital. Refere, ainda, a importância de reforçar a capacidade de testagem da população, com autotestes disponíveis e gratuitos.

2) Novos indicadores de alerta

Recomenda-se que as medidas tenham como sinais de alerta a taxa de internamento nas unidades de cudados intensivos (UCI) e a tendência de crescimento do índice de transmissibilidade (Rt, que deve estar abaixo de 1).

Estes indicadores permitem monitorizar mais facilmente a gravidade da doença, o esforço imposto aos serviços de saúde no tratamento de formas mais graves da doença. A combinação destes indicadores permite ainda sinalizar a possibilidade de agravamento nos internamentos.

Ao nível dos internamentos nos cuidados intensivos, a recomendação vai no sentido de estabelecer como limite os 255 internamentos nas UCI. Atingindo-se a fasquia dos 70% destes internamentos (ou seja, 179), sugere-se que sejam de imediato aplicadas medidas para travar antecipadamente o processo.

3) Redução das restrições, com precaução

Estas precauções assentam “numa série de medidas gerais que devemos aplicar no nosso dia a dia”, recordou Raquel Duarte:

  • Manter o reforço da vacinação;
  • Testagem de rotina;
  • Distanciamento;
  • Higienização;
  • Ventilação de espaços;
  • Proibição do consumo de bebidas alcoólicas na via pública.

4) Adotar medidas específicas por setores de atividade

  • Setor escolar, comércio a retalho, restauração, hotelaria, trabalho e centros comerciais: cumprimento das medidas gerais;
  • Lares: Medidas gerais, testagem regular de funcionários e auxiliares, apresentação de certificado de vacinação;
  • Atividades desportivas e eventos em espaços limitados: Medidas gerais, promoção de atividades no exterior, circuitos de circulação, eventos controlados;
  • Eventos de grande dimensão: apenas possíveis num contexto em que seja possível o cumprimento das regras definidas;
  • Viagens: evitar viagens para locais de alto risco e cumprir as regras internacionais.

5) Em situação de alerta, pode haver limitação de ajuntamentos

Em caso de alerta de risco elevado – ou seja, 70% de internamentos em UCI e o Rt acima de 1 -, propõem-se as seguintes medidas de prevenção, além das medidas gerais referidas:

  • Trabalho: teletrabalho sempre que possível, diminuição da lotação de espaços, testagem regular de funcionários e horários desfasados;
  • Restauração: limitação da lotação máxima dos espaços com máximos de pessoas à volta da mesa e preferência pelo exterior;
  • Eventos: redução de lotação para 75% dos espaços e redução do número de pessoas que convivem em situações familiares para dez pessoas;
  • Transportes públicos: limitação da lotação para 75% e utlização dos bancos traseiros em táxi e TVDE
  • Centros comerciais: limitação da lotação para 75%
  • Casamentos e batizados: redução do número de pessoas neste tipo de eventos

A reunião desta manhã pode ser revista na íntegra nos canais de comunicação do Governo.

Artigo editado por Filipa Silva