Susana Bettencourt, Miguel Vieira e Alexandra Oliveira, da Pé de Chumbo, marcaram presença no penúltimo dia do Portugal Fashion. Os designers portugueses estiveram à conversa com o JPN, debatendo o peso e a importância que o mercado internacional tem para as suas marcas e o reconhecimento das criações nacionais além-fronteiras.

A moda internacional também se cria em Portugal: Susana Bettencourt, Miguel Vieira e Alexandra Oliveira são alguns dos designers portugueses que inscrevem a moda nacional além-fronteiras e que marcaram presença num dos eventos mais conceituados do país no campo da moda, o Portugal Fashion (PF). Apesar de estar em “evolução”, o mercado português continua “insustentável” para os criadores nacionais que procuram a internacionalização das coleções. Para a moda, o país luso oferece uma grande riqueza a nível de serviços têxteis e confeção – por isto, lá fora, os produtos portugueses são sinónimo de qualidade.

Reconhecida pela utilização de fortes padrões nas suas criações, Susana Bettencourt pintou a Alfândega do Porto com tons mais vivos: o rosa e o azul. Em termos de produto, a designer, também professora da Universidade do Minho, produz knitwear do fio até à peça. Atualmente, participa em feiras internacionais, como a Tranoi e a White Milano, e tem lugar garantido duas vezes por ano no Portugal Fashion. 

Até hoje, Bettencourt, entre todos os desfiles, destaca a coleção de 2019, “Stop the Clock”, apresentada no PF. A designer contou, em entrevista ao JPN, que a coleção espelha o sentimento de impotência face à passagem rápida do tempo, sentimento esse que foi ainda mais estimulado devido à pandemia. “Aquele espetáculo, ao ter chamado o público para ver as peças de perto e ao ter mudado a minha forma de apresentação, marcou-me imenso”, confessa.

Este ano, Miguel Vieira não fugiu à regra e reinventou o tom preto. As coleções, sempre marcadas por um toque de glamour e mais clássico, são apresentadas sazonalmente no PF. O designer já marcou presença em diversas passerelles, nomeadamente em São Paulo, Istambul, Paris, Uruguai, Madrid, Milão, entre outras cidades da moda.

Ao JPN, Miguel Vieira confessou que “entrar na Milão Fashion Week, onde só entram italianos” foi, até ao momento, o desfile que mais o marcou durante a sua carreira profissional.

A Pé de Chumbo, marca criada pela designer Alexandra Oliveira, trabalha em torno do conceito das texturas. Este ano, a designer decidiu usar restos de tecido que foram acumulando e assim construiu a coleção. Desde 2007, participa em feiras de moda internacionais, como Paris, Milão, Londres, Nova Iorque e Tóquio. A marca mantém presença num dos showrooms mais conceituados de Itália há quatro estações, o Elisa Gaito.

Alexandra Oliveira acredita que a moda tem um papel crucial na ajuda e combate de conflitos internacionais. Face à guerra entre a Ucrânia e a Rússia, a criadora da Pé de Chumbo adaptou a coleção – que já estava pensada antes do conflito – e criou t-shirts de protesto à guerra, cujas receitas revertem na totalidade para a Cruz Vermelha. “É difícil ficar indiferente pelas imagens que vemos todos os dias na televisão”, admite. 

“O Portugal Fashion está ao nível dos outros eventos internacionais”

Susana Bettencourt especializou-se na Fashion Design Knitwear, na Central Saint Martins, em Londres, onde fortaleceu a sua admiração pelo trabalho manual. A designer acredita que em Portugal, principalmente no norte do país, há “muitas oportunidades para designers e para peritos da área”. Contudo, ainda não há especializações: “Cada vez mais temos engenheiros têxteis, mas não temos designer têxtil e isso é uma grande lacuna que podemos combater e temos profissionais para isso”, revela, como exemplo.

A designer salienta ainda que os países estrangeiros facultam este tipo de especializações há mais anos quando comparados com Portugal. “[No entanto] tendo em conta os 20 anos que passaram, tivemos uma evolução gigante”, complementa.

Na 50.ª edição do Portugal Fashion, Susana Bettencourt apostou nas cores rosa e azul para as suas peças. Sara Arnaud

Para Susana Bettencourt, a grande diferença entre os desfiles nacionais e internacionais passa pela projeção que cada um destes alcança: os eventos internacionais acabam por ganhar uma maior visibilidade em vários pontos do globo.

Porém, a designer afirma que nos desfiles nacionais – “ao nível de processo e da equipa que o Portugal Fashion tem” –, acaba por não sentir qualquer distinção. Na mesma ótica, Miguel Vieira considera que o PF está “ao nível” dos outros eventos internacionais, vincando apenas que o país luso não tem a mesma exposição mediática como outras cidades da moda, dando o exemplo de Milão. 

A moda portuguesa aos olhos internacionais

No contexto internacional, os três designers assumem que os produtos portugueses são “bem recebidos” no mercado. “Quando digo que a marca é portuguesa, toda a gente relaciona Portugal com qualidade. Desde Milão, Paris e Nova Iorque – são as feiras que fazemos – quando se fala que o produto é português, a receção é muito boa”, afirma Alexandra Oliveira, acrescentando que nunca sentiu receio em assumir a sua nacionalidade.

Susana Bettencourt salienta ainda que os nomes portugueses, como Alexandra Moura e David Catalán nas semanas de moda oficiais, dão uma exposição “enorme” ao país e a “esta plataforma do Portugal Fashion”. Miguel Vieira relembra que já passou por várias fashions weeks e que tem sido “sempre muito bem recebido”.

A cor preta já faz parte do ADN do designer Miguel Vieira. Sara Arnaud

O mercado português tem crescido progressivamente, mas não o suficiente para conseguir suportar os criadores, que veem no estrangeiro um poço de oportunidades para fazer crescer a sua marca. Alexandra Oliveira refere que o mercado português é “muito pequeno e não é sustentável”.

A criadora da Pé de Chumbo revela que os designers têm “uma dificuldade imensa de entrar em lojas em Portugal”, devido aos preços altos das marcas. “Lá fora não se nota tanto o conceito de marca de luxo e conseguimos entrar em lojas muito boas e conceituadas”, confessa.

Os três estilistas partilham a opinião de que a exposição de produtos “made in Portugal” no mercado internacional é importante para o reconhecimento da qualidade do país nesta área. Consideram ainda que o próprio país “desvaloriza” as capacidades de produção; Miguel Vieira sublinha que Portugal “tem muito para oferecer, nomeadamente no turismo, moda, confeção, calçado, joalheria, etc”.

Por sua vez, Susana Bettencourt diz que em Portugal existem técnicas, mão de obra e matéria-prima para satisfazer as necessidades do criador. “Queremos estampados, temos estampados, queremos bordados, temos bordados. Ao nível de serviços têxteis, Portugal tem uma riqueza gigante e está a ser desvalorizada. Somos muito fortes em denim, tricô e malhas têxtil, cada vez mais devíamos ser conhecidos por isso”, destaca a designer, enumerando capacidades do mercado nacional que não tem visto a ser valorizadas dentro de portas. Bettencourt acredita que a marca de autor serve para mostrar ao país a qualidade e os produtos de valor que conseguem produzir.

O terceiro dia de Portugal Fashion ficou marcado também pelas apresentações de Unflower, Bello Edu, Davii, Sophia Kah, Kreyann’ e o regresso de Pedro Pedro às passarelas.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha