Aumentar o peso do empreendedorismo feminino, apostar na internacionalização e encontrar formas de crescer numa altura em que o espaço físico da incubadora está esgotado. Estes são alguns dos desafios da UPTEC para o futuro. A propósito dos 15 anos de atividade da incubadora, o JPN conversou com a diretora de negócios, Maria Oliveira.

Polo Asprela I da UPTEC. Foto: Raquel Sousa

Em 15 anos de atividade, a UPTEC-Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto já apoiou 666 projetos empresariais. Foram 204 só em 2021, ano em que, no total, as startups incubadas na UPTEC angariaram mais de 23 milhões de euros.

Além dos projetos que apoiou, a UPTEC destaca ainda que em 2021 foram criados mais de cem projetos pelos antigos alunos da Universidade do Porto, tendo sido incubadas 38 spin-offs da universidade.

Os números foram apresentados pela incubadora da Universidade do Porto a 18 de outubro, durante a quarta edição do UPTEC Non Stop, que este ano marcou o arranque das comemorações dos 15 anos da estrutura.

No balanço da atividade, apresentado pela diretora de negócios, Maria Oliveira, recordou-se ainda um estudo realizado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto apresentado em 2019, segundo o qual o impacto da atividade da incubadora no Produto Interno Bruto (PIB) nacional perfazia 284 milhões de euros.

Falta empreendedorismo no feminino

Os números, contudo, não dizem tudo, e por isso procuramos saber que desafios tem enfrentado, e enfrenta no presente, a UPTEC. Um dos maiores, realça Maria Oliveira, em declarações ao JPN à margem do evento, diz respeito à diversidade e inclusão. A responsável nota que continuam a existir “lacunas muito graves no que diz respeito ao empreendorismo feminino”. Embora existam mais mulheres nas universidades e na formação mais avançada, em doutoramento e mestrado, não há uma “tradução para criação de mais negócios cujas founders sejam mulheres”. As taxas rondam os 10% a 13% e não há para o facto uma razão única.

Na vertente do investimento, o paradigma de género é o mesmo. A maior parte das “firmas de business angels e capital de risco ao nível internacional são detidas e geridas maioritariamente por homens, que investem em negócios que são geridos por homens, o que perpetua um ciclo que não permite quebrar o estigma de ter mais mulheres empreendedoras”, considera Maria Oliveira.

Ao nível da diversidade, a UPTEC diz-se também interessada em atrair talento estrangeiro para suprir a escassez de empreendedores em determinadas áreas. Assim, através de uma discriminação positiva, a incubadora diz-se emprenhada na criação de metodologias, ferramentas e programas com o objetivo de aliciar grupos minoritariamente representados no conjunto de empresas apoiadas.

As comemorações dos 15 anos arrancaram a 18 de outubro no polo Asprela I da UPTEC. Foto: Raquel Sousa

A pandemia foi também um grande desafio, uma vez que impediu o contacto pessoal tão caro à comunidade. Além de ter aplicado descontos nas contribuições das empresas durante essa fase, a UPTEC garante ter também adotado novas práticas de trabalho e novos layouts nos escritórios, de modo a que estes possibilitassem o trabalho remoto e presencial ao mesmo tempo.

O último desafio referido por Maria Oliveira diz respeito ao crescimento e internacionalização. A diretora de negócios da UPTEC assume que a estrutura, dividida em quatro polos (Asprela I, Asprela II, Baixa e Mar), já não possui espaço para albergar mais empresas. Por isso, procuram agora perceber que modificação faz sentido realizar face ao problema: evoluir em termos de espaço físico ou alterar o tipo de apoio que fornecem. A responsável reflete sobre a incubação virtual como uma possibilidade.

Futuro mais internacional

Seguindo os passos da própria Universidade do Porto que se preocupa em estar bem posicionada nos rankings internacionais, a UPTEC pretende ter mais destaque no exterior através da criação de mais ligações a redes internacionais e da participação em projetos inovadores.

A participação em projetos financiados garante à UPTEC uma rede de contactos privilegiados, assim como a aquisição de boas práticas e de conhecimento em termos de incubação e apoio ao empreendorismo transmitido noutros pontos do planeta.

A diretora de negócios compara esta estratégia com “os projetos das cidades geminadas”, conceito que surgiu após a Segunda Guerra Mundial, o qual privilegia o trabalho colaborativo entre as cidades e as entidades da sociedade civil em temáticas de interesse comum.

Por outro lado, a UPTEC participa também nas redes internacionais, nomeadamente, redes de Parques de Ciências e Tecnologia a nível internacional, ressaltando a expansão para mercados como a Ásia e os Estados Unidos.

Embora neste momento a estratégia não passe pela criação de um campus no estrangeiro – uma vez que a prioridade é o desenvolvimento do Grande Porto -, a opção não está descartada. A propósito, dá o exemplo do parque de ciência e tecnologia Porto Digital, sediado em Recife, no Brasil, que se instalou em Portugal com o objetivo de trazer para o país talento brasileiro na área de developers e na área de tecnologias da informação e da comunicação. São estratégias possíveis que de momento não estão a ser estudadas, mas num futuro mais longínquo poderão vir a ser consideradas.

Ecossistema está mais maduro, mas faltam canais de investimento

Enquanto que há 15 anos não se falava de “unicórnios portugueses”, atualmente o paradigma é diferente. E a mudança resultou, em larga medida, de alterações profundas na academia, de que exemplo o Processo de Bolonha e a participação de universidades portuguesas nos programas internacionais firmados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia com as universidades de Texas em Austin, Harvard, MIT ou Carnegie Mellon.

Estes programas tornaram possível, na visão de Maria Oliveira, absorver uma nova perspetiva do mercado das startups e começar a criar um ecossistema resistente e expansivo em Portugal.

Os colaboradores regressaram destas experiências internacionais com uma exposição grande a outros ecossistemas e com uma rede de contactos associada que permitiu à Universidade do Porto dar os primeiros passos para criar uma incubadora.

Hoje o mercado do capital de risco evoluiu ao “nível de conhecimento, maturidade e o próprio ecossistema está mais predisposto a investir”.

Do lado das dificuldades que persistem, Maria Oliveira refere que ainda existem no nosso país poucas fontes de financiamento. Como não existem fundos de prova de conceito em Portugal que possam ser utilizados, “há um hiato entre aquilo que se faz na academia e aquilo que se faz quando já se é uma empresa constituída, acedendo a outro tipo de apoios”.

UPTEC Non Stop: 20 empresas apresentam-se

No dia em que iniciaram as comemorações dos 15 anos, a 18 de outubro, realizou-se a quarta edição do UPTEC Non Stop, evento em que duas dezenas de startups, das mais diversas áreas do conhecimento, fizeram um pitch da sua ideia de negócio perante uma plateia de empreendedores, comunidade científica, indústria, investidores e curiosos.

Duas dezenas de empresas apresentaram as suas ideias de negócio no UPTEC Non Stop. Foto: Raquel Sousa

A série de apresentações foi inaugurada pela Cerdan que desenvolveu um protótipo inovador de pedivela com o objetivo de eliminar mecanicamente o famoso ponto morto superior da bicicleta. A apresentação da empresa francesa, a cargo de Ludovic Boullet, decorreu devido a uma iniciativa governamental entre Portugal e França, a Temporada Cruzada. Através deste programa cooperativo entre os dois países, a UPTEC foi autorizada a levar alguns empreendedores à aceleradora francesa Accelerateur M, situada em Marselha, concedendo-lhes a experiência de contactarem diretamente com o ecossistema francês, de modo a descobrirem novas oportunidades de negócio. Numa ligação recíproca, a UPTEC Non Stop acolheu também três empreendedores e gestores da incubadora francesa para que expusessem à comunidade portuguesa os seus projetos.

Durante a sessão, apresentaram-se ainda a WinShot, uma plataforma para otimizar o contacto entre  funcionários de uma empresa; a Agrogrin Tech, que transforma resíduos industriais de frutas em novos ingredientes alimentares funcionais através de tecnologias verdes; a Cachupa Creative Studio, um estúdio criativo que apoia empresas e instituições de impacto social através do Design e da Multimédia; a Crea-Arquitetos, responsável pela reabilitação do Estádio Universitário do Porto e da Escola do Bom Sucesso e a Agit, uma aplicação que permite visualizar os treinos em tempo real.

À comunidade apresentaram-se ainda a Corium Biotech, que coleta as células de alguns animais, transformando-as em pele, de modo a produzir couro exótico; a Intuitivo, uma plataforma digital criada para professores com o intuito de solucionar problemas associados ao ensino virtual; a Smartex.ai, empresa que procura fazer a inspeção em tempo real de máquinas de tricotar circulares e a Hortee, um mercado digital de produtos alimentares frescos.

Na área da Tecnologia, foram apresentadas a Losh Digital Lab, que desenvolve software e acelera novas tecnologias para o mercado automóvel; a Deskapital, que facilita e democratiza o acesso ao capital de giro e financiamento, transformando o capex em oplex; a NILG.AI, uma empresa que utiliza os princípios do design thinking para encontrar soluções personalizadas de inteligência artificial para todo o tipo de empresas, da área da saúde às financeiras; a Qubitz, que ajuda as comunidades a contruir o mundo da Web3 e a FlowTech um projeto que cria softwares de gestão de produção industrial e qualidade para oferecer às empresas mais rentabilidade e competitividade.

Fazem ainda parte da UPTEC a Xcrow, um projeto que visa solucionar um dos grandes problemas das redes sociais, as discussões desrespeitosas e fervilhantes virtuais, através de “social bets”, isto é, uma espécie de debates argumentativos online; a Guide.Me, um guia digital personalizado para turistas de cruzeiro; a Xpectraltek, uma tecnologia que prevê antecipadamente pragas e doenças nas vinhas e, por fim, a Kult, uma rede social para fãs de cultura, na qual os utilizadores podem partilhar os seus gostos culturais, como os seus filmes e séries favoritos, retirando poder ao algoritmo e devolvendo-o às pessoas.

Artigo editado por Filipa Silva