Terminou no sábado (26) o Porto/Post/Doc, com uma sessão gratuita no Passos Manuel que serviu como “resumo dos últimos 11 dias”, segundo Dario Oliveira, diretor do festival. Foram projetados 11 filmes recentes que examinam métodos e formas de criar a partir do real.

Siegfried A. Fruhauf tinha dois filmes em exibição no programa “Poetry in Motion”: “Ballet anémic” (na fotografia) e “Camera test”. Foto: D.R.

Mesmo ao lado da porta de entrada do Coliseu há um espaço onde a arte se mistura com a diversão noturna. O Passos Manuel é um cinema-bar e foi um dos espaços que recebeu o Porto/Post/Doc deste ano, entre os dias 16 a 26 de novembro.

Este sábado (26), foi a casa do “Poetry in Motion”, programa escolhido para fechar o festival de cinema que todos os anos se divide por vários espaços emblemáticos da cidade Invicta.

O nome é inspirado num filme com o mesmo título, de Ron Mann, que vai estar em exibição na próxima edição do Porto/Post/Doc.

Às 23h00, horário marcado para o início da sessão, as vozes e o barulho dos copos multiplicavam-se e ninguém parecia reparar no avançar das horas. Quem chegou mais cedo ainda se conseguiu sentar nos poucos lugares disponíveis, os restantes ficaram em pé, mas também tiveram tempo de pôr a conversa em dia. 

A sessão anterior estava atrasada: tratava-se da apresentação de “Louisville”, um álbum (porque nem tudo no festival é cinema) sobre a atualidade política, racial, social e económica dos Estados Unidos da América, da autoria do jornalista Pedro Sousa Pereira e do fotojornalista Mário Cruz. Mal acabou e as portas de saída foram abertas, a enchente de pessoas tornou o espaço demasiado pequeno, mas entre pequenos empurrões e “com licença” toda a gente conseguiu ir para onde queria. Uns ficaram pelo bar, outros foram embora e muitos entraram para a sessão de encerramento do Porto/Post/Doc.

Na sala de cinema do Passos Manuel estava Dario Oliveira pronto para dar por (quase) terminada a nona edição do festival. Começou por referir que o “Poetry in Motion” resultava de uma parceria, que vai continuar na próxima edição, com a sixpackfilm, uma editora com sede em Viena, na Áustria, que apoia trabalhos de cinema experimental.

Seguiram-se 11 filmes que resumiram 11 dias de festival, no que diz respeito aos temas, abordagens, memórias (pessoais e coletivas) e à própria relação com a imagem. A escolha foi meticulosa para que cada um se relacionasse com os mais de 100 filmes exibidos desde o dia 16 de novembro.

A sessão durou pouco mais de uma hora e o silêncio, mesmo quando presente no ecrã, nunca se fez verdadeiramente ouvir, porque atrás da sala de cinema, a diversão continuava e as batidas atravessavam as paredes.

Singin in Oblivion”, de Eve Heller, foi um dos que viu o seu arranque abafado pelo som que ressoava na sala, mas, à medida que o ritmo foi acelerando, o som ficou mais claro. Cortes bruscos, lentes a tremer, caras anónimas de fotografias encontradas num mercado em Viena, espelhadas, com demasiada exposição, com sulcos. Uma composição ritmada que funciona como um “poema visual e musical”.

“Simultaneamente intemporal e em delicada sincronia com o nosso presente devastado”, lê-se sobre Singing in Oblivion no site do Porto/Post/Doc

Além da música lá fora, na passagem entre filmes, ouvia-se o projetor, que parecia estar a dar tudo de si para o festival acabar bem. Ironicamente, o som era semelhante ao que se ouviu na primeira sessão do Porto/Post/Doc, fechando assim o festival de cinema da mesma forma que começou.

A sessão terminou com “The Gallery”, de Cordula Rieger, a realizadora mais nova do programa. A estética da curta fez com que se destacasse das restantes. Não há imagens de arquivo e vários planos eram muito cinematográficos, sem nunca parecer ficção. As imagens passam uma ideia muito crua do que a realizadora queria documentar: uma ação do coletivo FLINT (de mulheres, lésbicas, e pessoas inter, não-binárias e trans) que consistia em afixar em paredes as suas histórias de violência sexual.

A realizadora seguiu o processo todo: filmou o momento em que estavam a escrever os testemunhos, esteve presente quando os afixaram e quando a ação extravasou o coletivo e havia pessoas a parar para ler. O Porto/Post/Doc acabou com um murro no estômago, as vozes das vítimas multiplicavam-se até se distinguir nenhuma e serem todas a mesma.

Sem pressão política “não vamos ter cinema dentro de dez anos”

Dario Oliveira aproveitou a ocasião para afirmar que o festival, mais do que ser um promotor cultural, pretende ser um “agitador cultural”.

Não deixou de lado a importância e crescente dificuldade da democratização cultural: “Cada vez é mais difícil vir à baixa ver cinema, porque cada vez moramos mais longe da baixa, porque ninguém consegue pagar rendas. Essa exploração imobiliária é uma das coisas que mais contribui para que o acesso e a democratização da cultura seja mais difícil para todos”.

O diretor do Porto/Post/Doc deixou também o apelo para que todos os presentes refletissem e discutissem com quem os rodeia sobre a importância de um “exercício de liberdade” que implica “questionar os governos locais e centrais”, porque “os políticos representam-nos, não mandam em nós”.

Avisou ainda: “se não [fizermos isso], não vamos ter cinema dentro de dez anos, vamos ter plataformas que nos exploram”. E terminou: “os festivais estão aqui não para fazer mais publicidade ao cinema comercial, mas sim para criar uma comunidade cinéfila, critica e capaz de falar de cinema e aprender a gostar de cinema”.

O Porto/Post/Doc volta no próximo ano entre os dias 17 e 25 de novembro. A décima edição vai expandir-se para o Batalha Centro de Cinema, que abre dia 9 do próximo mês. Antes disso, em janeiro, vão ser exibidos os filmes premiados nesta edição.

Artigo editado por Filipa Silva