A segunda edição de “Tratar o Cancro por Tu” arrancou esta quinta-feira (19), no auditório da Biblioteca Almeida Garrett.  A iniciativa, trazida pelo Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) e pela Antena 1, pretende ajudar a abolir os estigmas associados ao cancro (nas suas diferentes formas). Nesta sessão, moderada pelos jornalistas Tiago Alves e Miguel Soares, o foco caiu, de forma inédita, no cancro pediátrico – isto é, que ocorre em crianças e jovens entre os 0 e os 18 anos.

O painel foi constituído por profissionais ligados a diferentes ramificações do tratamento oncológico. É o caso de Manuel Sobrinho Simões, patologista e investigador do IPATIMUP, Jorge Lima, especialista em genética molecular, vice-presidente do IPATIMUP e investigador no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), e Delfim Duarte, médico interno de hematologia no IPO do Porto e investigador do i3S. Como especialista convidada, marcou presença Maria Bom-Sucesso, diretora do serviço de oncologia pediátrica do Hospital de São João.

Percebe-se que, do tema “cancro”, a oncologia pediátrica (que também engloba, por si, um leque de doenças), é um subtópico ativamente evitado pela sua sensibilidade. Isto incentiva a desinformação e a perpetuação de maus hábitos a tratar o assunto. Também por ser considerado um fenómeno raro, representando uma parcela menor de todos os cancros, torna-se um tópico com menos atenção.

As causas são, tipicamente, ambientais – porém, ainda não se sabe exatamente o que provoca o cancro infantil. Mas apesar de ser uma das maiores causas de morte nas crianças, os tratamentos são uma “história de sucesso”, como diz Maria Bom-Sucesso. Atualmente, a taxa de cura ronda os 80%, sendo superior à da maioria dos casos em adultos.

Para a médica do São João, no tratamento do cancro nas crianças e adolescentes “a finalidade é curar para que vivam 100 anos” e com “qualidade de vida”.  Isso requer um “diagnóstico precoce” e “trabalhar em redes”: de apoio, de informação e de investigação

Na mesma linha, Jorge Lima enfatiza que “só conseguimos avançar na medicina se soubermos exatamente o que caracteriza cada tumor“. Nesse sentido, destaca a importância da medicina de precisão para elaborar planos de tratamentos que cubram as necessidades específicas das doenças.

Se “cada caso é um caso”, na oncologia pediátrica, pela raridade, intensifica-se a necessidade de perceber melhor como efetuar tratamentos e aplicar fármacos. Adicionalmente, Jorge Lima lembra que hereditariedade não é um sinónimo de genética. Apesar da transformação de uma célula saudável para tumoral ocorrer por uma alteração genética, não tem de acontecer por transmissão dos pais. 

Delfim Duarte refere que há, nas crianças, “uma biologia, quando comparada com os adultos, mais favorável”, e que as “alterações genéticas” são “diferentes das que se encontram nos adultos”. No entanto, a maior distinção é a capacidade de aguentar tratamentos “muito mais agressivos“. “Por exemplo, os tratamentos de quimioterapia que são utilizados em crianças são em doses muito mais elevadas do que aquelas que são usadas nos adultos – porque sem dúvida [as] conseguem tolerar”, completa. 

O investigador do i3S afirma ainda que é comum, “na pediatria e não só”, usar linguagem que inclua “atribuição de culpa” e “termos bélicos” como “perdeu e venceu” –  que considera “extremamente injustos e de evitar”, sobretudo no cancro. “Tem de haver um trabalho, quando se faz estas sessões e na literacia para a saúde, para abandonar essa linguagem”, completa.

Em conversa com o JPN, Maria Bom-Sucesso refere que o combate à iliteracia e aos estigmas sobre o cancro (sobretudo pediátrico) se faz a falar.  Nesse sentido, destaca a relevância de iniciativas como esta “que colocam na agenda, que obrigam a pensar, refletir e perceber quais são as dificuldades que enfrenta este grupo de doentes e profissionais com quem eles trabalham”.

A sessão contou ainda com as intervenções do ator e humorista Jorge Serafim e do presidente da autarquia, Rui Moreira, que salienta que o município quer “respeitar e apoiar” estas iniciativas, os institutos da cidade e os seus investigadores.

Além da Antena 1, os eventos contam com o apoio da RTP, do i3S, da Roche Foundation Medicine e da Merck. Miguel Soares lembra que o intuito da iniciativa passa por “tratar o cancro: não sem respeito” mas procurando “não dramatizar” ou fugir do tema. Acima de tudo, lembra que “não é uma sentença de morte” e é isso que os especialistas convidados para as várias sessões pretendem transmitir, numa linguagem simples, em conversa aberta.

Até março, vão decorrer mais sessões sobre formas de cancro pelo país. A 9 de fevereiro, em Braga,  sobre diagnóstico e tratamento da próstata;  a 16 de fevereiro, em Coimbra, sobre cancro do pulmão; a 2 de março, no Funchal, sobre cancro da mama; a 16 de março, em Vila Real, sobre cancro da pele; e, finalmente, Évora encerra a edição a 23 de março, com uma sessão sobre cancro do cólon. Todas as conversas podem ser ouvidas na RTP Play, em formato podcast.

Artigo editado por Paulo Frias