No dia Mundial do Meio Ambiente, abordamos o problema da seca em Portugal. Em entrevista ao JPN, Rui Cortes, professor da UTAD, e Joaquim Esteves da Silva, professor da FCUP, concordam que a agricultura que se faz nas zonas mais afetadas pela seca vai ter de mudar.

A agricultura é responsável pelo consumo de cerca de 78% da água em Portugal, alerta Rui Cortes. Foto: Scott Goodwill via Unsplash

A agricultura intensiva é “incomportável” no Sul do país. A convicção é de Rui Cortes, professor catedrático da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e especialista em recursos hídricos. “Este tipo de agricultura que temos, agricultura intensiva, de olival, regado, amendoal, vinha, é incomportável para a situação de seca que se vive e que se vai viver no Sul do país”, considerou o investigador em declarações ao JPN.

“As culturas [que demandam] muita água estão condenadas a não prosperar”, concorda o professor Joaquim Esteves da Silva, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). O cultivo de abacates no Algarve, onde a plantação em massa deste alimento trend exige a utilização de muita água, é um exemplo do tipo de culturas que poderá ter de mudar a prazo.

A agricultura, relembra Rui Cortes, é responsável pelo gasto de “cerca de 78% da água” que se consome no país, “mas paga apenas 3% do valor global”. “O custo [da água] é baixo e isso não favorece a moderação do consumo”, explica ainda o professor, para concluir que “temos uma agricultura, fundamentalmente no Sul do país, completamente desadaptada” da condição de seca em que Portugal vive.

Rui Cortes: Temos uma agricultura completamente desadaptada [no Sul do país].

As circunstâncias, nesta altura, não são “tão graves” como no ano passado, mas continua “uma situação de seca generalizada a todo o território”, estando particularmente agravada “ao nível do Interior, em Trás-os-Montes, e no Sul, fundamentalmente, nas bacias do Mira e do Sado, e no Algarve, na bacia do Guadiana”, afirma Rui Cortes.

Seca é “reação da Terra à poluição”

Sobre a seca, acrescenta o professor Joaquim Esteves da Silva, do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território da FCUP, ela “é perfeitamente natural”, é a “reação” natural da Terra ao ter que incorporar altos níveis de poluição emitidos para a atmosfera.

O especialista considera que “esquecemo-nos rapidamente o que aconteceu há uns meses, ou anos” em relação a períodos de oscilação meteorológica, mas garante que é tudo “um ciclo” e que períodos de seca ou de chuva mais longos estão associados a outros fatores, como “os gases com efeito de estufa”, que estão a aumentar o aquecimento global.

Esteves da Silva também é da opinião de que os agricultores vão ter que “se ajustar”, com o uso de “técnicas específicas”, adequando as suas práticas às que são “mais sustentáveis”.

Joaquim Esteves da Silva: A seca é a “reação” natural da Terra ao ter que incorporar altos níveis de poluição emitidos para a atmosfera.

A título de exemplo, a implementação de uma agricultura regenerativa, em contraponto à intensiva, é um caminho que tem sido discutido. O objetivo deste tipo de agricultura passa por recuperar os solos empobrecidos e garantir o seu bom uso. Este sistema assenta em três pilares: a cobertura permanente do solo; a rotação de culturas; e a perturbação mínima do solo.

Como pode ajudar a tecnologia

As chamadas “dessalinizadoras, ou a APR-Água para Reutilização” constituem novas vertentes na frente de combate à  escassez de água para rega. Contudo, Rui Cortes alerta que estas práticas “implicam um elevado investimento”.

“Não digo que seja impossível do ponto de vista técnico, mas em termos económicos é incomportável, porque só a construção dos sistemas de transporte de água, mas fundamentalmente a energia que se gasta para se fazer a bombagem da água da zona litoral para o interior… são custos absolutamente proibitivos”, conclui.

O especialista completa, com o exemplo da empresa de dessalinização em fase de testes nas proximidades de Portimão, no Algarve. “Só na zona envolvente, até cerca de 10 quilómetros, diria, é que será possível, do ponto de vista económico, essa água ser reutilizada”, o que apenas atenuaria o problema numa área restrita.

Dificuldades na aplicação de técnicas mais sustentáveis

De acordo com a tese de mestrado “As Soluções de Base Natural como forma de mitigação e
adaptação às alterações climáticas na agricultura”, realizada no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), por Bernardo da Gama, conclui-se que apesar da consciência coletiva da necessidade de implementação de meios ecologicamente corretos, existem barreiras encontradas pelos agricultores que atrasam o processo.

Quando aplicadas, as condutas de preservação ambiental permitem uma maior longevidade “dos ecossistemas” e a conservação dos “recursos naturais”, para assim, de maneira indireta, também maximizar a possibilidade de aproveitamento de materiais na área. O estudo ainda refere que “as medidas de adaptação serão distintas de país para país, ou região para região”  e dependem das características “económicas e sociais de cada local”.

No caso específico de Portugal, entre as barreiras estão o desenvolvimento tecnológico, de conhecimento, monetárias, institucionais, socioculturais e de recursos, que atrasam a evolução das culturas e respetivos cuidados.

Estabelecer estes passos é “a única maneira” que o professor Joaquim Esteves da Silva antevê para que a produção agrícola continue a acontecer sem provocar maiores danos no ambiente

Editado por Miguel Marques Ribeiro e Filipa Silva