O concerto dos New Order foi interrompido duas vezes devido a problemas técnicos, deixando tanto o público como os artistas visivelmente frustrados. Salvaram a noite os Blur, com um concerto de grande comunhão com o público. Festival contou com mais de 30 mil pessoas por dia.

O quarto e último dia do Primavera Sound Porto prometia um encerramento em grande, com o regresso do sol, do calor e com um cartaz prometedor. As atenções deste sábado estavam voltadas para as atuações dos New Order, Blur e Halsey, que encheram, alternadamente, o recinto junto aos palcos Vodafone e Porto. Mas se o concerto do grupo liderado por Damon Albarn abraçou o público num raro momento de comunhão, já a atuação de New Order acabou por ficar irremediavelmente marcada por problemas técnicos.

Ao longo do dia, sentiu-se a animação no Parque da Cidade do Porto, principalmente das gerações mais velhas, para assistir ao concerto dos New Order. Viu-se bastante merchandising pelo recinto, algum ainda referente aos Joy Division, banda de origem dos membros dos New Order, pós-morte de Ian Curtis. Faltavam ainda vinte minutos para o início do concerto e já os relvados estavam apinhados, estendendo-se para outros palcos mais próximos ao Vodafone. As expectativas eram altas e a multidão fervilhava para relembrar os grandes êxitos da banda britânica, algo que se verificou pela efusão que ecoou no recinto assim que o espetáculo começou.

Mas foi sol de pouca dura. Após algumas canções, que convidaram à dança e a aplausos, o som acabou por falhar enquanto o grupo interpretava “True Faith”, um dos temas mais célebres. Após uma pequena espera, a banda tentou recomeçar a música, mas a aparelhagem do palco voltou a não colaborar, o que levou a que abandonassem o palco enquanto o problema não fosse resolvido.

Bernard Sumner, vocalista da banda, exibia o seu desagrado que o público acompanhou. A espera pelo retorno do som levou a que parte da plateia se mudasse para o palco Porto, onde os Blur iriam atuar logo de seguida. O som acabou por voltar e a banda finalizou o concerto, agradecendo a quem aguardou, mas a energia inicial já não esteve presente.

Apesar dos problemas técnicos, os New Order ainda tocaram temas como “Blue Monday“, “Age of Consent” e “Bizarre Love Triangle“, acompanhados por feixes de luz que pintaram o céu noturno.

Blur e Halsey levaram a multidão à loucura

Perto da uma da manhã, o rock mudou-se para o palco Porto, onde atuaram os Blur. A multidão energética que estava inicialmente no Palco Vodafone fez-se ouvir e esperavam, até de forma impaciente, para que Damon Albarn tomasse conta do palco principal.

Damon Albarn atuou com garra e emoção no palco Porto. Foto: João Jesus

Ainda com um ligeiro atraso, ouviram-se gritos assim que os artistas pisaram o palco. A banda conseguiu atender à animação que o público exibia, com a interpretação dos seus temas mais conhecidos de forma arrojada. Logo no início do concerto, o vocalista aproximou-se dos fãs que se encontravam na frente do palco, querendo mergulhar entre eles e teve de ser segurado pela equipa de segurança. Isso não impediu que ao longo da sua atuação o contacto com a plateia fosse interrompido, interagindo sempre que possível e apelando ao público para que gritasse, num frenesim quase psicadélico em palco. Ouviram-se as letras de “St. Charles Square”, “Pupscene” e “The Universal”, que deixaram o público a pedir por mais.

A noite também pertenceu a Halsey, que não permitiu fotografias. A cantora norte-americana atuou antes dos New Order e Blur, revisitando várias épocas da sua carreira. Apesar de tocar temas mais conhecidos como “Bad at Love” e “Without Me“, a artista deu voz a “Castles“, “The Lighthouse” e músicas menos populares, mas que gosta de “levar para palco”, como a mesma referiu.

Halsey também desceu do palco para tocar nos fãs mais dedicados, reforçando sempre a ideia de que são as pessoas que fazem os seus concertos. Pediu para que deixassem os seus problemas no chão do Parque da Cidade, o que rendeu algumas piadas, pois ainda se sentia um odor incomodativo e via-se alguma lama na área do palco principal, a mais afetada pela chuva dos dias anteriores.

A performance da cantora foi feita com muita dança, conversa e gargalhadas, despertando gritos eufóricos por parte da multidão a cada palavra entoada.

O festival como plataforma para artistas menos mainstream

No último dia, voltou-se a ouvir música de artistas emergentes. O palco Super Bock abriu com a atuação Isa Leen, projeto da portuguesa Rita Sampaio. A cantora conseguiu juntar ao sol um bom número de festivaleiros, algo que a deixou muito agradada.

Isa Leen é o novo projeto de Rita Sampaio. Foto: Afonso Leite.

Fiquei muito feliz de ver tanta gente“, confessou em conversa com o JPN. Apesar do nervosismo inicial, a portuguesa sentiu-se aliviada por conseguir entregar a performance que tinha planeado.

Cantou temas do seu EP, “Warrior Angel“, co-produzido com o músico francês, Sébastien Forraster. “É um projeto que surge, sem dúvida, muito ligado à emancipação que eu finalmente senti de começar a produzir completamente as minhas coisas – apesar de ter a produção do Sébastien. É um controlo completamente diferente daquilo que eu estaria habituada nos outros projetos que tive”, descreve a artista, que iniciou o projeto como Isa Leen ainda em tempos de pandemia.

Durante a conversa, Rita Sampaio destacou a importância de o Primavera Sound ter vários palcos, como forma de divulgação de artistas mais recentes no mundo da música. “Tens uma plataforma que não terias noutro tipo de palcos, noutro tipo de festivais. É um festival muito grande para a dimensão portuguesa e é ótimo”, remata, admitindo sentir-se honrada pela oportunidade.

No palco Plenitude, também se assistiu à atuação de flowerovlove. A jovem de 17 anos cantou faixas como “Hannah Montana”, “Love You” e algumas novidades, que tentou ensinar ao público. Chamou ainda alguns fãs ao palco, para conversarem consigo e até cantarem um pouco, sempre acompanhada de uma grande ternura e jovialidade. A artista tentou animar o seu público, mesmo aqueles que não conheciam o seu trabalho, terminando o concerto a recolher muitos sorrisos e aplausos.

Os Nation of Language, grupo norte-americano de indie pop, subiram ao palco Super Bock perto das oito da noite. Mais uma vez, voltou-se a registar uma grande euforia junto a este palco, com fãs que vibravam junto às grades. O vocalista, Richard Devaney, deu o corpo e alma às músicas, o que saiu evidenciado pelas marcas de suor na roupa. A banda expressou o amor pelo público português, que conheceram pela primeira vez em maio deste ano. O pop independente fez as pessoas dançarem e o ritmo não podia condizer melhor com o sol, que se ia escondendo por detrás das árvores. As guitarras e os microfones deram som a músicas como “Wounds of Love“, “This Fractured Mind“, “September Again” e “Across That Fine Line“.

Mesmo com nomes mais desconhecidos no cartaz, Nuno Batista, de 47 anos, criticou “a perda de identidade” do festival, que frequenta desde a primeira edição. Para ele, a presença de Kendrick Lamar, Rosalía e outros artistas mainstream que atuaram nos dias anteriores, o Primavera Sound acabou por tomar uma direção cada vez mais comercial. Ao JPN, o festivaleiro criticou ainda outro aspeto da organização: “Não podem ter vários concertos dos mesmos géneros à mesma hora, eu tive que fazer uma escolha e me decidir”, concluiu.

Um público mais alternativo e animado assistiu ainda aos concertos de Yves Tumor, no palco Super Bock e do grupo Drain Gang, no palco Plenitude.

Yves Tumor apareceu em palco de forma dramática, com adereços peculiares, característicos das suas atuações. Mesmo contando com um corpo de fãs que cantavam as músicas alto e bom som, o sistema de áudio não esteve nas melhores condições, o que gerou críticas por parte do público e também do artista. Os vocais pareciam abafados pelo volume dos instrumentos tocados em palco, o que perturbou a experiência que Sean Lee Bowie tinha antecipado.

Quanto ao trio Drain Gang, os jovens suecos fizeram cantar em coro, num dos momentos de maior energia da edição deste ano. Viram-se os cartazes, maquilhagens excêntricas e as cabeças abanaram ao ritmo do hip-hop, com temas que, apesar de semelhantes, conseguiram deixar a multidão ao rubro, mesmo já passando das três da manhã.

Um recinto com menos filas, mais segurança e melhor acompanhamento psicológico

Ainda que se tivessem ouvido várias queixas acerca do posicionamento dos palcos e do agendamento dos concertos, ouviram-se também elogios aos espaços de refeição e também às casas de banho, que geraram vários problemas na edição do ano passado. Maria Vasconcelos e Filipa Machado, ambas de 27 anos, referiram que esperaram poucas vezes nas filas e que sentiram “um aumento na qualidade oferecida”. Para além disso, as visitantes notaram uma maior presença das forças de segurança: “Sempre nos sentimos seguras no recinto, não temos nada a apontar nesse aspeto”.

Para além das forças de segurança e do serviço médico disponibilizado, a Kosmicare também esteve presente em três dias do festival, com um centro de controlo de riscos, drug checking e apoio psicológico. Esta foi a primeira vez que a associação marcou presença no Primavera Sound, disponibilizando informações sobre o consumo de substâncias psicoativas e um espaço seguro para consumo de drogas. A equipa mostrou-se satisfeita com o desempenho e com a adesão dos festivaleiros.

“O que nós fazemos é redução de riscos. Ou seja, é um eixo de intervenção na área das drogas, do consumo de drogas, e é focado em pessoas que consomem substâncias psicoativas e têm consumos ativos. Ou seja, não têm interesse em abstinência, pretendem manter os seus consumos. E a nossa lógica é reduzir os riscos associados a esses consumos”, esclarece Cristiana Vale Pires, um dos membros fundadores dado projeto, ao JPN.

Ao longo dos três dias em que a iniciativa disponibilizou apoio foram analisadas “cerca de 52 substâncias“, pela equipa de drug checking. A análise das drogas é feita num pequeno laboratório, por uma equipa especializada. “Temos algumas metodologias que nos permitem analisar qualitativamente o que é que a substância tem dentro. Por exemplo, dás-nos uma amostra de cocaína e nós conseguimos ver se é só cocaína ou se tem mais alguma substância psicoativa e damos essa informação às pessoas. Se encontrarmos, que não foi o caso deste festival, mas se encontrarmos alguma adulteração potencialmente tóxica, de substâncias a serem vendidas no evento também produzimos alertas, para chamar a atenção de alguma substância potencialmente tóxica que circule”, explica a responsável.

O último dia foi o de maior afluência no ponto da Kosmicare. Para além de tentarem minimizar os riscos associados ao consumo de estupefacientes, a Komiscare também se foca na redução dos estigmas associadas ao consumo de drogas e a problemas psicológicos que podem surgir: “A parte médica está a ser tratada pelos colegas da Lusíadas, nós tratamos com questões que têm a ver com o consumo de substâncias, situações de violência ou de discriminação sexista, que as pessoas sintam. Às vezes, sob o efeito das substâncias as pessoas ativam memórias traumáticas e a Kosmicare é um espaço seguro para as pessoas se organizarem e para receberem apoio especializado.”

A próxima edição já tem data marcada

A próxima edição do festival já está agendada. Foto: João Jesus.

O diretor do festival, José Barreiro, confirmou para 2024 a 11.ª edição do Primavera Sound Porto. No próximo ano, o cartaz voltará a contar com apenas três dias de música, como nos anos anteriores. Para além disso, o diretor salientou que a organização do espaço, inovada este ano, será para manter. Em declarações à Lusa, admitiu que este “não foi o ano ideal para testar estas alterações, por causa dos motivos óbvios das chuvas de quarta e quinta-feira”, que acabaram por estragar parte da experiência dos festivaleiros. Ainda assim, José Barreiro confirmou que mais de 30 mil pessoas visitaram o Primavera Sound Porto 2023 diariamente, registando-se 38.500 visitantes na quinta-feira, dia em que atuou a cantora Rosalía.

Ainda é cedo para se saber quem serão os artistas do próximo ano, mas a organização já está a trabalhar no cartaz. O Primavera Sound Porto 2024 tomará lugar no Parque da Cidade do Porto, nos dias 7, 8 e 9 de junho.

Editado por Filipa Silva