Com um tempo mais agradável para os festivaleiros, o terceiro dia do Primavera Sound Porto juntou várias gerações no Parque da Cidade. Apesar de nomes como Pet Shop Boys, NxWorries e Central Cee, o dia pertenceu aos artistas de segunda linha no cartaz, relembrando as primeiras edições do festival.
O São Pedro deu tréguas e, finalmente, sentiu-se mais animação no recinto do Primavera Sound Porto. À terceira foi mesmo de vez e o sol espreitou por entre as nuvens esta sexta-feira (9), convidando grupos de várias idades a deitarem-se na relva, com sorrisos abertos e satisfeitos pela melhoria das condições atmosféricas.
Contudo, o recinto, principalmente o espaço adjacente ao palco Porto, tinha ainda marcas muito visíveis do mau tempo que se fez sentir nos dois primeiros dias do festival. A relva desapareceu e deu lugar a uma lama espessa e a cheiros menos agradáveis. As caminhadas até ao palco principal, ao invés de serem animadas, faziam-se com dificuldade pelos festivaleiros, que não pouparam nas críticas à organização.
“Está pior do que no ano passado. As casas de banho são piores, os espaços são piores, a mudança do palco principal para ali foi mal pensada. Por causa da chuva, ficou tudo com lama, o palco não é inclinado e é mais pequeno. É pior”, afirmou ao JPN Margarida, que visitou o festival pela segunda vez.
Além das críticas ao palco principal, houve quem recuperasse também uma crítica mais recente ao Primavera Sound: a de que o festival está a perder a sua essência inicial e a focar-se em bandas e artistas mainstream, esquecendo os artistas emergentes.
Tomás, Francisco, Duarte e Mafalda são presença assídua no festival. Alguns já vêm desde a primeira edição, em 2012. Apesar de este ano se celebrar o décimo aniversário do festival espanhol em terra portuguesa, com um programa mais extenso e ousado, “o cartaz não corresponde ao que eles esperam crescer“, declara o grupo.
“Penso que houve muito investimento para trazer nomes grandes – Rosalía, Kendrick… E mesmo com esta estrutura toda do palco principal, esqueceram-se de pequenos pormenores. Ontem, o som da Rosalía estava um bocadinho aquém das expectativas”, exemplifica Francisco.
Serviço médico com maior número de ocorrências devido à chuva
As más condições meteorológicas dos primeiros dias aumentaram o número de pedidos de ajuda. Este ano, o serviço médico é assegurado no Primavera Sound, pela primeira vez, pela Lusíadas Saúde.
Duarte Moreira, enfermeiro diretor, não se deixa assustar pela dimensão do recinto – com capacidade, este ano, para receber até 45 mil pessoas por dia – e defende que “desde que seja de forma organizada e consertada é relativamente simples prestar cuidados”.
Com um corpo de 70 profissionais, dividido por quatro equipas de suporte básico de vida e uma de suporte avançado, a equipa médica espalha-se pelo recinto, mediante a afluência do público pelos locais. Apesar de ainda não terem registado situações muito graves, Duarte Moreira refere que se registou “um boom de ocorrências“, que coincidiu com os períodos de chuva, verificando-se algumas situações de hipotermia.
A equipa elogia a postura dos participantes, que foram adaptando o calçado e vestuário às condições, algo que não aconteceu no dia inicial. O enfermeiro diretor alerta para a moderação e responsabilidade para que tudo corra bem. Em casos mais graves, existe um posto médico avançado com “todo o material e equipamento necessário para prestar auxílio a qualquer tipo de emergência”, esclarece.
Para quem não conseguir encontrar o posto médico e necessitar de ajuda urgente, a Lusíadas Saúde distribuiu pulseiras pelo recinto com um número de emergência, ligado à central de rádio, para que possa ser feito o deslocamento rápido de equipas de ajuda.
Do pimba, ao hip-hop e ao R&B
Uma multidão mais descontraída e pronta para festejar reuniu-se em volta do palco Porto para dar início ao terceiro dia. Deixem o Pimba em Paz, projeto de Bruno Nogueira, Manuela Azevedo, Filipe Melo, Nuno Rafael e Nelson Cascais, arrancaram aplausos e gargalhadas aos primeiros visitantes do dia.
Com uma boa dose de boa disposição e versatilidade em palco, ouviram-se êxitos do pimba reimaginados como “Na Minha Cama com Ela”, “Ninguém, Ninguém”, “A Garagem da Vizinha” e “A Cabritinha”. O quinteto interagiu com o público, conseguindo até esconder alguns problemas técnicos que foram acontecendo. A animação não se quebrou em momento algum e miúdos e graúdos dançaram ao ritmo dos instrumentos tocados em palco, sempre com euforia e vontade em ouvir mais. O concerto foi curto, mas serviu para iniciar o programa do dia com a energia ideal.
Pelos relvados do Parque da Cidade, foram-se estendendo casacos e a vibe indie, característica das primeiras edições do festival, voltou. Os grupos reuniram-se em frente ao palco Plenitude para assistirem a concertos como o de Margarida Campelo e Blondshell. Neste relvado, era quase como se não existissem horários e as pessoas juntavam-se para apreciar a música, os raios do sol que iam surgindo e a companhia dos que se iam juntando. Mesmo ao nível dos artistas, sentia-se um grande à vontade em palco, em sintonia com a energia despreocupada da plateia.
Por volta das 19h40, a tranquilidade deu lugar à hiperatividade, no palco Super Bock. O hip-hop voltou a fazer vibrar a natureza, desta vez com Pusha T, que inicialmente tinha o seu concerto agendado para o último dia do festival. Apesar de contar com algumas faixas de grande sucesso, não se esperava que acabasse por ser o grande destaque do dia, trazendo uma imensidão de olhos e ouvidos curiosos para se juntarem à festa.
O hip-hop “à antiga” tomou conta dos fãs, que cantaram e dançaram com euforia ao ritmo do rapper norte-americano. Pusha T foi surpreendido e emocionou-se com a entrega do público: “Estou a dar-vos a mesma energia que me estão a dar“, devolveu o artista, iniciando uma série de músicas que meteram os braços, e até as pessoas, bem lá no alto. “If You Know You Know”, “Let The Smokers Shine The Coupes”, “Diet Coke”, “Dreamin of The Past” fizeram a multidão ir à loucura, abrindo-se mosh-pits na frente do palco.
Pusha T não deixou a animação morrer, estendendo a sua atuação por vários êxitos da sua carreira, terminando com “Runaway“, uma colaboração com Kanye West, que fechou o concerto com chave de ouro. Teve quase de ser retirado do palco, mostrando-se agradado e muito agradecido pelo amor que encontrou no Parque da Cidade.
Logo de seguida, NxWorries pisaram o palco Vodafone. A energia borbulhante dos festivaleiros, que assistiram ao concerto de Pusha T foi substituída por um pouco mais de calma. Concentrou-se um grande número de pessoas para assistirem ao concerto, ansiosas para ouvirem ao vivo os artistas que deram voz a músicas como “Suede”, “What More Can I Say” e “Link Up”.
A dupla revelou novos temas, como “Daydreaming”, usando e abusando de efeitos audiovisuais em palco. Destaque ainda para as roupas excêntricas e vistosas, que variaram ao longo da atuação. Todavia, o público ganhou uma certa apatia, devido às várias saídas de palco para mudança de figurino de Anderson .Paak, deixando Knxwledge a passar música no palco, quase como se de um DJ se tratasse.
Pet Shop Boys não cativaram o recinto
Os céus escureceram e as luzes ligaram-se pelos jardins. À medida que se aproximava a hora dos cabeça de cartaz, Pet Shop Boys, foi possível ver os festivaleiros a utilizarem os espaços de refeição distribuídos pelo recinto. A presença de um público mais velho começou a fazer-se notar, um público ansioso para ver a dupla britânica.
Isabel e Paula marcavam lugar um pouco mais afastadas do palco principal, queixando-se do cheiro e da lama. Porém, estes aspetos não foram razão suficiente para as impedir de vibrar ao som das músicas dos Pet Shop Boys, que marcaram a sua geração. Na sua segunda visita ao festival, afirmaram que esta edição “abrange todas as faixas etárias“, equilibrando vários estilos e épocas musicais.
Apesar da animação desta dupla, que conhecia “todas as músicas”, o mesmo não se sentiu na plateia. Ainda que estivesse muita gente presente, sentiu-se no público alguma apatia, além do desconhecimento de grande parte da setlist. As vozes juntaram-se, excecionalmente, na música “Where the Streets Have No Name (I Can’t Take My Eyes Off You)”, onde os de mais tenra idade também cantaram.
O bom espetáculo em palco – cujo registo fotográfico a banda não autorizou -, o jogo de luzes e a interação dos artistas com o público não foi suficiente para fazer mexer a turba. Entre as várias famílias presentes, os mais velhos parecem ter saído bem mais satisfeitos da atuação.
St. Vincent surpreende em português e Central Cee fez o suficiente
Foi tempo de se ligarem as luzes e as guitarras elétricas no palco Vodafone, com a chegada de St. Vincent. Com uma multidão mais diversificada e de estilo alternativo, o electropop da banda serviu para voltar a acordar os festivaleiros. Com um jogo de luzes que não era para os mais sensíveis, Annie Clark cantou e encantou com a sua energia eletrizante em palco, sempre com uma presença extravagante e quase teatral.
Emocionada por estar mais uma vez em Portugal, a cantora interagiu várias vezes com o público, esforçando-se para falar em português, o que originou grandes ovações e gritos de incentivo. A norte-americana referiu que a sua presença no festival “foi um milagre”, devido a problemas de logística e não só. A sua delicadeza, nas conversas com o público, contrastou com o tom das músicas tocadas, como “New York”, “Los Ageless” e “Daddy’s Home”, decoradas com vários solos de guitarra e bateria.
Já perto das duas da madrugada, Central Cee chegou ao palco Porto. Notou-se uma redução drástica na idade dos fãs que se juntaram na frente do palco, que mantiveram o êxtase mesmo com um atraso de vinte minutos do artista. Quase sem interagir com os festivaleiros, Central Cee apresentou uma setlist bastante reduzida, mas sempre cantada em uníssono pelos mais novos. “Doja”, “LET GO” e “Little Bit of This” ecoaram no espaço, sentindo-se a vibração das colunas ligadas no máximo e o espetáculo pirotécnico no palco.
Foi o calor antes da chuva, que começou a cair assim que o britânico entrou em palco. Foi das atuações mais curtas e menos interativas do dia, e uma em que o artista principal quase não esteve em palco, sendo substituído por outro elemento em palco, que tentava incentivar as pessoas através da reprodução de algumas músicas conhecidas. Mesmo com vários problemas, foi, certamente, dos momentos mais apreciados pelos mais jovens.
Festivaleiros corajosos ainda visitaram o palco BITS para continuarem a festa após as atuações dos artistas principais. Este espaço é dedicado à música eletrónica e começou a encher ao final da noite, embora grande parte da multidão tenha saído do recinto assim que Central Cee pousou o microfone.
Resta apenas mais um dia do Primavera Sound Porto 2023, que se vai cumprir este sábado, com Blur, Halsey e New Order a encabeçarem o cartaz.
Editado por Filipa Silva