A arte do 'cosplay' transformou-se numa indústria emergente em Portugal. Da costura de vestidos à construção de armaduras, são várias as pessoas que vivem do 'cosmaking'. Leonardo Lucas e Glin contam ao JPN como esta atividade é, além de uma paixão, uma fonte de rendimento.

Não é só de concursos que vive o cosplayer. Há quem se envolva de forma mais profunda neste universo que capta a atenção de cada vez mais pessoas em Portugal. São os casos de Leonardo Lucas e Glin (nome profissional de Inês Silva), pessoas cuja paixão pela cultura pop evoluiu, gradualmente, para uma ideia de negócio: o cosmaking.

O cosplay, aglutinação das palavras costume e play, consiste numa arte performativa em que uma pessoa utiliza fantasias para representar uma personagem. Mas, para assumir essa identidade, é necessária a construção de todo o visual, geralmente feito, na íntegra ou parcialmente, de forma artesanal. Assim nasce o cosmaking – isto é, a atividade especializada de caracterização e produção de vestuário, adereços ou acessórios do cosplayer.

Dependendo do nível de complexidade da personagem, os cosplayers podem investir centenas de euros na construção do seu visual. Apesar de se associar o cosmaking à ideia do Do It Yourself, é a qualidade e atenção ao detalhe que diferenciam os fatos. Nesse sentido, surgem negócios paralelos ao hobby – como o de Leonardo Lucas. 

No interior de Vila de Conde, o jovem edificou um local de trabalho. Para se dedicar à sua arte, o cosmaker e cosplayer de 27 anos fez do quintal um espaço de criatividade. É ao ar livre, na mesa onde se aglomeram materiais e ferramentas, que cria e desenvolve os seus trabalhos. Foi ganhando, ao longo do tempo, notoriedade pela criação de armaduras completas. Hoje, vende os seus produtos para todo o mundo.

O vilacondense começou o percurso no cosmaking quando estudava na faculdade, uma vez que teve que deixar o desporto e a música. “Sempre tive uma paixão pelas artes”, afirma. Após ver artistas que o faziam, pensou: “Se eles fazem, porque não eu?”.

O cosplay chegou a Portugal em 1997, através de pequenas convenções. Atualmente, realizam-se grandes eventos no país, como a Comic Con, que estreou por cá em 2014, ou o Iberanime, a decorrer desde 2010. No presente, é uma atividade emergente em Portugal, com a adesão a aumentar a cada ano, segundo afirmam os cosmakers.

Desde animes, mangás, séries ou videojogos, são diversos os tipos de personagens à escolha. Mas o cosplay assume dimensões maiores, sobretudo quando é associado a competições. Aí, são tidos em consideração fatores como a apresentação, que inclui representar uma personagem, com direito ou não a um cenário; e a qualidade, aferida com base em aspetos que vão dos acabamento do vestuário até à maquilhagem. Até existe fotografia especializada neste universo.

Numa fase inicial, Leonardo Lucas construía capacetes de armaduras apenas para si, para expor no quarto. Contudo, passado algum tempo, começou a produzir peças para utilizar em concursos. Apesar de “ter medo do palco”, competiu pela primeira vez na Comic Con, em 2015, com 20 anos – e conquistou o primeiro lugar na categoria de “Jogos, Anime e Manga”. Nos anos seguintes, continuou a participar com distinção, chegando a fazer parte do painel do júri.

Para si, trata-se apenas um hobby, visto que teme “perder a paixão” que sente pelo ofício se o tornar num trabalho a tempo inteiro. O seu público-alvo são, sobretudo, colecionadores, mas também vende para cosplayers. A maioria das encomendas acabam nos Estados Unidos e noutros países pelo mundo.

O tempo que demora a fazer um fato varia consoante a complexidade e dificuldade do mesmo. Uma armadura completa, por exemplo, já chegou a demorar dois meses a construir. Aliás, cada pedido de encomenda é personalizado para o cliente, com as características desejadas.

Infografia: Ana Catarina Gil e Rita Ormonde Ilustração: Ana Catarina Gil | Fotografia: Leonardo LucasDR

processo de criação passa, primeiramente, pela fase de pesquisa. É necessária uma procura intensiva de imagens da personagem pretendida, dado que, frequentemente, existem desenhos que “não são fiéis ao design da personagem”, como explica o cosmaker.

Numa etapa seguinte, constroem-se os modelos 3D no computador, para ter “uma boa ideia dos formatos”. “No início, foi complicado dominar o programa”, admite Leonardo. O passo seguinte é a encomenda de materiais no estrangeiro, porque “é mais barato do que comprar em Portugal”. Todos estes procedimentos culminam, finalmente, na confeção do produto.

A paixão pela arte e pelos “temas” (os animes, filmes, séries, entre outros) é o que une a comunidade. Para Leonardo, convenções, como a Comic Con, são consideradas bons pontos de encontro para os fãs. No entanto, reunir pessoas de todo o país é uma moeda com duas faces: cria-se uma oportunidade de encontrar pessoas com os mesmos interesses, contudo, é “difícil” manter as amizades.

Glin: “É um trabalho muito solitário e de muita responsabilidade”

Glin, de 26 anos, ficou conhecida pelos seus cosplays e participações em concursos internacionais como o European Cosplay Gathering, o C4- Cosplay & Props e o Cosplay World Masters.

Mais a norte, o JPN foi conhecer o estúdio da artista, em Braga. O som de recortes de tecidos e o ressoar da máquina de costura é a banda sonora do dia a dia na sua casa, que se tornou o local de trabalho.

Para a cosmaker, a costura é uma atividade que começou na infância. No tempo que passava com a avó, costureira de profissão, aprendeu as bases para aquela que se tornou a sua paixão. “Via-a a fazer e fazia igual”, conta Glin. “O primeiro fato que fiz, foi com ela e foi todo cosido à mão”, recorda ao JPN. No entanto, só em 2014 fez o seu primeiro cosplay, na primeira edição da Comic Con em Portugal.

O passataempo acabou por se tornar profissão com a pandemia, à medida que a procura pelos seus trabalhos aumentou. Para a jovem, o cosmaking é a única fonte de rendimento. “Nunca é algo que posso ter numa banca a vender”, explica, já que a criação dos vestidos é “custom-made”, e são, por isso, feitos para “servir no corpo da pessoa perfeitamente”. Desta forma, Glin trabalha exclusivamente com encomendas.

A coordenação com o cliente não se limita ao design dos personagens. Quando é feito um pedido de orçamento, segue-se uma pesquisa de materiais. “Normalmente, mando as fotos do que estou a pensar usar para ver se elas [clientes] aceitam ou não”, explica a cosmaker. Para o orçamento, considera o preço dos tecidos, envio e o tempo de confeção do fato.

É uma relação de confiança”, afirma. No ato de encomenda, o cliente paga metade do valor final e essa quantia “é utilizada para comprar os materiais”. Por vezes, essa metade pode também “cobrir alguma mão de obra inicial”. Contudo, explica a jovem, “há uma série de coisas que nem sequer” cobra, como o trabalho de pesquisa ou os desenhos feitos para criar as peças.

É um trabalho muito solitário e de muita responsabilidade”, adverte Glin, para quem o ofício vai além de responder às encomendas. Por fazê-lo sozinha, pode tornar-se um processo complexo: “Sou uma pessoa só e tenho que tratar de tudo”, o que inclui “encomendar material, fazer as roupas, passar faturas, tratar da contabilidade e das redes sociais”. A artista é também cosplayer, o que implica “pôr em segundo plano” os seus fatos e as suas “apresentações“.

Vende principalmente para fora do país – para os Estados Unidos, Austrália, Alemanha e Canadá. O seu público-alvo é composto, na maioria, por “princesas profissionais“. “O meu feed é quase tudo princesas e fadas, porque são as minhas clientes”, explica Glin. Atualmente, está a desenvolver um novo projeto de festas para crianças, já que “em Braga não há muita oferta”. “Estou a criar agora as personagens”, conta.

A importância dos eventos para a comunidade

Nos eventos especializados há quem se mascare casualmente, mas existem também aqueles que se dedicam às competições. A World Cosplay Summit (WCS) e o European Cosplay Gathering (ECG) são os maiores eventos do género e as rondas de qualificação portuguesas realizam-se na Comic Con e no Iberanime.

Leonardo Lucas, desde que começou a participar em encontros, foi deixando a sua marca. Em 2015 e 2016, venceu duas vezes consecutivas na categoria de “Jogos Anime e Manga”, na Comic Con, enquanto que, em 2017, ganhou o prémio geral do evento: “Best in Show”. Em 2017 e 2018, também ganhou a categoria de “Melhor Grupo”, em duplas, no evento Aonime.

Foi dos melhores dias da minha vida”, descreve Leonardo sobre a vitória no seu primeiro concurso na Comic Con.

Na preparação para estes concursos, os participantes têm que ter em consideração “quem é que vai estar a assistir e quem é que vai ser júri”, explica Glin. Na sua participação no ECG em 2022, em que chegou às finais em Paris, fez cosplay de Elina, do filme “Barbie Fairytopia”. Tinha “aquela memória de criança de vê-la no filme a meter o colar e ganhar as asas e tinha de fazer no palco”. Além do visual, a participação exige também a criação do cenário e dos meios audiovisuais.

Segundo Glin, existe uma “certa rivalidade” entre costura e armaduras nas competições de cosplay, uma vez que, apesar do mesmo nível de dificuldade na execução, o público tende a desvalorizar a costura, diz. “As armaduras enchem mais o olho do público, talvez”, considera Leonardo. No entanto, para o artista, a complexidade dos dois ofícios é, de facto, igual.

São nestes eventos que a comunidade se reúne para partilharpaixão pelos videojogos ou animes, que facilitam, muitas vezes, a aproximação entre os fãs. Além disso, a partilha de experiências de vida semelhantes é um ponto de ligação entre todos.

Os interesses associados à cultura pop, por vezes considerados algo não normalizado, significavam, frequentemente, incompreensão e mesmo bullying. Desta forma, convenções e encontros surgem como um espaço seguro onde se podem expressar.

O sentimento de entreajuda estende-se ao cosmaking. É notável, entre a comunidade, a complementaridade entre os indivíduos na construção do personagem: desde a partilha de dicas, à venda de peças de vestuário e cosmética.

Entre pontos e linhas, “costuram-se”, assim, os laços entre as pessoas, numa manta de retalhos de personalidades, talentos e gostos não tão diferentes.

Editado por Ângela Pereira Rodrigues, Filipa Silva e Miguel Marques Ribeiro