Perante a onda de protestos violentos que decorreram no país, os imigrantes portugueses são alvo dos mesmos transtornos causados pelos protestos que tem como objetivo lutar contra o aumento do custo de vida e contra a repressão policial. O JPN falou com o diretor do LusoJornal, que acompanha a comunidade lusófona no país.

Manifestações em França têm assumido um caráter violento. Foto: Alotrobo/Pexels

“Não existe comunidade portuguesa em França, existem muitos portugueses em França”, sublinha o diretor do LusoJornal, Carlos Pereira, com quem o JPN falou a propósito da mais recente onde de violência que se fez sentir no país, na sequência da morte do jovem Nahel, com um tiro de um polícia, a 27 de junho.

Desde o dia da morte do adolescente, os protestos iniciaram-se nos arredores de Nanterre. Nos primeiros três dias, cerca de 800 pessoas foram detidas pelas autoridades. Aproximadamente 24 edifícios foram vandalizados e quase 160 veículos incendiados. Mais de 200 pontos de incêndios foram notificados nas ruas, segundo o Ministério do Interior de França.

Para Carlos Pereira, o impacto destes desacatos foi para os portugueses o mesmo que para “a sociedade francesa em geral”. Por outro lado, o jornalista refere que o facto de haver cerca de 1,5 milhões de portugueses em França faz com que entre os manifestantes, mesmo os mais violentos, possam estar também cidadãos lusitanos.

Há contudo exemplos concretos que envolveram projetos e pessoas da comunidade. Carlos Pereira aponta o caso da Rádio Arco FM, emitida em português e com programação 24 horas por dia. A estação teve sua festa portuguesa anual cancelada em Orleans, devido a esta agitação e foi prejudicada por isso, uma vez que o evento permite que a rádio “se sustente durante todo o ano”, exemplifica Carlos Pereira.

Outro caso é o de um autarca luso-descendente, Filipe Ferreira-Pousos, presidente da Câmara Municipal de La Riche, perto de Tours, que foi vítima de ameaça de morte, insultos e atos de vandalismo. A sua propriedade chegou a ser invadida e posteriormente atearam fogo ao automóvel que estava no jardim. Este incidente só não teve consequências piores, porque o autarca estava acordado e conseguiu conter as chamas, explica Carlos Pereira.

O quotidiano de todos os cidadãos também é afetado: há pessoas que queriam apanhar o comboio e não puderam, porque o mesmo não estava a funcionar. Portanto, os imigrantes portugueses representam “uma comunidade que não está dissociada da sociedade francesa“, e sentem o impacto “da mesma forma que a sociedade francesa”, reforça o jornalista.

“A morte deste jovem é apenas um caso”

O rastilho para a agitação social que se fez sentir em França, principalmente na capital, Paris, foi a morte do jovem de origem argelina Nahel M., morador de um bairro periférico, a oeste da cidade, que foi morto a tiro por um polícia, no carro em que seguia.

De acordo com Carlos Pereira, que vive em França há cerca de 40 anos, “há uma violência acrescida da polícia e muitos núcleos racistas na polícia francesa“, o que efetivamente origina cada vez mais casos de “agressão gratuita ou discriminatória“, explica.

Um artigo do “Le Monde” publicado este mês refere-o. De acordo com o diário, desde o início de 2022 terão sido mortas 15 pessoas pela polícia em 13 operações stop em que os cidadãos em causa se recusaram a parar. Mais excecional, dizem, é haver acusação judicial dos agentes envolvidos: oito, até ao momento, no conjunto dos casos referidos.

O jornalista aponta que, tal como em outras manifestações que decorreram em França, esta “degenerou-se“, a partir do momento em que foram surgindo “atos gratuitos de vandalismo” de pessoas que não tinham o assunto de Nahel como motivo da sua revolta. Desta forma, agiram de maneira violenta apenas com a finalidade de saquear lojas e destruir património. O facto de ser um “movimento espontâneo” e haver falta de ação das autoridades contribuiu para instalar o caos.

“A morte deste jovem é apenas um caso”, sublinha. A diferença para outros acontecimentos similares residiu, na sua opinião,  no facto de ter sido filmado e posteriormente “mediatizado”, o que fez com que a onda de violência se estendesse. “Até o próprio Presidente da República [Emmanuel Macron] veio a público imediatamente. Isto é raríssmo de acontecer em França”, afirma Carlos Pereira. 

No que toca a outros movimentos sociais recentes em França, destaca-se aquele que protestou, durante meses, contra o aumento da idade da reforma (que passou dos 62 para os 64 anos), sem obter o resultado pretendido. Muitas pessoas acabaram por assumir posições mais violentas, porque começaram a pensar “que se não forem violentas, não vão conseguir nada“.

Por outro lado, um facto comum entre estes acontecimentos é que “as imagens que o público sobre a violência sobrepõem-se à mensagem principal destes protestos“, quando, na opinião do jornalista, isso são “atos paralelos às manifestações”, não sendo portanto a principal causa da agitação social.   

No entanto, o jornalista considera “admirável” o facto de a imprensa francesa mostrar “os dois lados”, tanto as imagens de violência quanto as imagens dos sindicatos organizados e pessoas a manifestarem-se de forma pacífica, pois é importante para a sociedade que os media mostrem “as duas partes do problema, não apenas uma”.

O LusoJornal é projeto editorial que tem como foco do trabalho dos portugueses em França e as comunidades lusófonas neste país.

Editado por Filipa Silva