Chegou ao fim a 15.ª edição do MEO Marés Vivas. O terceiro e último dia juntou os festivaleiros para os concertos de Black Eyed Peas e The Script, com as emoções à flor da pele. Para além dos grandes nomes do cartaz, o dia também pertenceu a Xavier Rudd, Miguel Dinis e Irma, que se deram a conhecer melhor ao público português.

O Marés Vivas 2023 chegou ao fim este domingo, após um programa de três dias. Depois da passagem de nomes como Da Weasel, J Balvin, Pablo Álboran e Slow J, o último dia estava reservado para os Black Eyed Peas e The Script. Com as emoções a fervilhar, desde a alegria à nostalgia e à melancolia, o público vibrou ao longo de todos os concertos, mesmo dos artistas menos conhecidos.

Se no primeiro dia da programação ainda se encontravam fãs de todas as idades para variados concertos, no último dia o público tinha uma prioridade unânime: assistir aos concertos do grupo Black Eyed Peas e da banda irlandesa The Script. Dos mais velhos aos mais novos, ninguém parecia indiferente aos dois espetáculos que se avizinhavam.

O JPN esteve junto do público, que se agrupou em frente ao palco MEO desde as quatro da tarde. Mariana Pinto e João Neva, de 20 e 23 anos, tinham grandes expectativas para os concertos dos cabeças de cartaz, que marcaram a sua geração: “São duas bandas que, neste momento, não estão no topo, mas há uns bons dez anos eram das melhores bandas que andavam por aí. Queremos que tragam essas memórias. Estamos mais pelas músicas antigas. Toda a gente cresceu a ouvir Black Eyed Peas”, relembraram.

Mas engane-se quem pensa que os Black Eyed Peas já não influenciam as gerações mais novas. Constança Quaresma, de 14 anos, é fã assumida do grupo e convenceu os pais a comprarem os bilhetes: “Eu sou fã deles há muito tempo, desde que era criança. Cresci com as músicas deles e quando soube que vinham cá, disse aos meus pais: ‘vamos comprar isto de qualquer maneira, nem que sejam 7 mil euros”, brincou. Com um bom conhecimento da discografia do grupo, Constança esperava ver um concerto de hits, mas com algumas faixas menos conhecidas, como “Don’t Stop The Party”.

E os pedidos foram atendidos. Os Black Eyed Peas subiram ao palco por volta das 23h40, com um público ruidoso pela frente.  Assim que as luzes se desligaram para aumentar o suspense, ouviram-se gritos, palmas e o chão quase a estremecer. Assim que will.i.am, Taboo, J. Rey Soul e Apl.de.Ap se apresentaram, os fãs foram à loucura e começaram o espetáculo com a música mais indicada: “Let’s Get It Started”, que combinou um espetáculo de luzes contra-indicado para as pessoas mais fotossensíveis.

Parecia que nada tinha mudado. A irreverência das atuações manteve-se, com vocais e visuais futuristas e perto do estilo techno. A multidão respondeu sempre com euforia e com sorrisos rasgados de quem volta à infância. Mesmo que faltasse Fergie, antiga integrante do grupo, os fãs deram voz às suas partes, conduzidas agora por J. Rey Soul. “Boom Boom Pow”, “Pump It”, “Meet Me Halfway”, “Ritmo” foram alguns dos maiores destaques e fizeram dançar todo o recinto, que estava completamente apinhado e quase sem espaço para grandes movimentos.

O momento mais emocional do espetáculo acabou por ser a interpretação de “I Gotta Feeling”, que fechou o concerto e teve uma versão alargada e também de “Where Is The Love?”. Foi aqui que will.i.am decidiu surpreender a multidão. Com grande simpatia, convidou uma fã, Sofia, a subir ao palco para cantar com ele. A jovem portuense cantou (e encantou), o que levou a uma grande salva de palmas da audiência. O grupo acabou por ficar rendido à atuação de Sofia e do público, que elevou o momento. Como se não bastasse, ainda desceram junto dos fãs para tirar várias fotos e levaram os mais sortudos para uma curta dança no palco.

À saída do concerto, Mara Macedo, Beatriz Oliveira e Maria Fernandes estavam em êxtase, depois de um concerto que entregou muito mais do que o prometido: “Os Black Eyed Peas foram surpreendentes, não estávamos à espera que eles interagissem tanto como interagiram. Aliás, chamar os fãs ao palco foi uma coisa nunca vista”, remataram. Assim que o último acorde soou, viu-se uma enchente de gente a fugir para outros palcos, ainda animados com o que viram.

Um concerto emotivo

Danny O’Donoghue emocionou-se com o tributo dos fãs. Foto: João Jesus

Ainda assim, para as jovens ovarenses o ponto alto da noite foi a atuação dos The Script. Num concerto emocional  para os fãs mais fiéis, a banda irlandesa acabou por levar parte do público às lágrimas. Foi mais um regresso aos tempos em que tudo parecia mais fácil, ao som de grandes hits como “Superheroes”, “Hall of Fame”, “The Man Who Can’t Be Moved” e “For The First Time”.

Houve confettis, ergueram-se os braços no ar com as lanternas ligadas e levantaram-se cartazes com um propósito especial: homenagear Mark Sheehan, ex-guitarrista da banda, que faleceu em abril deste ano. Danny O’Donoghue deixou-se apoderar pelas emoções, sentando-se no palco e sorrindo para o público, com as lágrimas a brilharem-lhe nos olhos. Expressou o seu amor por Portugal, que descreveu com um dos seus locais preferidos para atuar e o melhor ponto da digressão, até ao momento.

Mesmo com uma atmosfera mais introspetiva, os The Script mostraram que o rock ainda lhes corre nas veias e deram uso às guitarras e às baterias. Cumprimentaram os fãs que estavam mais perto do palco e, em tom de brincadeira, ligaram para o ex-namorado de uma das fãs e dedicaram-lhe a música “Nothing”, com um direito a um “Goodbye, asshole” no final da chamada, gritado por todos os presentes. Foi emoção na sua forma mais pura, numa atuação que reuniu os maiores êxitos dos artistas com músicas mais recentes e também menos conhecidas.

“O concerto que mais me surpreendeu pela positiva foram os The Script”, referiram novamente Mara, Beatriz e Maria. “As músicas eram de álbuns antigos e álbuns bastante recentes. Ou seja, a setlist foi feita para os fãs. E, acima de tudo, foi uma boa homenagem, deixou-me um bocadinho com o coração apertado. As músicas, para mim, já têm um significado enorme, então foi um momento grande”, referiram, já com certezas de voltarem ao Marés Vivas, caso o cartaz volte a ter o mesmo peso.

Um festival de descobertas

As amigas, que estiveram presentes nos três dias do evento, escolheram o Marés Vivas com o intuito de ouvirem “boa música e bons artistas”. O facto de ser um festival no norte também ajudou, tal como os preços, que Mariana Pinto e João Neva descreveram como “acessíveis para os mais jovens”. Apesar de considerarem que o cartaz foi equilibrado, as jovens de Ovar só não apreciaram uma combinação: “Honestamente, só não gostei do dia em que tivemos a Cláudia Pascoal e a seguir um J. Balvin, mais à noite. Acho que não combinou muito bem esse dia. Preferia ter uma Irma, que é uma vibe mais engraçada para atuar num palco grande”, considerou Maria Fernandes.

Irma esteve presente no palco Moche, durante a tarde. A artista, conhecida pela sua participação em “Morangos com Açúcar” e outras produções nacionais, juntou os mais curiosos num espaço dominado pela música, pelos ritmos de influência africana e também pelo pó que se levantou. Do palco sairam temas como “MIKADO”, “Da Mesma Pele” e “Vejo-te Aqui”, com o artista Tiago Nacarato, que fez uma aparição surpresa, com muita cumplicidade com a cantora. As músicas foram acarinhadas por um público sorridente e em que se reconheciam algumas caras conhecidas, como a de Carolina Deslandes, que atuou no palco MEO no segundo dia do festival e aplaudiu os amigos.

Num dia que foi feito por viagens ao passado, também houve espaço para a descoberta de novos sons. Xavier Rudd foi um nome de grande peso no cartaz, com uma carreira que já remonta a 2002 e adorado pelo público canadiano e australiano. Em Portugal, a sua fama é menor, embora já cá tenha estado quatro vezes. Ou assim parecia.

O artista, que fez um one man show no palco num espetáculo de pouco mais de uma hora, pôs o público a vibrar ao som de harmónicas, guitarras e didgeridoos. Alguns fãs emocionaram-se, viram-se lágrimas a correr e sentia-se um abraço da natureza, que parecia estar de acordo com a música cantada em palco. Note-se que Xavier Rudd tem o ambientalismo, os direitos indígenas e a harmonia entre homem e natureza como temas transversais da sua música. As vozes uniram-se, com emoção, para temas como “Follow The Sun” e “Spirit Bird”. A performance de Xavier foi decorada por várias bandeiras, cartazes, palmas e danças em palco, típicas das tribos aborígenes australianas.

Emanuela Dias, de 46 anos, é uma das grandes fãs do artista. Com o filho às costas durante o espetáculo, a luso-australiana demonstrou orgulho nas suas raízes. A bandeira australiana deu graça aos seus movimentos e devolveu-lhe algumas memórias da sua terra.

Miguel Dinis abriu o dia no Palco Moche

Miguel Dinis foi o escolhido para iniciar o último dia do Marés Vivas 2023. Foto: João Jesus

Voltando ao bom português e a artistas em início de carreira, Miguel Dinis abriu o último dia no Palco Moche. O JPN entrou nos bastidores e esteve à conversa com o artista do Porto, satisfeito pela atuação de estreia num festival: “Superou [as expectativas]. Tento sempre ter as expectativas baixas, que assim nunca me desiludo. Tudo correu melhor, felizmente. Estava muita gente boa, boa energia, um som impecável. A banda também estava toda feliz, foi um concerto impecável”, contou, entre sorrisos.

O músico, que elogia também a aposta em projetos de artistas portugueses, espera conseguir editar o seu primeiro álbum até ao final do ano: “O próximo passo é acabar de gravar o álbum, lançá-lo e estar por aí a fazer concertos. Já temos muitos nomes para o álbum mas ainda não definimos. Serão cerca de 10 a 12 faixas e deve sair por outubro, novembro, ainda neste inverno”, revelou.

Mas os projetos não ficam por aí. Na sua página oficial do Instagram, Miguel criou a rubrica “Miguel Convida”, na qual se associa a outros cantores e bandas, em colaborações informais. Miguel Dinis fundou a Bunker Records, uma produtora focada nos artistas mais jovens. “Acho que o apoio entre artistas em ascensão é muito importante. Há muitos artistas bons, pelo Porto e por Portugal inteiro. Acabo por descobrir muitas vezes as músicas e os próprios artistas”, explicou o artista.

O “bichinho” pela música surgiu ainda em criança. Em tom jocoso, afirmou que a ausência de uma Playstation durante a sua infância lhe permitiu brincar com instrumentos musicais, sempre guiado pelo pai, que teve um papel preponderante: “O meu pai apresentou-me Pink Floyd, muito Beatles, Dire Straits… Mas depois tendi mais para Miguel Araújo, Rui Veloso, John Mayer. Acho que o John Mayer é o meu ponto de referência, ele é incrível”, considerou.

Em palco, munido da sua guitarra, o portuense interpretou temas como “Emigrar”, “Não Me Vais Deixar” e “Pouco de Mim”, iluminados por um sol radiante. “Estou pronto para novos projetos e para palcos maiores. Eles que venham”, concluiu.

Fernando Daniel e Kappa Jotta deslumbraram os mais novos

Fernando Daniel e Kappa Jotta também escreveram a história do último dia do Marés. O antigo vencedor do The Voice juntou os mais jovens no palco MEO. Rita Rosas e Beatriz Lopes, de 19 e 22 anos, estavam ansiosas pelo concerto do seu ídolo, a razão de terem visitado a 15.ª edição do festival. “Já acompanho o Fernando há algum tempo. Vi-o a ganhar o The Voice, em 2016, e comecei a acompanhá-lo frequentemente há mais ou menos ano e meio. Ele já cá esteve no Marés Vivas, no palco secundário. E tê-lo no palco principal é muito especial, sei que é especial para ele e estou aqui, juntamente com o fandom, para o apoiar, como sempre”, contou Rita.

E o próprio artista confirmou a honra de cantar no palco principal. Agradeceu a todos os presentes e sentiu diretamente o amor dos festivaleiros, que o abraçaram e elogiaram quando subiu as grades que cercavam o palco. “Tal Como Sou”, “Prometo” e “Casaforam cantados em uníssono, não deixando ninguém indiferente.

A noite fechou com o concerto de Kappa Jotta, no Palco Moche. Novamente perante um público mais jovem, o rapper deu energia ao recinto, que começava a esvaziar. “Coisas na Cabeça” e “Rooftop” fizeram as colunas vibrar e os fãs, pedir por mais. Sorridente e com imensa vontade de cantar até ao último minuto, o artista agradeceu todo o apoio dos espectadores, que recitaram as letras de cor.

Um bom lugar mas com espaço para melhorias

As filas nos stands foram um dos problemas apontados pelos festivaleiros. Foto: João Jesus.

Os três dias tiveram direito a horas de música, dos mais variados estilos. O regresso ao local do ano passado foi elogiado pelos festivaleiros, que usufruíram dos vários stands espalhados pelo parque. Todavia, João Neva pensa que “o recinto devia ser um bocado melhor aproveitado”. “Está muito espaçado. Podiam haver mais stands interativos, como há no Primavera Sound e no Alive. Aqui há muito espaço vazio. É bom para a circulação, mas podiam aproveitar um bocado mais. Os stands que estão a oferecer brindes estão com muitas filas porque são poucos”, apontou.

No último dia, a área das casas de banho também voltou a ser alvo de críticas. “As casas de banho são um ponto fraco. Há dificuldade no acesso e na distribuição das pessoas por elas. É tudo muito complicado e demora muito tempo”, declarou Beatriz Oliveira, que também criticou o cheiro que se sentiu ao longo do dia na zona próxima dos WC’s. No entanto, sobraram elogios para a zona de restauração, que atendeu a todas as necessidades.

Quanto aos transportes, e a julgar pelos muitos testemunhos que o JPN ouviu, muitos dos festivaleiros deslocaram-se até ao recinto de carro particular ou usando serviços de TVDE, como a Uber e Bolt. Enquanto no primeiro dia se registaram algumas ocorrências, como multas, estas terão diminuído com o decorrer dos dias. Uma curiosidade é que, no último dia, e de acordo também com o testemunho de algumas pessoas, é que alguns moradores terão disponibilizado estacionamento junto às suas propriedades por um valor “amigável”.

Mais uma vez, ouviram-se elogios ao palco Roda de Samba, à abundância de espaços verdes e com sombra e ao Palco Comédia, onde se juntou muita gente no último dia para assistir à atuação do último comediante da edição deste ano: Fernando Rocha.

A 16.ª edição do Marés Vivas já foi confirmada e acontece de 19 a 21 de julho de 2024. O Antigo Parque de Campismo da Madalena receberá o evento pela terceira vez e com a promessa de crescer ainda mais. Em declarações ao Jornal de Notícias, Jorge Lopes, diretor do festival, admitiu estar agradado com o desempenho da edição deste ano e promete ter a fasquia elevada para o próximo cartaz. Ainda não existem artistas confirmados, mas espera-se que sejam anunciados nos próximos meses. O único dia esgotado foi o primeiro, no entanto, Jorge Lopes referiu que os dois últimos dias contaram com uma lotação de 95%. O Antigo Parque de Campismo continuará a ser o local do festival, todavia, o diretor referiu que pretendem melhorar a utilização do espaço, uma vez que só utilizam cerca de 60% do parque.

Editado por Filipa Silva