A noite pertenceu aos Da Weasel, num espetáculo de mais de duas horas. A música portuguesa fez-se ouvir no primeiro dia, num clima de adrenalina que não se deixou apagar pela chuva. Cerca de 40 mil pessoas passaram pelo recinto. Apesar de algumas críticas, o dia terminou com um balanço positivo.
A 15.ª edição do MEO Marés Vivas arrancou esta sexta-feira (14), no Antigo Parque de Campismo da Madalena. Num dia totalmente esgotado e em língua portuguesa, com nomes como Slow J, Os Quatro e Meia e Jorge Palma, as atenções estavam voltadas para o regresso dos Da Weasel aos palcos do Norte.
As portas do recinto abriram às 16h00 em ponto, deixando entrar uma multidão de todas as idades. Apesar das diferenças etárias, um único pensamento parecia unir o público que se ia formando: a expectativa por um grande concerto da banda de hip-hop tuga, os Da Weasel. Ouviam-se gritos eufóricos, tiravam-se fotos junto dos cartazes e o merchandising da banda ia pintando o recinto de várias cores.
No meio do rodopio do merchandising oficial, avistavam-se fãs mais dedicados que criaram as suas próprias indumentárias. Sandra Vieira e Manuel Monteiro, de 40 e 46 anos, respetivamente, já visitam o festival há mais de dez anos, com o seu grupo de amigos, e compraram os bilhetes assim que os Da Weasel foram confirmados, em outubro. Com sorrisos largos e orgulho estampado nas suas camisolas, o casal confessou estar expectante para ver os cabeças de cartaz: “Esperamos ver tudo. Espero que no final do concerto os Da Weasel deixem a alma deles cá”, admitiu o casal.
Pouco antes da meia-noite, com um atraso de cerca de 15 minutos, os Da Weasel tomaram conta do palco num estrondo de som, luz e imagem. O público, que se juntou ao longo do dia na frente do palco, deixou-se envolver desde o primeiro acorde de guitarra. Ouviram-se os gritos, os assobios e as palmas, numa dança frenética conduzida pelo grupo. Viram-se sorrisos que rapidamente foram deixados de lado para se cantarem as músicas, que o público demonstrou conhecer na perfeição.
Não se sentia uma divisão entre as idades. Muitos pais dançavam com os filhos, orgulhando-se do grupo que marcou as suas adolescências. O contágio de animação foi rápido e não havia um espaço vazio e parado. Dos mais velhos aos mais novos, esqueceu-se o peso da idade e o público rejuvenesceu ao som nostálgico do hip-hop tuga.
O peso da idade foi também esquecido pela Doninha. Assim que entraram no palco, Carlão, Virgul, Quakas, DJ Glue, Guillaz e Jay-Jay Neige voltaram aos seus tempos áureos. A euforia de ver um público tão vasto reunido para ver o seu regresso estava refletido nas posturas vibrantes e joviais da banda, que deu mais de duas horas de concerto.
As mãos acompanharam o ritmo das músicas. Ouviram-se êxitos como “Dialetos de Ternura”, “Todagente”, “GTA” e “Para a nóia”. Nas interações com o público, a banda deixou muitas vezes que as vozes dos fãs se fizessem ouvir, a ecoar pelo recinto sem qualquer tipo de acompanhamento vindo do palco, como foi o caso de “Re-Tratamento”. Surpreendidos pela adesão do público, repetiram muitas vezes os refrões mais conhecidos e alargaram a duração do espetáculo, com músicas que não foram tocadas no comeback do NOS Alive, no ano passado.
Pouco após a uma da madrugada, os Da Weasel abandonaram o palco. No entanto, a multidão não aceitou que o concerto ficasse por ali, demonstrando a sua vontade por mais, com uma energia eletrizante. O regresso ao palco teve de acontecer, culminando num fecho de cerca de meia hora adicional. Foi um final com chave de ouro, com direito a espetáculo de fogo, um último gesto de calor para com os fãs, que aguentaram a duração do espetáculo sem qualquer sinal de cansaço.
As luzes desligaram-se e a nostalgia viu-se na cara dos festivaleiros. Parecia um quase retorno à infância. Rita Caetano e Samuel Ferreira, de 26 e 27 anos, viram as suas expectativas atendidas, num concerto que “valeu totalmente a pena”. “Eu ouvia Da Weasel quando era muito miúdo. Eu andava para aí no 5.º ano, se calhar nem isso, por influência do meu irmão que era um pouco mais velho. Conheço as letras deles desde pequeno”, disse Samuel Ferreira, que viveu o concerto do início ao fim com energia inesgotável. Após confessarem que foi um concerto que lhes ficará na memória para sempre, Rita e Samuel confessam também ao JPN que estavam contentes por terem visto quase nenhum telemóvel durante o espetáculo: “Se vens para um concerto não é para estares no telemóvel, é para aproveitar o momento ao máximo. O que fica no telemóvel são meras recordações, o que importa é o que fica contigo e na tua memória, não dá para gravar isso”, sentenciou Rita.
Apesar de ter sido um concerto direcionado para uma geração que chegou à juventude nos anos 90, inícios dos anos 2000, também os mais novos se deixaram encantar. Sofia Amaral e Rita Oliveira, duas jovens de 12 e 13 anos, já conheciam os Da Weasel, principalmente o vocalista Carlão, por influência dos seus pais. Beatriz Pereira, de 18 anos, e Diana Pimenta, de 19, admitiram não ouvir frequentemente as músicas da banda, mas estavam prontas para aproveitar. A programação totalmente em português foi um dos pontos elogiados pelas duas amigas, que apelaram a uma maior presença de música nacional nos festivais: “Especialmente a nossa geração desconhece e desvaloriza artistas portugueses e este tipo de divulgação nos festivais é muito importante. Para além disso, é uma grande variedade de tipos de música portuguesa. Não é só um estilo, são vários. Ou seja, acaba por atingir um público maior ”, resumiu Beatriz.
Um dia de música totalmente em português
Slow J era o artista mais esperado pelo público mais jovem. O rapper português concentrou uma grande multidão durante o espetáculo, revisitando vários dos seus temas. Prometeu um concerto especial, assumindo-se orgulhoso por ser uma das vozes portuguesas do dia. Em tom de confissão, o artista admitiu ter um carinho especial por esta edição do Marés Vivas, pela presença dos Da Weasel, que foram o seu primeiro concerto. Para quem conhece o artista, já sabe que em cima do palco se faz rap de uma forma diferente, com recurso a guitarras portuguesas e influências de outros estilos de música. “Cristalina”, “Serenata”, “Grandeza” e “Where You @?” deixaram os fãs ao rubro. Sofia Amaral e Rita Oliveira, que guardaram lugar na frontline, sentiram uma “energia incrível” durante todo o espetáculo. Entre sorrisos e lágrimas, o recinto entrou num modo de comunhão que o artista também agradeceu.
A tarde foi marcada pela atuação do veterano Jorge Palma e pelo grupo Os Quatro e Meia. O músico de 73 anos abriu o festival debaixo de chuva, mas os fãs não arredaram pé. Tal como à sua música, não lhe faltou lume nem vivacidade, num concerto que mostrou as várias facetas do artista, que dedilhou as guitarras e tocou piano com maestria. Debaixo das capas de chuva e dos casacos, as pessoas dançavam e abanavam os seus cartazes ao som das faixas “Encosta-te a Mim”, “Frágil” e “Estróina”.
A chuva dificultou o concerto que se seguiu. Os Quatro e Meia passaram por alguns problemas técnicos no início da atuação, mas rapidamente foram resolvidos. A banda de Coimbra, que ganhou celebridade após a participação no Festival da Canção de 2022, brincou em palco com os seus instrumentos, evidenciando a cumplicidade entre os integrantes. Enalteceram os artistas do dia e vincaram a importância de se cantar em português. Presentes pela terceira vez no palco do Marés Vivas, a banda apostou num espetáculo emotivo, com temas como “Canção do Metro”, “Olá Solidão” e “Sentir o Sol”. Foi tempo de se ver o amor no recinto, com vários abraços e beijos trocados, iluminados pelas lanternas dos telemóveis.
“Foi fácil chegar, difícil de estacionar”
Num dia totalmente esgotado, com cerca de 40 mil pessoas no recinto, chegar até ao Antigo Parque de Campismo da Madalena não foi fácil para muitos dos espectadores.
Margarida Teixeira, Julieta Ricardo, Francisca Teixeira e Francisca Cardoso sentiram dificuldades em conseguir estacionamento: “O local está bem organizado, mas notei um forte controlo ao nível de carros. Estão a rebocar tudo. Basta estar uma rodinha mais em cima do passeio e é multa”, contaram ao JPN.
Mariana Cruz, de 30 anos, revela que também teve de estacionar longe do recinto e pensa que a organização falhou na identificação dos pontos de entrada e de acesso: “A página do Marés Vivas e o Instagram podiam ter divulgado melhor os caminhos”.
Por sua vez, Tiago Sousa e Paula Mota, que visitaram o festival pela primeira vez, também consideraram que os transportes públicos deveriam ter sido melhorados. Mesmo assim, existia uma concordância geral: a de que o Antigo Parque de Campismo da Madalena foi a melhor escolha para o Marés Vivas, com um espaço “amplo” e “com muita escolha e oferta”.
Samuel Ferreira, que esteve presente no ano passado, gostava de ver alargada a oferta do número de sanitários no recinto. O facto de só existir uma área destas no recinto criou grandes filas e levou a que alguns perdessem parte dos concertos. “Eu, por acaso, já estive noutra edição do Marés Vivas e também aconteceu a mesma coisa. Perdi 40 minutos de concertos para conseguir ir à casa de banho. Desta vez, creio que o problema não era a lotação, mas sim o acesso. As casas de banho eram grandes e davam para a toda a gente, mas não faz sentido só existir uma no espaço do evento”, completou.
Para além disso, o festivaleiro acrescentou que as regras deveriam ser mais explícitas. À entrada, foi revistado e não permitiram que levasse comida. “No site do festival, diziam que não se podia entrar com bebidas alcoólicas e caixas de comida. Para mim, caixas de comida são tupperwares ou coisas que possam ser atiradas para o palco. Trouxe comida embrulhada em papel de cozinha e fui obrigado a deitar tudo fora. Deveriam ter dito simplesmente que não era permitida comida nem bebida e comunicar no site, não apenas na fila”, criticou. Além disso, Samuel Ferreira pensa que deveriam pensar noutra solução para a comida que não entra no recinto ao invés de acabar no lixo.
Apesar das críticas, a divisão e a dimensão do espaço foram elogiados pelos visitantes. Palcos como o Palco Moche, o Palco Sapo Comédia e a Roda de Samba atraíram os olhares dos mais curiosos, dando a conhecer vários tipos de música num só lugar. Ricardo Leite e Filipa Coelho, de 17 e 18 anos, visitaram o Palco Moche e sentiram-se agradados por terem um espaço para conhecerem novos artistas. O Roda de Samba também era um dos pontos de interesse, tal como o Palco de Comédia, que promete surpresas durante os três dias de cartaz.
No Palco de Comédia, estiveram presentes humoristas como Hugo Soares, Diogo Barrigana, Carlos Vidal e Eduardo Madeira. Num palco minimalista e próximo da plateia, trocaram-se piadas para todos os gostos e idades. Os risos fizeram-se ouvir e esta era a área mais relaxada do festival.
Para além dos palcos, há várias atividades espalhadas pelo parque. É possível realizar alguns jogos, experimentar produtos e até fazer maquilhagens e pinturas faciais pelos stands disponíveis, próximos da zona da restauração e do palco Moche.
Apesar da chuva e do tempo mais fresco, o primeiro dia do Marés Vivas 2023 foi a abertura ideal para a edição deste ano. O segundo dia de festival contará com a presença de artistas como J Balvin, Pablo Álboran, Carolina Deslandes, Bárbara Tinoco e Cláudia Pascoal.
Editado por Filipa Silva