Nas noites de sexta-feira e de sábado, o Pavilhão Rosa Mota voltou a receber o Rock à Moda do Porto. A segunda edição contou com um cartaz alargado, com nomes de peso do rock feito a norte. Ao longo das duas noites, o JPN falou com vários dos artistas para saber a definição de rock e como este se transformou ao longo dos tempos.

O Pavilhão Rosa Mota abriu portas para a segunda edição do Rock à Moda do Porto. O segundo ano do festival reuniu artistas como Pedro Abrunhosa, Clã, Táxi, Trabalhadores do Comércio, Jafumega e Mão Morta, divididos pelos dois dias do evento.

A arena foi dominada pelas guitarras, baterias e pelo canto em uníssono de temas que marcaram gerações. Mesmo com a chuva e o frio de outono, os ânimos aqueceram o espaço, com pessoas de todas as idades. 

À entrada do Super Bock Arena, encontramos Ana Tavares e Ana Costa, de 53 e 14 anos. Ana Tavares contou ao JPN que sempre ouviu rock e decidiu comprar bilhete para o Rock à Moda do Porto “principalmente” para rever os Jafumega. Para além disso, queria dar a conhecer à filha “a música que já se perdeu”. Pela sua parte, a jovem admite que artistas portugueses de rock atuais conhece “nenhum”. Já as referências a artistas internacionais não lhe faltaram.

A mesma situação acabou por se verificar com outros jovens com quem o JPN conversou. Para além de algumas menções a bandas como os Xutos & Pontapés e os GNR, a geração mais nova aponta o rock português como uma coisa pertencente ao passado. Mas será que os artistas que deram voz ao festival têm a mesma opinião?

O JPN entrou nos bastidores do Rock à Moda do Porto e conversou com algumas das vozes mais marcantes do rock feito na Invicta. Trabalhadores do Comércio, Jafumega, Pedro Abrunhosa e Táxi deram os seus testemunhos para tentarem definir o que é o rock, como mudou e como se encontra.

Um rock que “às vezes, é mal frequentado”

Os Trabalhadores do Comércio abriram a segunda edição do Rock à Moda do Porto. A banda, com 43 anos de carreira, lançou na noite de estreia do festival o seu novo trabalho: “Objecto”. Com um título que vai contra o “aborto ortográfico”, o grupo que criou o êxito “Chamem a Polícia” regressou com um novo disco, composto por 11 temas.

É um álbum “principalmente de rock, mas não só”, com o humor, crítica social e política intensas, característica do grupo tripeiro. Segundo Sérgio Castro e Joe Médicis, é um álbum que acompanha a “evolução orgânica e natural do grupo”.

Em palco, Sérgio Castro assustou com uma queda imprevista no início do espetáculo, mas rapidamente recuperou e conduziu uma atuação de mais de uma hora. Alguns dos temas mais conhecidos foram revisitados, no entanto, o concerto focou-se nas músicas do novo álbum, que a multidão recebeu com agrado. 

Sobre o rock, Joe e Sérgio afirmam que o género não é definido apenas pelo som das guitarras e dos gritos em palco, mas sim pela atitude: “A palavra rock, na realidade, hoje, abarca muitos estilos de música diferentes. O que eu encontro em comum na maior parte deles é a atitude. Ainda assim, de vez em quando, o rock é mal frequentado”, remataram entre risos.

Joe Médicis acrescenta que apesar de os jovens estarem “sedentos de referências”, o domínio do rock perdeu-se entre as gerações mais novas: “Não está morto, está apenas com um cheiro esquisito”, disse o guitarrista, numa referência à célebre citação de Frank Zappa. Apesar de agora haver uma maior facilidade para consumir música, sente que a partilha que era potenciada pela troca de CD e cassetes se esvaiu com os tempos.

Sérgio Castro aponta o dedo à indústria musical, cada vez mais focada no lucro, e considera que o rock feito nos anos 70 era “genuinamente rock”, feito contra o sistema. Porém, com o passar dos anos, a rebeldia foi-se esbatendo: “Houve uma sofisticação do rock que foi feita pelos próprios artistas, mas por outro lado também foi encomendada e moldada pelas editoras e pelo sistema, por interesses económicos. E, claro, logicamente as coisas mudaram. Há uma coisa que é indesmentível – todos os artistas que tentam ser alternativos e não estar exatamente no sistema, mais tarde ou mais cedo, há uma tentativa do sistema de os absorver”, conta ao JPN, lembrando que os Trabalhadores do Comércio também sentiram essa mesma pressão após o “boom” de sucesso com os seus temas mais conhecidos.

No final, os Trabalhadores do Comércio mostraram-se agradados com o público que encontraram no Pavilhão Rosa Mota e a receção ao novo trabalho. “Rock é um gajo cair ao chão, levantar-se e ir”, brincou Sérgio Castro.

O rock como transgressão

O palco ainda nem tinha arrefecido quando os Jafumega ligaram as colunas. O grupo formado na década de 80 viu os fãs a reunirem-se junto ao palco, expectantes para acompanharem algumas das faixas mais intemporais como “Ribeira” e “Nó Cego”.

Depois do concerto, Mário Barreiros, Luís Portugal e José Nogueira surgiram nos bastidores com sorrisos abertos. Apesar de ser “um bocadinho tarde” e de lhe “doerem as costas”, o trio juntou-se para falar sobre rock.

“Esta entrevista demora duas horas?”, brincou José Nogueira antes de arriscar uma definição do que é o rock: “Então, vai ser complicado explicar uma coisa dessas. É uma batida dura, forte. Isso o essencial. É tanta coisa. Rebeldia, mistura de música popular com tudo. É uma música que rouba coisas às outras músicas todas. Alta, um volume alto! Transgressão de uma maneira geral. Não sei se hoje em dia é tanto. Há várias transgressões diferentes, muitas correntes. Há muitos pops que não são rocks, são outras coisas”, acabou por explicar.

Luís Portugal e Mário Barreiros recordaram o surgimento do rock em Portugal. A quebra de tabus e a inovação foram pontos chave, se bem que de forma mais atenuada em comparação com o cenário internacional. “Para aquilo que se vivia até aí, de repente, foi uma explosão extraordinária de criatividade, de independência. Toda a gente fazia o que queria, em termos musicais, em termos de rock. Foi uma época fantástica. Naquela altura, construiu-se toda uma indústria que não existia. E é claro, depois as coisas foram sendo aos poucos testadas pela própria indústria e pelo comércio. Mais domadas. Hoje em dia, é mais difícil ser autêntico”, consideram.

Quanto aos mais jovens, o grupo pensa que existe uma curiosidade por aquilo que já se fez e aquilo que se vai criando. “Eu acho que vão à procura das duas coisas. E ainda mais pelo pop rock. Este festival, por exemplo, é o “Rock à Moda do Porto”, mas é mais “Pop Rock à Moda do Porto”, porque inclui também o pop. E continua a haver bandas incríveis no Porto. Antigas também, da nossa altura. Os GNR, por exemplo, que é uma banda de rock no nome, mas é uma banda de pop também. Sim, um pop bom. Um pop com gosto, inteligente. Não é aquele pop pimba, que agora anda por aí em força”, afirma Luís Portugal.

Com boa disposição e felizes por “um espetáculo bestial”, os Jafumega ressalvaram a importância do Rock à Moda do Porto também como um ponto de encontro entre bandas e artistas que sempre se conheceram.

A globalização que “mesmizou” a música

Muito do movimento que se fez sentir na primeira noite do Rock à Moda do Porto era direcionado para um artista em especial. Pedro Abrunhosa reuniu fãs de todas as idades no Pavilhão Rosa Mota, que dançaram, saltaram, gritaram e aplaudiram durante toda a atuação.

Responsável por dar voz a músicas como “Não Desistas de Mim”, “Ilumina-me” e “Talvez F****”, o artista dominou o palco por completo. Usou também a sua atuação para apelar à paz e para criticar as situações de guerra que se veem pelo mundo inteiro. Foi um espetáculo que teve momentos de euforia, mas também temas de introspeção, como por exemplo na interpretação de “Hallelujah”, de Leonard Cohen, pedindo que fossem ligadas as lanternas dos telemóveis da plateia.

Foi com a mesma boa disposição que Pedro Abrunhosa recebeu o JPN no seu camarim, “fucking satisfeito” com o concerto e feliz por ter um trabalho que gosta realmente de fazer.

Sobre o rock, Abrunhosa acredita que a indústria musical acabou por “mesmizar” muita da música que é feita. Acrescenta que as rádios acabam por castrar a curiosidade musical dos seus ouvintes, oferecendo produtos vazios por dentro: “As rádios, por exemplo, afunilam os gostos em função de uma tabela. A comida é um grande exemplo. As pessoas gostam da pastelaria cheia de açúcar, porque é fácil de comer, é fácil de engolir e de digerir. Eu preferia um bolo de bacalhau tuga todo mal amanhado, cheio de borboto a um pastelzinho todo bem embalado”, brincou o artista.

“Cabe-nos a nós manter a chama viva”

Já no segundo dia, a noite começou com os Táxi. “Chiclete” e “Cairo” fizeram as delícias do público, mas o grupo não se ficou por aí, revisitando várias faixas da sua carreira, com uma energia que parecia inesgotável. Fogo, confettis e adrenalina decoraram o palco durante todo o alinhamento.

João Grande, vocalista da banda, ainda dançava à saída do palco. O cantor estava satisfeito por “ver muita malta nova a conhecer as músicas todas” e confessou ao JPN que acredita estar num dos melhores períodos da sua vida.

A energia que teve em palco é justificada: “Damos tudo o que temos para dar. É muito importante, porque as pessoas pagam bilhete para nos ir ver, com chuva, com sol, com frio… Temos de estar nas melhores das condições, temos de dar tudo, o que temos e o que não temos”.

O vocalista dos Táxi define o rock como um sinónimo de “rebeldia”. Acredita que parte da vertente rebelde do rock já se apagou, mas que, por vezes, surgem projetos que “ressuscitam o rock de antigamente”. Quanto aos mais jovens, “não é preciso que eles saibam o que é rock, isso não interessa nada. O que interessa é que eles estejam a gostar”.

Admitindo que ainda lhe “falta fazer tudo” e com grandes projetos pela frente, João Grande garante que manter o rock vivo é uma tarefa ainda em curso: “Cabe-nos a nós, e a outros como nós, manter a chama viva”, concluiu.

A programação continuou ainda com a atuação dos Clã, com a participação surpresa de Capicua em palco. Apesar de não ter concedido entrevista, Manuela Azevedo divertiu-se em palco e animou o público. Com a energia que lhe é característica, a vocalista agarrou o microfone para músicas como “Corda Bamba”, “O Sopro do Coração”, “Armário” e “GTI”. O público reagiu numa felicidade controlada, trauteando e aplaudindo todas as músicas. Os Clã também estiveram presentes na primeira edição do evento e agradeceram pelo regresso caloroso.

O Rock à Moda do Porto fechou com o espetáculo dos Mão Morta. O grupo bracarense de rock avant-garde fechou a programação num espetáculo final que reuniu temas como “Budapeste” e “Oub’lá”. A multidão deixou-se soltar ao som dos gritos e das guitarras, num estilo bem diferente, mais pesado, do grupo que os antecedeu. Com o adiantado da hora, o público que se via no início da noite já há muito tinha dispersado.

A terceira edição do Rock à Moda do Porto já está confirmada. A 25 e 26 de outubro de 2024, o rock feito a norte volta a ser rei e a organização promete uma programação diversificada e mais ambiciosa.

Com Afonso Leite e Beatriz Magalhães

Editado por Filipa Silva