Em entrevista ao JPN, o chefe da Missão Diplomática da Palestina em Portugal aborda o ataque de 7 de outubro, a necessidade de um cessar-fogo imediato em Gaza, a tensão na Cisjordânia, o sistema político palestiniano e as possibilidades de paz na região.

Num ponto, os embaixadores de Israel e da Palestina em Portugal estão de acordo: o ataque do Hamas de 7 de outubro, que resultou na morte de 1.400 israelitas, na maioria civis, foi uma surpresa. Mas em tudo o resto manifestam divergências profundas.

Numa entrevista concedida a 28 de outubro ao JPN a partir da Missão Diplomática da Palestina, em Lisboa, Nabil Abuznaid responsabiliza a “opressão da ocupação” israelita pelos eventos que lançaram o terror pelo sul de Israel há um mês.

Apesar de ressalvar que o Hamas defende a luta armada ao contrário das fações mais moderadas da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – nas quais se insere -, o diplomata coloca a tónica nas causas do sucedido, reafirmando que “há 56 anos” que a “identidade” e a “liberdade” são negadas aos palestinianos de Gaza, da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental.

Sobre a guerra que leva 34 dias, que à data de publicação desta entrevista já terá causado a morte de mais de 10 mil palestinianos segundo o Ministério da Saúde de Gaza, sublinha a “tristeza” de ver “famílias inteiras” desaparecerem e urge a comunidade internacional a parar o conflito: “É hora de parar com esta guerra louca.” E alerta para a potencial expansão da guerra para a Cisjordânia.

Admitindo que os palestinianos têm problemas políticos por resolver, o antigo conselheiro do líder histórico da OLP, Yasser Arafat, aponta o dedo a Benjamin Netanyahu e a alguns dos seus ministros pelo discurso belicoso e pela mentalidade “de colonos”. Israel, diz, só terá paz e segurança quando resolver a questão palestiniana. 

E sobre o processo de paz, não o dá por derrotado: “Estamos prontos para uma solução. Apenas uma. Não viver sob ocupação.”

JPN – Comecemos pelo dia 7 de outubro. Quando soube o que aconteceu em Israel – como se desenrolou o ataque, a violência envolvida, o número de vítimas e reféns – lembra-se dos seus primeiros pensamentos? Como vê o que aconteceu naquela manhã?

Nabil Abuznaid (NA) – Sabem, nós, os palestinianos, estamos habituados a este tipo de situação, mas, realmente, fomos apanhados de surpresa ao saber o que aconteceu no dia 7. Mas a violência na Palestina é uma coisa comum. Acordar de manhã e ler nas notícias quantas pessoas morreram, que [uma qualquer] cidade foi atacada e assim por diante. Isso faz parte do nosso dia a dia.

JPN – E como descreveria o sentimento dos palestinianos na Cisjordânia e em Gaza face ao ataque do Hamas?

NA – Vivemos numa situação difícil. É como o senhor Guterres disse: “Este ataque não aconteceu no vácuo”. O dia 7 foi um dia [de violência] em maior escala, mas é algo comum. É preciso entender os palestinianos. Temos um sistema político chamado OLP [Organização para a Libertação da Palestina]. A OLP representa todas as fações palestinianas. Entre elas, o Hamas. Nós, os seculares, acreditávamos na paz com Israel e assinamos acordos de paz em Oslo, em 1993. Mas após o assassinato de [Yitzhak] Rabin [primeiro-ministro israelita, em 1995, por um extremista judeu opositor dos Acordos de Oslo], a esperança de paz diminuiu. Então, o Hamas está a dizer-nos: “vocês tentaram a paz com Israel, mas, desde 1993 até hoje, perdemos seis vezes mais terras para os colonatos do que havia em 1993; há mais opressão; então, vamos tentar outros meios, porque vocês falharam em não usar violência ou ao usar resistência pacífica”. Eles estão a tentar diferentes meios, que usam a violência, para atacar a ocupação.

Eu era criança quando surgiu a ocupação israelita, agora estou a reformar-me. Por que é que não consigo ter paz na minha vida? Não tive um dia de justiça. O mundo inteiro tem de agir.

JPN – O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que estes acontecimentos não ocorreram no vácuo. Mas também disse que as reivindicações dos palestinianos não podem justificar o que aconteceu. Concorda com ele nisso?

NA – Ele disse que há um motivo para que isto tenha acontecido: a opressão da ocupação. Li a entrevista do embaixador de Israel ao vosso jornal e ele dizia: “Vocês estão seguros, têm a Espanha como vizinho”. Ele esqueceu-se de dizer que é um ocupante. Que o Hamas agiu por causa da ocupação. Por que é que a Espanha viria atacar Portugal?

Na história, as pessoas resistiram às ocupações e a resistência foi o principal meio para obter a sua liberdade. É uma visão diferente entre a corrente principal dos palestinianos e o Hamas. Mas é por causa da ocupação. Imaginem 56 anos, 365 dias por ano, a ver essa opressão? Como é que as pessoas podem viver?

Em segundo lugar, recentemente, Netanyahu disse que “deveríamos acabar com todas as esperanças de os palestinianos terem um Estado independente”. Um dos seus ministros disse que “não existe tal coisa como palestinianos. Eles são inventados”. Olhem para mim, fui inventado? Os meus antepassados ​​viveram lá desde o início da história, mesmo que a maioria deles viessem da Europa. Nós aceitamos viver com eles, estendemos a mão pela paz, mesmo quando o embaixador israelita disse que os palestinianos não querem a paz. É estranho. Diga-me uma oferta que os israelitas tenham feito aos palestinianos? 

Temos três opções. Uma delas é chamada de solução de Estado Único, na qual judeus, cristãos e muçulmanos viveriam no estado histórico da Palestina sob um governo, sob uma constituição, com direitos iguais. Nós somos a favor disso. Israel disse não. Então, o mundo inteiro, a ONU, até mesmo os Estados Unidos, pensaram que a outra opção era a solução de dois Estados. Dissemos que aceitaríamos um Estado em 22% da Palestina histórica e que Israel poderia ter 78%. Esta é a solução de dois Estados, e foi isto que Netanyahu [rejeitou quando] disse: “deveríamos acabar com as esperanças de os palestinos terem um Estado”.

Gostaria de pedir ao embaixador israelita que desenhe no mapa onde ficam as fronteiras de Israel. Ele desenharia as [fronteiras] de 1967? Israel é o único Estado que espera que o reconheçamos sem fronteiras. Qualquer país que tenhamos de reconhecer, tem primeiro de declarar as suas fronteiras. Israel não. Eles acreditam que as fronteiras são onde os militares israelitas chegarem.

Imaginem, eu era criança quando surgiu a ocupação israelita, agora estou a reformar-me. Por que é que não consigo ter paz na minha vida? Não tive um dia de justiça. O mundo inteiro tem de agir. Basta, 56 anos de ocupação. A comunidade internacional tem de agir. Por quanto tempo teremos que negar a nossa identidade? A pior coisa que se pode fazer a um ser humano é negar a sua identidade. 

Vimos fotos onde as famílias escreviam os nomes dos filhos nas mãos e nas pernas deles, porque se morressem saberiam quem eram essas pessoas.

JPN – Até domingo [29 de outubro], após a morte de 1.400 israelitas no ataque do Hamas, mais de 8.000 palestinos morreram em Gaza, quase metade dos quais eram crianças. Mais de 20.000 ficaram feridos. 1,4 milhões estão deslocados. Como descreve a situação humanitária em Gaza? Qual é a principal preocupação dos palestinianos neste momento?

NA – É tão triste ver bebés, mulheres, pessoas mais velhas sob escombros. Devemos ter cerca de duas mil agora [à data da entrevista] sob os escombros. Como é difícil quando famílias inteiras são completamente destruídas. Vimos fotos onde as famílias escreviam os nomes dos filhos nas mãos e nas pernas deles, porque se morressem saberiam quem eram essas pessoas. Porque os aviões israelitas com grandes bombas estão a destruir todos os edifícios. Algumas famílias decidiram separar-se por lugares diferentes, com vizinhos ou amigos diferentes, porque não querem perder toda a família. Imagine a sensação quando se despedem. Ontem à noite estive a olhar para um bebé de dez dias. Não sabem quem é a família dele. É tão triste.

Sinto muito por todos os seres humanos que estão a ser mortos. Judeus, cristãos, muçulmanos, é realmente muito triste. É hora de parar com esta guerra louca. Mas acho que isso tem que ser impedido pela justiça. Eu sei que Israel está agora à procura de uma vitória, independentemente do preço, eles não se importam com quantos palestinianos são mortos. Netanyahu busca uma vitória para disfarçar o seu fracasso.

JPN – Israel diz que o Hamas usa a sua população como escudo humano. Como comenta isso?

NA – O Hamas está em Gaza e Gaza é altamente povoada. Este é o argumento israelita agora. Mas as pessoas lá não podem… Isto é limpeza étnica. Os israelitas dizem: “atacaremos, destruiremos, a menos que vocês movam toda a população”. Como é que se pode mover esta população de mais de dois milhões para outro lugar? A verdadeira resposta é que não devem ser atacados e que deve haver uma solução pacífica para o problema.

Sabia que as pessoas em Gaza são refugiadas? Setenta por cento da população de Gaza são refugiados. Este povo abandonou as suas casas em 1948, sendo forçado pelos israelitas. Vocês conhecem a “Nakba” e os massacres. Quantas vezes este povo terá que ser refugiado novamente?

A única maneira de vocês [os israelitas] estarem em paz e viverem em paz é fazendo a paz com os vossos vizinhos.

JPN – A situação está a piorar. No último sábado [28 de outubro], uma nova fase de guerra, espera-se que a invasão terrestre se intensifique. Quais são as consequências que o senhor prevê para esta intensificação?

NA – Em primeiro lugar, devemos acreditar no direito internacional. Viu a resolução na ONU há alguns dias? 120 países no mundo disseram que a guerra tinha que parar. Os israelitas atacaram a ONU, atacaram Guterres. 

Sempre acreditei e disse isso muitas vezes: as armas podem enganar. A única maneira de os israelitas viverem em paz é fazendo a paz com os seus vizinhos. Olhem para todas as armas que não protegeram os israelitas no dia 7. O que realmente os protege é ter paz com os vizinhos. E a paz é construída com base na justiça e na imparcialidade.

Fui a Gaza há alguns anos com um ministro dos Negócios Estrangeiros dos Países Baixos, quando era embaixador lá. Paramos na fronteira e ele teve uma reunião com alguns colonos judeus. Eles reclamaram que não podiam ter a sua vida normal junto à fronteira de Gaza. Então, o ministro pediu-me para falar e eu disse aos israelitas: “coloquem-se no lugar dos palestinianos, eles sentem o mesmo. Enquanto os vossos vizinhos em Gaza não se sentirem seguros, vocês não terão a segurança que estão a pedir. Vejo as crianças infelizes de ambos os lados. E Israel a mandar jovens de 18 anos para as fronteiras ou para os postos de controlo, assustados, a carregar armas. Que vida é essa? Quando é que Israel terá uma liderança que realmente pensa na paz? 

Esta é a mensagem para Netanyahu: a história não irá julgá-lo como um grande líder pelo grande número de palestinianos que o senhor está a matar agora. Julgará pelo número de pessoas que salvou do seu próprio povo. E também quero dizer a Netanyahu: o senhor não é um grande líder. Um grande líder, como Rabin, guiará o seu povo de uma situação de guerra para uma situação de paz. O senhor está a liderar o seu povo de uma guerra para outra guerra.

Aceitaremos uma pequena porção de nossa terra para vivermos como pessoas livres na Palestina: Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Gaza. Viver com dignidade, igualdade, e em liberdade. E ninguém precisará de se alistar no exército, ou ir para o campo de batalha. Mas enquanto me privarem da minha liberdade, dos meus pertences, da minha terra, não creio que estarão livres e seguros.

Na Cisjordânia, em poucas semanas, perdemos 125 jovens. Isso levará a uma guerra entre palestinianos e israelitas na Cisjordânia ocupada. 

Nabil Abuznaid nasceu em Hebron, no Sul da Cisjordânia. Foto: Missão Diplomática da Palestina em Portugal/D.R.

JPN – Israel nega um cessar-fogo neste momento. Os Estados Unidos apoiam os israelitas nessa decisão. Dizem que o cessar-fogo “não é a resposta certa”. Quais acredita serem as opções em cima da mesa?

NA – Desde 1944, a questão de Israel e a criação de Israel tornaram-se prioridade para os americanos. O lobby judeu é muito forte na América. Infelizmente, quando o Sr. Biden entrou, ele veio com uma mensagem de guerra, não veio com uma mensagem de paz. Declarar mais apoio militar a Israel, mais apoio financeiro… São estes os Estados Unidos da América que acreditam na autodeterminação dos povos? Apoiam o ocupante, apoiam a ocupação?

Posso compreender que ele apoie a segurança de Israel e o direito de Israel se defender. Ele disse que Israel não pode ser defendido nos territórios ocupados? Israel é um ocupante. Um estado ocupante. Ele deveria traçar os limites e dizer: “Israel deveria ser protegido dentro das suas fronteiras”.

Na Cisjordânia, em poucas semanas, perdemos 125 jovens. Somos atacados pelos colonos. Até os Estados Unidos, Biden, disse ontem, ou anteontem [26 ou 27 de outubro], “parem os ataques dos colonos aos palestinianos”. Isso levará a uma guerra entre palestinianos e israelitas na Cisjordânia ocupada. 

JPN – Este conflito pode expandir-se pela Cisjordânia? Mencionou as pessoas que já foram mortas nestas três semanas. Há um perigo real de disseminação do conflito?

NA – Sim, é muito perigoso e a Autoridade Palestiniana está a fazer o seu melhor para acalmar as coisas, porque também estamos a tentar salvar vidas palestinianas. Se as coisas escalarem, mais pessoas serão mortas. Por isso, estamos preocupados em manter a Cisjordânia de alguma forma calma, mas não podemos controlar as pessoas frustradas que veem os seus irmãos e irmãs nesta situação em Gaza. Temo que esta guerra se expanda para mais do que é agora.

JPN – Sabemos que o Qatar hospeda alguns líderes do Hamas, como Ismail Haniya, e está em negociações para libertar reféns. Vladimir Putin também recebeu uma delegação do Hamas no Kremlin. Qual é o papel de países como o Catar, a Rússia e outros da Liga Árabe no processo de alcançar a paz na região?

NA –  Todo o mundo árabe e o resto do mundo são contra esta guerra e querem que ela acabe. Por vezes, o papel de terceiros é importante na mediação, transmitindo mensagens entre as duas partes em conflito. Penso que o Qatar está a tentar desempenhar um papel para trazer os reféns de volta, e está em contacto com os Estados Unidos, com os israelitas e com o Hamas. Portanto, esta é uma função… é como a Cruz Vermelha. Por vezes, numa situação de guerra, eles desempenham um papel. Não sabemos até que ponto são bem sucedidos, mas penso que estão a fazer o seu melhor.

Quanto ao Egito, com base na autoridade que tem sobre a sua terra, no Sinai, está a dizer que não permitirá que os israelitas desloquem qualquer palestiniano para lá, mesmo que isso custe milhões de vidas, não vão aceitar isso. Portanto, o Egipto está a tentar proteger a sua soberania. Estão preocupados com eles próprios.

Além disso, a Jordânia está preocupada com a transferência de palestinianos da Cisjordânia para a Cisjordânia Oriental, porque foi isso que alguns israelitas disseram, como [Benzalel] Smotrich [ministro israelita das Finanças] que disse que palestinianos como eu deviam ser retirados da Cisjordânia para a Jordânia. Esta é a mentalidade dos colonos israelitas. Eles querem a terra sem as pessoas. Não querem ver pessoas em Gaza, não querem ver pessoas na Cisjordânia, querem toda a terra da Palestina para eles.

É perigoso, os pensamentos colonialistas como os do governo de Israel atualmente. A situação é muito, muito grave. Pode arrastar mais pessoas para esta guerra, e não consigo imaginar como Israel pode lidar com mais ocupação e mais controlo de terras.

JPN – Falou sobre o mundo árabe. Sabe-se que Israel assinou com alguns países os Acordos de Abraão. Considera que os acordos enfraqueceram o apoio árabe à causa palestiniana?

NA – Está a referir-se aos sauditas. Os sauditas disseram: “Estamos a trabalhar na normalização das relações com Israel, mas temos um problema sério para resolver, que é a questão palestiniana.”

Penso que a questão palestiniana, a sua resolução, é como construir uma ponte para a paz e normalizar as relações com o mundo árabe. Se Israel, tal como foi dito, disse que ter paz com o mundo árabe iria acabar com o problema palestiniano, estão enganados.

Temos duas questões: a normalização com o mundo árabe e a questão palestiniana. Se a questão palestiniana for resolvida, penso que Israel normalizará as relações com o mundo árabe. Foi sobre isso a iniciativa de paz árabe em 2002, no Líbano, quando os governos árabes concordaram que se Israel se retirar das terras ocupadas em 1967, 57 Estados, árabes e muçulmanos, reconheceriam Israel e normalizariam as relações com Israel. 

Israel não terá paz com o mundo árabe enquanto ocupar as terras palestinianas, especialmente Jerusalém Oriental, onde se encontra o local mais sagrado para os muçulmanos, a mesquita de Al-Aqsa.

Temos problemas políticos. (…) Precisamos de eleições. (…) Mas se há uma democracia, ela tem de ser acompanhada de liberdade.

Nabil Abuznaid é chefe da Missão Diplomática da Palestina em Portugal desde 2017. Foto: Missão Diplomática da Palestina em Portugal/D.R.

JPN – Relativamente a outros acordos: Há um ano, 14 facções da OLP, incluindo o Hamas e a Fatah, assinaram a Declaração de Argel, um acordo para a reconciliação intra-palestiniana. As partes concordaram também com a realização de eleições. Qual é a atual relação entre a Fatah e o Hamas? 

NA – Temos problemas políticos. Estamos a tentar utilizar a não-violência, as principais fações [da OLP], para alcançar a paz. O Hamas e a Jihad dizem que a única forma de alcançar a paz é através da luta armada. Os israelitas tentam dividir os palestinianos, dizendo ao presidente da Autoridade Palestiniana que “não pode controlar” ou que “não pode falar em nome de todos os palestinianos” e que, em relação ao Hamas, “são terroristas, não falamos com eles”.

Tentamos realizar eleições [em 2021], para que todos os palestinianos dos territórios ocupados votassem numa nova liderança, um sangue novo. E digo-vos, acredito na democracia. Precisamos de eleições [as última Legislativas datam de 2006]. É importante para nós. Mas, depois, os israelitas disseram que as pessoas em Jerusalém [Oriental, que os palestinianos reclamam como capital de um futuro estado] não poderão votar e, se aceitarmos isso, significa que aceitamos que Jerusalém faz parte de Israel e não dos palestinianos.

Falámos com a Europa. Exortámos os países europeus a intervir junto de Israel para permitir que os palestinianos também pudessem votar em Jerusalém Oriental. Os israelitas recusaram. Estamos, portanto, numa situação difícil. Se fizermos eleições sem o nosso povo em Jerusalém, isso significa que aceitámos que Jerusalém não faz parte da Palestina, que faz parte de Israel. Se exigirmos que votem, não conseguiremos que votem e não poderemos realizar eleições.

JPN – Relativamente às eleições de 2006, o Hamas ganhou as eleições. Nessa altura, Abbas nomeou um primeiro-ministro de um terceiro partido, para ser imposto na Cisjordânia. Pode ajudar-nos a compreender um pouco melhor a administração política palestiniana?

NA – Somos novos no que toca a ter um sistema. Começámos depois de Oslo, mas digo-vos honestamente: se há uma democracia, ela tem de ser acompanhada de liberdade. É como uma moeda, de um lado está a liberdade e do outro a democracia. É muito difícil construir a democracia quando não se é livre.

Os palestinianos precisam de uma verdadeira democracia, que, para mim, é a coisa mais importante para construir uma nação. Sem democracia não teremos sucesso em nada, mas precisamos de nos livrar da ocupação.

Sabia que quando vou a casa no verão, todas as semanas tenho de comprar um grande depósito de água porque não podemos ter água? Já imaginou que a água é da nossa terra e que a compramos aos colonos?

JPN – Quando olhamos para a Cisjordânia e vemos que atualmente vivem lá 700.000 israelitas – sei que apoia a solução dos dois Estados, obviamente – mas faz sentido falar da solução dos dois Estados quando 700.000 israelitas vivem em colonatos na Cisjordânia?

NA – Essa é a política de Israel. Estão a tentar criar uma realidade no terreno. É como diz: o que vão fazer com os 700.000 israelitas? Isso significa que as nossas esperanças de um Estado na nossa terra, a Cisjordânia, são difíceis, porque os israelitas controlam as estradas, a água, e não apenas para os 700.000. Sabem que não podemos ter água? Eles têm direito à água. Têm direito à segurança, têm direito às estradas, e foi isso que Ben-Gvir [ministro israelita da Segurança Nacional] disse: “estradas para mim, para a minha mulher e para os meus filhos, são mais importantes do que as vidas dos palestinianos.” Esta é a citação exata do que ele disse. Esta é a mentalidade dos colonos.

Sabia que quando vou a casa no verão, todas as semanas tenho de comprar um grande depósito de água porque não podemos ter água? Já imaginou que a água é da nossa terra e que a compramos aos colonos? Eles dão-nos um limite de água. Não acreditam em mim? O Banco Mundial diz que o consumo de água dos palestinianos é, no máximo, cerca de 15% do consumo dos colonos. Imaginem isto, não ter água para beber e olhar para um colonato com piscinas e a água ser da nossa terra? É terrível.

Penso que a ocupação é a forma mais elevada de terrorismo, quando se ocupa a vida das pessoas em todas as suas dimensões. Já chega de sofrimento para os palestinianos, deixem os palestinianos serem livres, iguais a vocês. Não peço mais nada, apenas que eu possa dizer: “Sou palestiniano e vivo na Palestina”.

JPN – Quais são, na sua opinião, as condições necessárias para se chegar a um acordo de paz na região?

NA – Estamos prontos para uma solução. Apenas uma. Não viver sob ocupação. E isso depende dos israelitas. Sinto que muitos deles gostariam de ver um Estado palestiniano e de dizer “basta”. Lembra-se da Intifada [Primeira Intifada, de 1987 a 1993]. Nessa altura,  Yitzhak Rabin era ministro da Defesa de um governo de direita, liderado pelo Likud. Mas ganhou as eleições em 1992 e, no dia em que ganhou as eleições, houve, segundo sei, contactos secretos entre ele e a OLP e o seu inimigo mais odiado, Yasser Arafat [então líder da OLP], porque Rabin pensou: “chegou a minha hora, lutei em todas as guerras israelitas, mas vou liderar o caminho para a paz”. Depois Rabin reconheceu a OLP, que representava os palestinianos, e OLP reconheceu Israel.

Nós acordaremos uma paz baseada na justiça. Quanto aos israelitas, eles terão que escolher um governo melhor, não um de direita. Pessoalmente, penso que a sociedade israelita vai caminhar mais para a paz.

Desejosamente, vamos ver a guerra em Gaza a terminar. Todas as pessoas regressarão às suas famílias, os palestinianos na prisão, os israelitas em Gaza que também foram feitos reféns, regressarão às suas famílias. Espero que nos encontremos na fronteira com bandeiras israelitas e palestinianas e as troquemos na fronteira de 67, dizendo “sim, vamos fazer história”. Não podemos viver numa época difícil durante toda a história. 

JPN – O fim da guerra atual, a discussão sobre a ocupação dos territórios palestinianos e Jerusalém Oriental, considera que estas três questões são as principais nesse processo?

NA – Primeiro precisamos de agir para acabar com esta guerra e salvar pessoas. Depois, precisamos de um período de cura, mas os políticos devem iniciar conversas. Durante este período, precisamos que a comunidade internacional – Estados Unidos, Europa, Portugal – desempenhem um papel. Sobretudo nestas duas ideias: que Israel aceite o direito de os palestinianos terem um Estado e que os palestinianos enviem uma mensagem aos israelitas: “não vos atacaremos”. Estes são os primeiros passos, depois avançamos seriamente para a solução de dois Estados.