O festival terminou no sábado (25) e, para além da longa-metragem de Elorza,“Lucefece: Where there is no vision, the people with perish”, “Rubab”, “Siete Jereles” e “Girls’ Stories” saem do Porto/Post/Doc premiados. Dario Oliveira, diretor do festival, fez um balanço muito positivo desta que foi a 10.ª edição.

Os prémios do Porto/Post/Doc 2023 foram entregues no sábado, dia 25. Foto: Porto/Post/Doc

O último dia do Porto/Post/Doc (sábado, 25) ficou marcado pela cerimónia de entrega de prémios. No Grande Prémio Vicente Pinto Abreu, para melhor filme de Competição Internacional, o vencedor foi A los libros y las mujeres canto, de María Elorza.

Tal como o título deixa escapar, este é um filme sobre livros, mas também sobre mulheres. Esta, que é a primeira longa-metragem da realizadora basca, sublinha a importância da mulher na sociedade. Foi considerado pelo júri “a surpresa mais agradável da competição”, unindo o seu carácter caloroso e humorístico, a um lado “um pouco sombrio”. 

Já na categoria do Cinema Falado, o Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores premiou o filme Lucefece: Where there is no vision, the people with perish, do portuense Ricardo Leite. “Lucefece” apresenta-se como um documentário autobiográfico que explora o passado sombrio da Guerra Colonial. Para o júri, prima pela sua “originalidade” e pela emoção que transmite através das “imagens feitas à mão”. Houve ainda uma menção honrosa na categoria dedicada ao cinema lusófono para “2720” de Basil da Cunha.

Ganhou o Prémio Transmission, dedicado aos documentários musicais, “Siete Jereles”, de Gonzalo García Pelayo e Pedro G. Romero. Considerado pelo júri “desafiante e original”, este é o primeiro filme que traz duas vezes o mesmo realizador ao Porto/Post/Doc – Pedro G. Romero – que sai do festival com o seu segundo prémio. “Siete Jereles” dá vida ao flamenco e expõe-no a partir de sete interpretações musicais pelas ruas de Sevilha. 

“Rubab”, de Marta Vaz, foi merecedor do Prémio Cinema Novo Canal180, para o melhor filme da competição que o PPD dedica às primeiras obras. A realizadora estreou-se pela primeira vez no Porto/Post/Doc, com um documentário sobre a música de Cabul, que se viu banida do país e teve de se refugiar noutro, assumindo uma visão onde prima a frontalidade.

O prémio Teenage, um prémio atribuído por um grupo de alunos do ensino secundário de escolas do Porto, foi atribuído a Girls’ Stories, da realizadora polaca Aga Borzym, um documentário sobre a experiência feminina e de como é ser rapariga nos tempos da adolescência. Um filme sobre “algo aparentemente banal”, que é afinal especial e que “toca ao coração de todos”, refere o júri – especialmente o das raparigas que já foram adolescentes, acrescentaríamos nós. 

O prémio Arché-Porto pela Companhia das Culturas/Fundação Pereira Monteiro, para o melhor projeto apresentado na oficina Arché-Porto, foi para “Bocaína”, de Pedro Gonçalves Ribeiro.  

Por fim, o Prémio Working Class Heroes, em parceria com a FILMAPORTO – Film Comission, para o melhor projeto apresentado, foi atribuído a “Cape of the World”, de Tomás Baltazar.

Curta inédita de Agnés Varda para fechar o festival

Depois de nove dias intensivos, com uma média de 12 sessões por dia, o Porto/Post/Doc disse adeus ao Cinema Batalha, que acolheu o certame juntamente com o Cinema Passos Manuel.

Grande Ecrã Especial Porto/Post/Doc

Fizeram parte da sessão de encerramento os filmes Time Takes a Cigarette, de Aya Koretzky, e “Agnés Varda – Pier Paolo Pasolini – New York – 1967”, da realizadora homónima.

Time Takes a Cigarette”, nome que surgiu em forma de homenagem a David Bowie e à sua música “Rock’n’Roll Suicide”, celebra a música rock que surgiu no Porto entre os finais da década de 70 e início da década de 80. A película mostra a forma como o 25 de Abril abriu as portas da liberdade musical e de como isso se espalhou pela cidade Invicta. Através de quadros vivos, baseados nas imagens fotográficas da época, o filme desenrola-se a partir de histórias reais, contadas na primeira pessoa.

A realizadora filmou jovens atores e não-atores com base em cinco fotografias de quem viveu o movimento punk e rock no Porto, recriando memórias da época. Em voz-off, Aya Koretzky juntou Pedro Sousa Pereira (Pedro Kron), Fernanda Gonçalves, Bernardo Queiroz, Guilherme Lucas e Carlos Moura para que cada um contasse as suas vivências de forma a dar mais ênfase aos quadros-vivos, contextualizando tanto a memória pessoal como coletiva da época.

É um filme que mistura documentário, o relato de quem viveu a época, com ficção, através da recriação das fotografias

O filme de Aya Koretzky contou com produção da Red Desert. A película  está inserida no projeto “Working Class Heroes”, que tem o objetivo de apoiar a produção de cinema na cidade do Porto, contando histórias da cidade com o apoio de técnicos locais. Em parceria com a FilmaPorto, o Porto/Post/Doc procura, com esta iniciativa, apoiar a produção audiovisual no Porto.

Sessão de encerramento do festival, no último sábado (25). Foto: Porto/Post/Doc

Divagar à boleia de Varda e Pasolini

Era 1966, em Nova Iorque, Agnés Varda caminhava com o seu colega e amigo Pier Paolo Pasolini e gravava-o com uma câmara de 16 mm, sem som. No ano seguinte, com base numa conversa que gravou com o cineasta, aliou o som à película, resultando da combinação um retrato das visões do realizador italiano acerca do cinema e da sociedade. O filme, de apenas quatro minutos, permaneceu sem ver a luz do dia até 2021.

A câmara foca-se num Pasolini contemplativo, vagueando entre as pessoas que passavam pela rua 42 de Nova Iorque, onde as imagens foram captadas. É uma compilação estranha de imagens que se torna numa cápsula do tempo que concentra a genialidade de Varda e Pasolini. Há uma energia frenética da cidade misturada com as divagações filosóficas do cineasta – as imagens e a conversa entre os dois realizadores têm um ano de diferença – que criam uma atmosfera surreal e singular. É um filme transcendente.

Agnés perguntou a Pasolini: “Falando de cinema, podes dizer-me as tuas definições de realidade e ficção?”. Aquilo que Pier Paolo Pasolini lhe respondeu pode descrever o cinema que encontra casa no Porto/Post/Doc: “Não há diferença entre realidade e ficção, porque cinema é a realidade a expressar-se através de si mesma”

Sala do Batalha antes do visionamento de um filme. Foto: Porto/Post/Doc

Balanço positivo da organização

O festival terminou, mas Dario Oliveira, diretor do festival, não deixou de afirmar que, se a abertura do Porto/Post/Doc no Batalha era o culminar de um sonho, o encerramento dita que “o sonho pode ser dado como realizado.”

Em declarações ao JPN, o responsável referiu também, ainda sem avançar números, que a “afluência” de público “foi muito maior” que nos anos passados.

O responsável  não deixou de mostrar a sua preocupação pelo facto de as salas de cinema estarem mais vazias. A pandemia fez com que o streaming reforçesse a sua posição face ao cinema no grande ecrã, mas o diretor afirma, no rescaldo de um certame que correu bem desse ponto de vista, que é preciso “brindar ao regresso do público às salas de cinema”.

A próxima edição do festival do cinema do real no Porto já tem data marcada. Entre os dias 22 e 30 de novembro de 2024, o Porto/Post/Doc vai começar a caminhar para a sua próxima década.

Editado por Filipa Silva