O avançado sueco teve um impacto instantâneo no futebol português e tem encantado as bancadas de Alvalade. Para tentar perceber um pouco melhor como surgiu este fenómeno, o JPN esteve à conversa com Adi Viveash, treinador-adjunto de Gyökeres no Coventry. Em declarações ao JPN, Pedro Varela, mais conhecido no mundo do Sporting como Bancada de Leão, reconhece que a presença de Gyökeres melhora a exibição de outros jogadores.

Depois de se tornar a contratação mais cara da história do Sporting Clube de Portugal, as expectativas eram altíssimas para Viktor Gyökeres. Oito meses depois, o sueco não só correspondeu como as excedeu largamente. É o melhor marcador da Liga Portugal e leva 33 golos e 13 assistências em 38 jogos, em todas as competições. Estes são números ao alcance de poucos, especialmente no panorama nacional. Mas o impacto do avançado leonino não se fica pelas quatro linhas. A (já) icónica celebração chegou ao país inteiro – adeptos, colegas, atletas de outras modalidades e até rivais.

Apesar dos 20 milhões de euros pagos (mais quatro milhões pelo cumprimento de objetivos), Gyökeres era um nome pouco conhecido pelos adeptos de futebol em Portugal. O sueco jogava no Coventry City, clube do Championship (segunda divisão inglesa), que não faz parte do principal escalão desde 2001. Antes de assinar em definitivo pelos azuis celestes, passou pelo Brighton, num período marcado por vários empréstimos (St. Pauli, Swansea e Coventry) e onde nunca jogou pela equipa principal. O avançado nunca tinha feito um minuto numa primeira divisão de qualquer liga, o que levantou algumas sobrancelhas aquando da sua chegada.

Os tempos no Coventry

Viktor foi o segundo melhor marcador do campeonato em 2022/23 e era um nome muito querido entre os adeptos do Coventry. Adrian “Adi” Viveash fez parte da equipa técnica do clube, como treinador-adjunto, durante toda a passagem do sueco. Ao JPN, o técnico britânico disse que a saída de ‘Vik’ deixou um “vazio tremendo” na equipa. “A maneira mais fácil de explicar o vazio que ele deixou é que, para o substituir, tivemos de trazer dois avançados diferentes. Fomos obrigados a mudar a maneira como jogamos. Não podes substituir jogadores daquela qualidade, tens de tentar fazer as coisas de maneira diferente. Sentimos muito no início da temporada, demorámos um pouco a superar”, afirmou.

Quando, em 2017, Adi Viveash chegou ao Coventry para ser adjunto de Mark Robins, o clube estava na League Two (quarta divisão do futebol inglês). Contudo, apenas três temporadas depois, já estavam no Championship e, na última temporada, apenas uma derrota nos penáltis na final dos play-offs impediu a subida à tão desejada Premier League. Um trabalho impressionante por parte da equipa técnica que acredita que, se a subida tivesse acontecido, talvez Gyökeres se tivesse mantido no clube: “Se o desempate por penáltis em Wembley tivesse tido um desfecho diferente, talvez não estivéssemos a ter esta conversa. Talvez tivesse existido a oportunidade de o manter. Mas a verdade é que o Vik tinha o seu próprio plano”.

Adi Viveash está no Coventry desde 2017 e acompanhou Gyökeres durante a sua passagem no clube. Foto: Coventry City

Antes de chegar ao Coventry, Gyökeres tinha poucas provas dadas no futebol inglês. “Observámos o Viktor quando ele estava emprestado pelo Brighton ao St. Pauli. Chamou-nos a atenção mais como um extremo-esquerdo. Tentámos contratá-lo aí, mas não conseguimos. Foi para o Swansea, mas teve muitas dificuldades em ter minutos, porque eles estavam a ter uma época excecional e tinham dois avançados à frente. Jogámos contra eles e o Vik não teve o melhor dos jogos. O Kyle McFadzean (defesa do Coventry) estava sempre a lembrá-lo da forma como o manteve no bolso quando ele assinou [risos]”, recorda o treinador-adjunto.

O avançado sueco tornou-se a venda mais cara da história do Coventry, mas este sucesso nem sempre pareceu garantido. Quando chegou teve “algumas dificuldades em entrar na equipa” e mostrou-se “frustrado” nos meses iniciais. Mas, nos últimos jogos da temporada, teve oportunidades e conseguiu marcar “três golos importantes nos últimos cinco jogos” e causar uma boa impressão. Mesmo assim, não era certo se o clube ia tentar a contratação em definitivo: “Baseado naqueles seis meses não era garantido. Era 50/50. Mas o nosso treinador insistiu bastante e conseguimos fazer o negócio. No final, acabou por ser uma verdadeira pechincha” admite Viveash.

Estes seis meses acabaram por ser cruciais para o desenvolvimento do avançado. Quando regressou para a primeira época completa no clube, estava um jogador mudado: “Ele era um jogador diferente. Um animal diferente. Parecia fisicamente mais forte. Desde o primeiro dia de pré-época que ele começou a deixar todos para trás. Tornou-se o poço de força que vemos hoje. Esta transformação foi assustadora e, naturalmente, construímos a equipa à volta das suas forças. Nunca vi um jogador pegar tantas vezes na bola e levar os defesas à frente. Tornou-se o melhor jogador do Championship, não há qualquer dúvida disso“, disse.

Na segunda época completa no Coventry já era um titular absoluto. No entanto, de outubro a janeiro passou pelo maior período de secura da carreira. O treinador-adjunto relembra a preocupação do jogador com estes jogos: “Ele ficou bastante frustrado. Continuámos o trabalho que sempre fizemos. O Vik sempre fez muitos exercícios de finalização extra por vontade própria. Ele teve algumas oportunidades durante esses três meses onde ficou frente a frente com os guarda-redes e tentou sempre a mesma finalização. Tentámos explicar-lhe que da mesma forma que ele estudava os guarda-redes, eles também o estudavam a ele”.

Adi Viveash destacou ainda o mérito do treinador que “continuou a colocá-lo no onze”, mesmo num mau momento de forma e da dedicação do sueco: “Sentimos que o deixou desconfortado. Mas com muito trabalho árduo ele conseguiu superar. É um jogador muito focado, muito dedicado. Quer ganhar nem que seja um jogo de tiddlywinks. É assim que ele é”.

 

No gráfico acima, é possível ver a evolução da capacidade de finalização de Gyökeres ao longo dos anos. Antes de chegar ao Coventry, passou por um período difícil no Swansea, mas começou a marcar muitos golos. Até metade da primeira temporada completa nos azuis celestes, manteve um número alto de golos e golos esperados por remate, mas depois passou pela seca referida em cima. Recuperou a boa forma no fim da época e melhorou a taxa de conversão.

A segunda temporada completa no Coventry foi muito mais consistente e viu Gyökeres tornar-se um finalizador de elite no campeonato. Manteve uma média alta de conversão e fez aproximadamente aquilo que se esperava de um ponta de lança da sua qualidade. Contudo, foi na época atual que realmente despontou, ao ponto de que, ao longo de dez jogos, manteve uma média de, aproximadamente, um golo a cada dois remates. Hoje é um dos mais produtivos avançados da Europa, mas os golos não são tudo no seu jogo.

Foi preciso alguma insistência com o sueco para se tornar num avançado completo: “O Vik é certamente alguém que não tem problema em dizer-te as coisas. Tínhamos uma batalha constante com certas partes do treino, especialmente em espaços apertados. Ele não gostava disso, porque dizia que não representava a maneira como jogávamos no fim de semana. Mas queríamos melhorar essa parte do jogo dele. Vejo agora o número de assistências que está a conseguir no Sporting. É engraçado, porque, durante um longo período aqui, ele nem sabia o que era um passe [risos]”.

A evolução para um avançado completo

Pedro Varela, mais conhecido no mundo do Sporting como Bancada de Leão, é adepto de longa data do clube e cocriador do podcast “Sporting 160”. O sportinguista não tem dúvidas que o sueco “é um jogador fantástico” e uma “mais valia” para o clube. Ainda assim, acredita que há um aspeto em particular que lhe falta: “Podia passar um pouco mais a bola. Há ali momentos em que só vê a baliza, o que é natural para um ponta de lança daquela natureza, mas às vezes há melhores opções”.

Mesmo que possa melhorar na tomada das decisões, Pedro Varela reconhece que a presença de Gyökeres melhora a exibição de outros jogadores:  “O resto do ataque também passou a marcar mais. O Paulinho foi um destes casos nos jogos em que jogou com ele. O próprio Pote tem sido também importante quando joga na frente, até o Trincão”.

 

Viktor Gyökeres não só está muito acima da média dos avançados das melhores ligas europeias, como demonstra ter um estilo de jogo muito mais completo: é muito participativo nos jogos e é tanto o foco dos ataques, como o criador das oportunidades.

No verão, os leões não eram os únicos interessados na contratação. Várias equipas do primeiro escalão inglês pretendiam contar com o avançado para esta temporada. Mesmo com esta cobiça, Viveash acredita que a decisão tomada pelo melhor marcador da Liga Portugal foi a mais acertada. “Ele foi bastante inteligente em escolher o Sporting. Tinha vários pretendentes onde, provavelmente, não seria a figura principal que acabou por se tornar em Lisboa. Está a trabalhar com um treinador extraordinário e com jogadores muito bons. Ele elevou-se para um outro nível agora, o que é fantástico de se ver”, disse ao JPN.

A vida em Portugal parece estar a correr bem para o sueco. Os adeptos adoram-no e “ele adora o clube”. O técnico acredita que a figura “massiva” do sueco ajuda a torná-lo tão influente: “Ele parece um Deus. Provavelmente poderia ser um modelo, se não fosse futebolista. Acredito que ele vai ser um grande exemplo a seguir para os adeptos. Ele tem aquela pequena arrogância tradicional dos jogadores escandinavos, como era o caso do Ibrahimović, que certamente é um dos ídolos dele. Ele sabe que é bom, mas acho que não sabe o quão bom realmente é“. Apesar deste sucesso no novo clube, o jogador ainda mantém contacto com alguns colegas de equipa: “O nosso guarda-redes, Ben Wilson, era o melhor amigo dele aqui no Coventry e sei que ele vai ver o último jogo da temporada a Alvalade”, conta o treinador-adjunto da equipa inglesa.

Pedro Varela acredita que o Sporting já teve muitos avançados de qualidade no passado, mas há algo diferente no sueco. “O Liedson, o Bas Dost, o Jardel, todos tiveram um impacto muito grande, mas acho que, provavelmente, nunca houve um que tenha tido um tão rápido e tão forte como o Gyökeres. Vês perfeitamente nos miúdos, que é sempre um barómetro interessante nestas coisas. Eles identificam-se muito com ele. Tem também a vantagem de vivermos numa altura em que as redes sociais têm uma presença que antigamente não existia”, explica.

Desejo de saída

Apesar do jogador ter escolhido o Sporting, as negociações atrasaram um pouco. Porém, mal acabou a final do play-off, Gyökeres deixou logo bem assente o seu desejo de abandonar o Coventry: “O Vik foi bastante aberto, provavelmente demasiado aberto sobre a sua vontade de sair. Não disse para onde, mas deixou bem claro que aquele tinha sido o seu último jogo pelo Coventry. Falou com o nosso dono e expressou a gratidão pelo clube, mas disse que estava na altura de explorar um desafio diferente, num nível mais elevado” afirma Viveash. Ainda assim, no início, o preço estipulado pela direção da equipa inglesa estava um pouco distante do oferecido pelo Sporting. “Sei que foi uma quantia enorme para o Sporting pagar e também foi uma quantia enorme para nós recebermos. Quando vais perder um jogador que não podes substituir, tens de te fazer de difícil“, recorda o treinador que também já passou pelas camadas jovens do Chelsea.

O sueco é dos jogadores mais cobiçados da Europa. Foto: Sporting CP

No final, o jogador acabou mesmo por sair, mas “não há qualquer ressentimento” por parte dos membros do Coventry, admite. “Eu gostei de trabalhar com o Vik. Ele é um jogador desafiante de treinar. Sinto-me muito orgulhoso de ter tido, juntamente com o resto da equipa técnica, uma pequena influência no seu desenvolvimento. Ele foi bom para nós e nós fomos bons para ele. Toda a gente, incluindo os adeptos, está orgulhosa do sucesso que está a ter. Teve um impacto incrível aqui e ainda se vê imensas camisolas com o nome Gyökeres no estádio” confirma o técnico.

No dia em que o Sporting anunciou a contratação do sueco, o Coventry “ironicamente” estava a fazer a pré-temporada em Portugal. Ao JPN, o treinador-adjunto conta que os adeptos do Sporting não esconderam o seu contentamento com a contratação. “Estávamos lá em pré-época, o que acabou por ser algo irónico. Fomos a um campo de golfe e o homem que trabalhava lá era um fã do Sporting e começou a gritar ‘Gyökeres, Gyökeres’ e a rir-se para nós. Respondemos que ainda não estávamos prontos para falar sobre o assunto e ainda estávamos devastados. Mas ele, naturalmente, estava nas nuvens“, disse.

A época do avançado leonino tem impressionado toda a gente e fala-se de uma possível saída para os grandes tubarões europeus, já na próxima temporada. Pedro Varela deseja que o jogador não saia e acredita que uma possível ida à Liga dos Campeões pode ajudar a persuadi-lo a ficar mais um ano. “O verdadeiro palco para ele mostrar o seu potencial e valor será a Liga dos Campeões. E essa possível qualificação pode ser a chave para o conseguir segurar. Mas também depende da vontade do jogador e da maneira como o Sporting vai abordar a questão. Obviamente que o blindou com a cláusula e quem o quiser vai ter de pagar bem“, concluiu.

Editado por Inês Pinto Pereira