O projeto apareceu e eu entrei logo nele. ‘Bora’.” Lúcia Macedo tem 26 anos e é guia turística. Nunca tinha feito voluntariado e aproveitou as férias para experimentar. Foi em outubro para Muğla-Bodrum, na Turquia, onde esteve por 10 dias integrada na Blind Mind, iniciativa de apoio a crianças e jovens cegos.

O voluntariado já estava nos planos da jovem poveira há muito tempo, mas nunca tinha surgido a oportunidade de o fazer. “Queria dedicar o meu tempo a alguém, em vez de o dedicar a mim”, diz ao JPN. Contou a uma colega de trabalho a sua vontade e esta adicionou-a ao grupo de Facebook Youth Oportunities, que divulga atividades de voluntariado e intercâmbio.

Lúcia admite que sabia que o projeto que escolheu “não ia ser fácil”, mas que valeu a pena. “Comecei em grande. Foi uma das melhores experiências da minha vida”, afirma.

Aprender a lidar com a cegueira

Os dias de Lúcia na Turquia começavam às 10h00 e terminavam no final da tarde. Pelo meio, eram realizadas atividades que juntavam pessoas de diferentes nacionalidades e estilos de vida. O contacto intercultural “foi o que fez tudo valer a pena”, analisa.

Mas foi o trabalho com jovens cegos, foco central do projeto, que a marcou mais. Lúcia não esconde as reservas que sentia: “Eu tinha muito receio de ofendê-los. Tive de aprender a lidar com eles, a ajudá-los. Foi muito enriquecedor”, diz.

Será que estamos preparados para receber pessoas cegas? Se calhar não.

Para ultrapassar estes medos, a Blind Mind encorajou os voluntários a porem-se na pele de alguém cego. “Aprendemos um pouco de braille. Depois, fomos procurar locais com acessibilidade para cegos”, conta. Mas os resultados da procura deixaram a sensação que “ainda há muito a fazer”.

Conviver com a deficiência visual fez suscitar muitas questões entre todos os voluntários. “Será que estamos preparados para receber pessoas cegas? Se calhar não”, afirma a jovem. Por isso, Lúcia e outros portugueses que também participaram no projeto regressaram com um objetivo: tornar os supermercados mais acessíveis aos invisuais. “Vamos enviar um email às entidades reguladoras a pedir para disponibilizarem, em loja, os preços em braille”, avança. Afirma ainda que “isto é apenas uma coisa pequena”, porque querem fazer muito mais. O voluntariado pode ter um efeito multiplicador.

Histórias que marcam

Lúcia com Ilka. Foto: D.R.

Quando alguém faz voluntariado, volta sempre com uma história para memória futura. Para Lúcia, essa história é a de Ilka: “Ele perdeu a visão aos 18 anos. Agora, tem 23 e nunca aprendeu braille”, conta a portuguesa sobre o jovem turco.

Cego, transexual, Ilka não mostrava deixar abater-se pelas dificuldades: “Uma vez, pedi ao Ilka para me dizer algo sobre ele. E ele disse-me que era a pessoa mais bonita da Turquia”, lembra Lúcia Macedo. Para a jovem, aquele momento foi uma lição de vida.

A experiência serviu também para criar vínculos com pessoas que nunca teria conhecido sem o voluntariado. Lúcia defende que “quem procura fazer voluntariado são pessoas que têm já um coração generoso”. É difícil não fazer amizades.

O futuro

O projeto Blind Mind foi o início, mas Lúcia já está pronta para outra experiência. A ideia é voltar a partir “sem pensar duas vezes”. A experiência foi um abrir de olhos: “temos de nos consciencializar acerca do que está a acontecer à nossa volta. Precisei de sair deste mundo fácil para dar valor ao que tenho”, confessa.

Deem o vosso tempo. Vale a pena.

Em Portugal, o voluntariado fica ainda longe da média europeia, mas quem experimenta, como Lúcia, acha que se pode tornar “um vício”, porque ter “um impacto no mundo” pode ser “viciante”. E aconselha outros jovens a fazer o mesmo. “Deem o vosso tempo. Vale a pena. Eu vim outra pessoa”, garante.

Da Turquia, Lúcia trouxe gratidão: “pelo que vivi e pelo que me deram”. Ao resumir a experiência, conclui: “comparado com o que levei, trouxe muito mais.

Artigo editado por Filipa Silva

Este artigo foi realizado no âmbito da disciplina TEJ II – Online