A intenção não é nova, mas Manuel Heitor tem-se esforçado por mantê-la em cima da mesa. Numa entrevista publicada esta quinta-feira pelo “Diário de Notícias”, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) voltou a afirmar que tem o objetivo de ver criados novos cursos de Medicina em Portugal.

“Se me pergunta por outro objetivo, que sei que é muito complexo, mas que estamos a trabalhar nisso, é certamente o alargamento e a modernização do ensino da Medicina. Espero chegarmos a 2023 com a possibilidade, ou as oportunidades, de virmos a ter três novas escolas de ensino da Medicina, nomeadamente em Aveiro, Vila Real e na Universidade de Évora”, afirmou o ministro, reiterando assim a ideia que já tinha deixado em julho ao “Expresso”.

A Universidade de Aveiro é quem tem o processo mais adiantado.

Mais vagas, cursos diversos entre si

Manuel Heitor considera ser “claro que são precisos mais médicos em Portugal” e também não tem dúvidas que além de aumentar o número de lugares é preciso uma “diversificação da oferta”. 

“Nós em Portugal, por opção das próprias instituições e também das ordens profissionais, formamos todos os médicos da mesma forma. Se for ao Reino Unido, o sistema está diversificado (…) A questão é que para formar um médico de família experiente não é preciso, se calhar, ter a mesma duração de formação, que um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais. É, por isso, insisto, que o alargamento da base de formação na saúde – quer médica, quer de técnicos de saúde, quer de enfermagem – deve ser feito em articulação com a diversificação da oferta”, acrescentou o governante.

Governo quer, escolas não

A aprovação de novos cursos de Medicina é da responsabilidade da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) – que é independente do Governo – mas o apoio governamental ao aumento da oferta da formação em Medicina é claro. Foi nesse sentido que, nos últimos dois anos, o MCTES autorizou, de forma inédita, as escolas médicas a aumentarem até 15% as suas vagas. Mas a resposta foi negativa nas duas ocasiões.

E os motivos da recusa invocados pelo Conselho das Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) – a par dos apresentados pela Ordem dos Médicos – voltaram a ouvir-se esta quinta-feira no rescaldo da entrevista do ministro. 

Na FMUP, estudantes de Medicina recolhem amostras para os testes à Covid-19.

Em Portugal, há cerca de 12 mil estudantes de Medicina segunda a ANEM. Foto: Diogo Metelo

À Antena 1, Henrique Cyrne Carvalho, director do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar (ICBAS) e atual presidente do CEMP, reiterou a discordância das escolas: “Não concordamos que seja necessário abrir [novos cursos] sobretudo num número tão grande”, afirmou.

À rádio pública, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, também insistiu que não são precisos mais médicos no país: “Somos um dos países da Europa que mais estudantes de Medicina tem per capita. Ao nível de médicos por mil habitantes devemos estar em terceiro lugar nos países da OCDE, e é preciso ter gente para formar os médicos, é preciso ter massa crítica, formação adequada e hospitais que tenham capacidade para fazer este ensino. E depois é preciso que estes médicos todos que se vão formando tenham acesso a uma especialidade o que, à medida que isto vai aumentando, é praticamente impossível”, concluiu.

Algarve e Açores aumentam oferta

De acordo com o mapa de vagas divulgado em julho pela MCTES, no ano letivo 2021/2022, as sete escolas médicas portuguesas vão abrir as mesmas 1.441 vagas que têm disponibilizado nos últimos anos através do Concurso Nacional de Acesso (CNA). A Universidade de Lisboa é a que tem mais lugares, como se pode ver no gráfico.


A estas, acresce as abertas nos cursos básicos de Medicina lecionados nas regiões autónomas, onde é ministrada uma formação inicial que é completada, a partir do quarto ano, no continente. A Madeira vai manter os seus 38 lugares, ao passo que a Universidade dos Açores acrescenta seis vagas às 44 que tinha aberto o ano passado (segundo ano consecutivo de aumento).

Maior reforço fez a Universidade do Algarve, cujo Mestrado Integrado em Medicina vai ter este ano, pela primeira vez, 64 lugares (tinha 32 quando arrancou e o objetivo é chegar às cem nos próximos anos, segundo Heitor). O MIM da UAlg é, contudo, diferente dos cursos lecionados nas outras escolas médicas: é para pessoas já licenciadas e o acesso faz-se por concurso local, sendo a seleção da responsabilidade da universidade – não está abrangido, por isso, pelo CNA.

Recorde-se também que este mês deve arrancar o primeiro curso de Medicina privado em Portugal, ministrado pela Universidade Católica, em parceria com a Universidade de Maastricht e o Grupo Luz Saúde. Mais de uma dezena de propostas de entidades particulares de ensino foram apresentadas na última década à A3ES, mas a da instituição liderada por Isabel Capeloa Gil foi a primeira e para já única a “passar” no crivo.