Antes da Revolução dos Cravos as pessoas sabiam que as notícias que liam tinham que passar pela censura?

De um modo geral, sabiam. Eventualmente podia haver quem não soubesse, mas todos nós sabíamos. Não só sabíamos, como sabíamos que para saber o que se passava em Portugal era preciso ir ao estrangeiro. Antes do 25 de Abril, fui ao estrangeiro duas ou três vezes e uma das coisas que trazia era informação dos jornais estrangeiros que, nessa altura, diziam mais do que se passava em Portugal do que os jornais portugueses.
Havia circuitos clandestinos para receber a informação que passava as malhas da censura sobretudo da imprensa estrangeira. Procurávamos estar um pouco mais atentos ouvindo notícias, era possível ouvir a BBC, por exemplo… Mas ao nível da imprensa propriamente dita assinávamos revistas estrangeiras. Os próprios jornais estrangeiros, por vezes, não entravam em Portugal quando traziam coisas consideradas subversivas. Mas havia sempre maneiras alternativas de contornar, sobretudo porque havia gente lá fora.

Quais os principais benefícios que o jornalismo português retirou da Revolução?

Eu julgo que para falar dos benefícios do jornalismo é preciso integrá-los nos benefícios conjuntos da sociedade. O jornalismo beneficiou como beneficiaram todas as áreas da sociedade de uma situação de liberdade, de incentivo à participação e da constatação de que as coisas dependiam de nós. Não só a liberdade de expressão, mas também a liberdade de associação, de empresa, de poder constituir um jornal, de criar um grupo. Portanto, o jornalismo acabou por beneficiar, nessa parte específica, daquilo que o conjunto todo da sociedade beneficiou.
Beneficiou também de um aspecto muito importante, de uma maior abertura, ou seja, a ditadura, para além da censura, fechava-nos muito ao exterior. É o tal “orgulhosamente sós” de que o Salazar tanto se ufanava e o jornalismo é qualquer coisa que precisa de “ter as portas e as janelas abertas”.

Daniel Brandão