Não é uma deficiência nem uma doença. Normalmente surge na infância e, para o senso comum, a gaguez é apenas “uma perturbação na afluência da fala, com pausas, repetições, hesitações e bloqueios”, explica o terapeuta da fala Brito Largo. Há, no entanto, outras implicações. “Há a componente psicológica e emocional das pessoas que gaguejam“, que é “o sofrimento resultante da ideia que têm de si próprios por não conseguirem ser aquilo que gostariam de ser”, considera.

A gaguez configura-se, ainda, como “um problema de comunicação”. “Quando uma pessoa gagueja e está em interacção com outra pessoa numa conversa, o ouvinte tem tanta dificuldade como o indivíduo que gagueja”, refere o terapeuta. Esta é, segundo Brito Largo, a definição mais contemporânea da gaguez, já que “uma parte da responsabilidade do processo depende da atitude do interlocutor”. O terapeuta diz, ainda, que a gaguez pode ser hereditária. Esta situação pode ter acontecido com Luísa Afonso, de 24 anos. “O meu pai também é gago e não sei se há alguma relação com a minha gaguez”, conta a jovem farmacêutica.

“Numa lógica de senso comum, aponta-se sempre como causa da gaguez um acontecimento qualquer catastrófico, como um susto, uma queda”, que provoca o aparecimento das primeiras hesitações. No entanto, estas hesitações não significam, obrigatoriamente, que o problema é gaguez, porque podem dever-se apenas a “questões normais do desenvolvimento linguístico das crianças” e que se chama “disfluência infantil”, sublinha Brito Largo.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a gaguez não é uma doença, porque “não pressupõe uma cura”. Brito Largo explica que “a gaguez acaba por se constituir como uma dificuldade que afecta a vida das pessoas de várias formas e a solução não passa propriamente por uma linearidade doença-cura”. Estas dificuldades podem ser “atenuadas e redimensionadas” através de “intervenção terapêutica”.

A terapia da fala

A terapia da fala é um caminho para a aceitação do problema. Segundo Brito Largo, existem várias linhas de orientação de pensamento para a terapia. “A linha mais clássica centra-se apenas nas dificuldades de fala: o controlo de voz, o mecanismo respiratório, a produção de som, a articulação”, define o especialista.

Há outras linhas de actuação que “tentam perceber como o indivíduo se sente e como a gaguez lhe afecta a vida” e que passam por questões de “reestruturação cognitiva”, ou seja, “reflectir sobre como vivem o problema e sobre uma alternativa às dificuldades”, refere Brito Largo. “Esta é uma terapia não só centrada na fala, mas também na pessoa por inteiro”, acrescenta.

Para o especialista da fala, “não há uma gaguez, há gaguezes”, sendo possível haver uma “tendência actual de que cada gago aponte para uma gaguez particular”, pondo a tónica na “necessidade de personalização”, visto que “cada um vive a sua gaguez de forma muito específica e há um impacto específico na sua vida”, explica.

Mário Dias e Luísa Afonso gaguejam desde criança e já frequentaram sessões de terapia da fala. Para o locutor de rádio, a “terapia da fala não resolveu grande coisa”, embora lhe tenha dado “algumas ferramentas”. Mas para Luísa, a terapia foi importante, porque ajudou-a a “desconstruir o problema, facilitando a aceitação da gaguez”.

A importância do outro

Um aspecto importante a ter em conta é o “desconhecimento generalizado da população em relação à gaguez”. “Parte do processo de comunicação é de responsabilidade social”, avisa Brito Largo. O terapeuta considera que “se numa determinada sociedade as pessoas souberem melhor como lidar com a gaguez, os gagos gaguejarão menos”. Por isso, “é importante incluir os interlocutores na intervenção” para que, “ao conhecer melhor o fenómeno”, “saibam como se posicionar, valorizar e facilitar a vida da pessoa que gagueja”, defende.

Se tal não acontecer, há possibilidade de “alguns gagos serem estigmatizados, nomeadamente as crianças serem vítimas de bullying com mais facilidade”, alerta o especialista. Falar sobre a gaguez é, para Brito Largo, “a melhor maneira de evitar qualquer estigma”. “A maior parte dos problemas de fala resolvem-se falando”, remata.