A Associação Portuguesa de Bioética (APB) foi responsável pela última proposta de referendo sobre eutanásia em Portugal, em 2008. “O que nos pareceu razoável não foi propor a legalização ou não, mas sim propor um grande debate nacional”, explica Rui Nunes, docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e presidente da APB.

Por considerar um “tema fraturante da nossa sociedade”, o docente considera que “o primeiro passo é debater para que o cidadão comum perceba exatamente do que se está a falar”. “Volvido esse período de intenso debate social, o único caminho legitimo é o caminho do referendo”, afirma.

Testamento vital ligado ao ventilador

O testamento vital entrou em vigor a agosto de 2012 e permite “manifestar antecipadamente a vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja ou não receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente”, lê-se no Portal da Saúde.

Uma lei ainda num estado “embrionário”, como explica Rui Nunes, igualmente responsável pela proposta da legalização em 2006: “É inconcebível que, tendo a Assembleia da República legalizado o testamento vital há quase dois anos, que o Governo, que tem a incumbência de criar um simples registo electrónico nacional, não tenha tido ainda a habilidade de o fazer”.

Passados cinco anos da apresentação da proposta, Rui Nunes conclui que a não resposta está relacionada com a falta de condições em Portugal para se debater a fundo o problema. “Entretanto chegou a crise e não é saudável esta discussão porque rapidamente uma discussão que se quer séria e profunda, vai resvalar para outros níveis como, por exemplo, dizer-se que eles agora estão a propor a eutanásia porque não têm dinheiro para tratar as pessoas”.

Cuidados Paliativos não eliminam os pedidos de eutanásia

Na Medicina portuguesa existem, de momento, 18 unidades de Cuidados Paliativos. Apesar de contribuírem para melhorar a qualidade de vida dos doentes, “é nestas unidades que os doentes se sentem mais à vontade para formular tais desejos”, revela o último estudo da Deco sobre o caso.

Segundo José António Ferraz, diretor do serviço de Cuidados Paliativos do IPO-Porto, o primeiro a surgir em Portugal em 1994, “de vez em quando há alguns pedidos mas não são consistentes”. “Quando chegam com problemas mal controlados e dores intensas, uma pessoa, obviamente, não deve ter muita vontade de viver”, afirma. “Controlado esse desejo, motivado por esse sofrimento intenso, passa”, explica em entrevista ao JPN, admitindo, no entanto, que possa existir um ou outro caso onde o paciente “continue a achar que a melhor solução seria a eutanásia”.

Para o médico e diretor, a eutanásia não é uma resposta adequada, uma vez que passa pela “eliminação do doente”, ao contrário daquilo que o serviço procura: que “as pessoas vivam o melhor possível esta fase complicada de modo a que possam concluir a sua vida do melhor modo possível”.

O serviço de Cuidados Paliativos surgiu da necessidade de “dar resposta aos doentes em fase avançada, que já não faziam tratamento dirigido à doença, mas que ainda assim necessitavam de tratamento dirigido às complicações da doença, às dores, falta de ar, vómitos” e até problemas psicológicos que os doentes mantenham “de índole social e de ordem existencial, porque estão numa fase complicada da vida em que encaram a morte”, explica.

Eutanásia infantil aprovada na Bélgica é “passo demasiado arrojado”

A Bélgica foi o primeiro país a legalizar a eutanásia infantil a 13 de fevereiro. Uma medida apresentada como consensual mas que está a gerar polémica um pouco por todo o mundo. Um baixo assinado com cerca de 220 mil assinaturas pretende chegar ao rei Filipe da Bélgica de modo a que a lei seja revogada.

Rui Nunes, presidente da Associação Portuguesa de Bioética, diz ter “sérias reservas” perante este “passo demasiado arrojado”, que abre “uma caixa de Pandora porque está a abrir a porta a uma eutanásia não voluntária”. O docente é contra “uma lei generalista em que se ouve os pais e dois médicos e vamos para a frente” já que considera que, “se é muito fácil condicionar um jovem com dezoito anos, com treze ou catorze, e sobretudo quando está a sofrer, é ainda mais”. “Acho que é muito perigoso e pode por em causa todo o projeto numa perspectiva ética e mesmo jurídica. Tem que haver prudência e bom senso”, conclui.