O Verão pode ainda não ter chegado mas já tem um lugar reservado junto ao farol de Leça da Palmeira. Depois de ter estado ao abandono durante mais de um ano, as portas da Casa de Chá vão voltar a abrir ao público no início de junho. A recuperação do espaço que tem mais de meio século, marcou o início da carreira de Siza Vieira e vai custar cerca de dois milhões de euros, um investimento que deve estar pronto a tempo da época balnear.

Nas letras de DOC, restaurante no Douro do Chef Rui Paula, lê-se Degustar, Ousar e Comunicar, lema que parece permanecer na nova aventura do cozinheiro. Rui Paula mergulha agora no reaproveitamento da Casa de Chá da Boa Nova, que durante anos se consagrou como um local de renome em Leça da Palmeira. O contrato de concessão anterior terminou no final de 2012 e na passada segunda-feira, 17 de março, voltou a ser assinado, lançando um novo desafio: conseguir uma estrela Michelin.

A convite da Câmara de Matosinhos, Rui Paula aceitou reabrir o local e confessa que “foi fácil aderir” ao convite. É um lugar “de facto, mágico”, diz. As obras de reabilitação do imóvel continuam e o chef garante que todo o interior vai ser remodelado, desde louças a equipamentos. No entanto, o aroma a ervas e as infusões mantêm-se mas de uma forma mais experimental. “Não vai ser só uma casa de chás, vai ser um restaurante de excelência” sublinha o chef.

Com uma capacidade para apenas 40 pessoas, de uma coisa tem a certeza: “É fácil as pessoas ficarem encantadas, no meio daquelas rochas, onde mar beija os pés ao restaurante”. Por isso, o chef quer “honrar a arquitetura com uma comida de excelência”. Numa das obras de “um dos melhores arquitetos do mundo”, terá “mesmo de cumprir os objetivos”.

Uma estrela “Michelin” e um prémio “Pritzker”

Enquanto Rui Paula está preocupado em preservar a obra do arquiteto, que já faz parte do património nacional, Siza Vieira quer também manter a reputação do chef que já foi desafiado a trazer para Matosinhos uma estrela Michelin: “Felizmente não vou ser eu a cozinhar” disse ao JPN, em jeito de brincadeira, depois de falar da “boa nova” que chegou este ano à Casa de Chá.

O “Pritzker” português, recuou no tempo e contou como é difícil ver morrer um edifício depois de lhe ter dado vida. Para Siza Vieira “é doloroso e implica custos desnecessários”, uma vez que apesar de a obra ter mais de 50 anos, “ficou sem ninguém para a vigiar”, perdendo a qualidade nas infraestruturas que a caracterizava.

Construída em 1952, restaurada em 1991 e renovada este ano com o apoio da Câmara de Matosinhos, a Casa de Chá já estava a precisar de uma reforma profunda depois de ter sido assaltada.

Reabilitação de “Lés a Lés”

A novidade está também na zona que envolve a Casa de Chá, desta vez incluída no projeto de reabilitação. O arquiteto Siza Vieira felicita esta iniciativa, depois de ter apresentado nos anos 70, a pedido da Câmara, um projeto de recuperação que abarcava toda a área sob as praias. De acordo com o arquiteto, “esse plano nunca foi executado” e construiu-se pelo contrário um parque de estacionamento à margem da marginal. Siza acredita que esta não foi a melhor decisão porque “desperdiçou-se ali um um quilómetro e meio de costa”, que “estava em condições excecionais”, e espera agora que esse espaço ganhe um novo rumo.

“Naquele lugar não se brinca”

Durante mais de um ano, a Casa de Chá esteve entregue ao vandalismo e suscitou várias críticas à Câmara de Matosinhos pelos avanços e recuos no projeto de reabilitação. No entanto, o arquiteto que desenhou um dos edifícios mais próximos da praia, acredita que o edifício ainda mantém o seu valor, “muito devido à singularidade do local onde foi construído”. A “vista dominada pelo mar”, para além de inspirar bons desenhos, esteve também na origem de poemas. A prova disso, afirma Siza, é António Nobre. “Ia muito para aquele sítio pensar, magicar os seus poemas… Até há lá uma lápide com um extracto de um poema dele em que fala da Boa Nova”, recorda.

Para Siza, “naquele lugar não se brinca” – e agora até se trabalha muito para lhe dar uma nova vida. O arquiteto tem acompanhado a obra e as alterações introduzidas no interior pelo chef Rui Paula mas garante que não alteram o conceito que esteve na origem do espaço: “Devem-se ou a regulamentos novos que não havia na altura mas naquele caso só diz respeito às cozinhas e à segurança e não no essencial”, sublinha. A nova vida do edifício já está à beira mar plantada, à espera de casar a arquitetura de excelência com a cozinha topo de gama. Resta saber se este casamento é para durar.