Diana Seabra tem 25 anos. Soube em outubro que tinha sido selecionada para fazer um estágio no âmbito do Programa de Estágios Profissionais da Administração Central (PEPAC) na área da Justiça. Como ela, outros 222 candidatos. As certezas, no processo, ficaram por aqui.

“A primeira data apontada [para começar o estágio] foi 1 de outubro. Depois passou para 23 de novembro, depois para 1 de dezembro, depois 9 de dezembro e, por fim, para dia 14 de dezembro”, conta ao JPN.

Um mês passado sobre a última data apontada, Diana continua sem saber quando vai iniciar o seu estágio, mas tendo por base um esclarecimento prestado pelo Ministério da Justiça ao jornal Público, que avançou esta quinta-feira com a notícia, Diana será um dos 168 candidatos que terão de esperar pela aprovação do Orçamento do Estado para iniciarem funções.

Entretanto, a jovem de Estarreja mudou-se para Santa Maria da Feira. Foi colocada pelo PEPAC em Aveiro e depois de reunir com o administrador judiciário “ficou praticamente garantido” que era ali que iria exercer funções.

“Eu sou de Estarreja. Tinha casa em Coimbra, porque também tinha algumas propostas de trabalho alinhadas em Coimbra. Tinham-me falado até em ficar no Instituto de Medicina Legal como jurista. Tive de recusar outras propostas de trabalho também em Aveiro, portanto, mais próxima de casa. Tudo por causa do PEPAC”, desabafa.

Agora, Diana aponta “para abril” para o arranque do estágio. “Até lá, tenho rendas de casa para pagar, como muita gente. Não sei como vou fazer”, afirma.

Entrar na Ordem dos Advogados (OA), enquanto espera pelo início do estágio, também não é opção. A inscrição na Ordem e no PEPAC é incompatível. Se Diana se tivesse inscrito na Ordem – o prazo, entretanto, terminou – quando suspendesse a inscrição para fazer o seu estágio perderia os 700 euros de inscrição na OA.

Como Diana, há muitos candidatos que mudaram de cidade na expectativa de iniciar o novo estágio. Alguns juntaram-se e redigiram uma carta que dirigiram à ministra da Justiça e ao Primeiro-Ministro. Descrevem uma situação que “roça os limites do absurdo” e falam de prejuízos avultados. Uma ação judicial conjunta é uma possibilidade avançada, caso não haja “resposta atempada e esclarecedora” das entidades competentes.

“Vai depender de quão rapidamente vão resolver a situação. Uma ação judicial tem os seus custos e isso tem de ser tudo ponderado, mas eu acredito que vá haver, porque há muita gente com graves prejuízos causados pelo PEPAC”, analisa Diana.

A justificação do Ministério

Num esclarecimento enviado ao jornal Público, o Ministério da Justiça responsabiliza a DGAJ. O gabinete agora liderado por Francisca Van Dunem esclarece que “a apresentação de 223 estagiários nos seus locais de estágio não pôde concretizar-se na data inicialmente programada, dado que a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) não acautelou, durante 2015 e atempadamente, a celebração de contratos de seguro que cobrissem o risco de acidentes de trabalho, nem diligenciou no sentido de obter o necessário cabimento orçamental, que permitiria uma resolução mais célere do problema, logo no início de 2016”.

A tutela “assume como prioridade a salvaguarda das legítimas expectativas dos candidatos selecionados” e por isso “no próximo dia 1 de fevereiro iniciarão funções 55 estagiários, sendo que os restantes 168 entrarão após aprovação do Orçamento do Estado para 2016”.

Diana não se satisfaz com a justificação. “Há uma grande falha por parte da DGAJ, que devia ter assegurado que mal houvesse colocação esta despesa era aprovada, porque o resto da bolsa provém de fundos comunitários. Portanto, a única despesa que a DGAJ tinha que efetuar, era relativa aos seguros de trabalho. Isso parece-me má organização e desleixo”, conclui.

A jovem adianta ainda que conhece algumas pessoas de entre os 55 melhor colocados no concurso que já desistiram do seu lugar. “Eu conheço pelo menos quatro pessoas que desistiram do PEPAC e que estavam entre esses 55, portanto, quando chegarmos ao fim, eu não sei quantas pessoas é que vão ficar para o PEPAC”.

José Soeiro, do Bloco de Esquerda, recebeu muitas destas reclamações e dirigiu um conjunto de questões ao ministério do Trabalho sobre a matéria. O deputado considera que “era possível” ao Governo “encontrar uma solução alternativa” para pôr cobro à situação, mas aguarda as respostas do Executivo.

Do que não há dúvidas é de que há falta de recursos humanos na Justiça. Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), diz ao JPN que considera a situação “lamentável” e que espera uma resolução rápida porque estes jovens “estão a fazer falta”. “Há uma falha de alguém e não é dos estagiários”, resume.

Diana concorda: “Eu compreendo. A justiça está muito complicada, muito confusa e com muito trabalho, mas nós queremos ajudar. Nós somos parte da solução, não somos parte do problema”, declarou.

Em jeito de desabafo, Diana assume-se “triste” pela precariedade em que se veem envolvidos milhares de jovens em Portugal. “Tenho 25 anos e continuo a depender dos meus pais, apesar de ter feito tudo para não ter de perpetuar esta situação. Tenho pena. Tenho apostado imenso na minha formação. Aliás, nós somos provavelmente a geração mais qualificada para o trabalho, até somos supra qualificados para o trabalho que vamos efetuar, mesmo vamo-nos conformando e vamos tentando aquilo que podemos”.

O futuro próximo da jovem deve passar por arranjar um trabalho em part-time e terminar a tese.