Francisco Sousa Vieira defende a necessidade de revisão dos “numerus clausus” em Medicina e recorda que o alerta foi deixado há muito pelos estudantes da área. O presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina do Porto (AEFMUP) posiciona-se na linha da conclusão a que chegou João Correia da Cunha no seu estudo “O que fazer de tantos médicos?”, apresentado recentemente na Ordem do setor.
O médico, atualmente reformado, descreve “desequilíbrios no acesso à profissão”. Depois de uma política restritiva, que nos anos 80 conduziu a uma carência de médicos com idades intermédias em Portugal, “a liberalização do acesso nos anos mais recentes levou a um aumento exponencial de novos médicos, desde 1992”, referiu durante a apresentação do estudo em declarações registadas pela agência Lusa.
Este ano, e pela primeira vez, 114 médicos ficaram sem acesso a uma especialidade, mas Francisco Sousa Vieira reforça que “não foi necessário 114 médicos ficarem sem acesso à pós-graduação para confirmar o diagnóstico – o elevado ‘numerus clausus’ era há muito aceite como uma das principais causas da desarticulação institucional na educação médica em Portugal”, declara em entrevista ao JPN.
A situação “é preocupante”, na opinião do estudante. “Este acontecimento, pontual para uns, simbólico para outros, devastador para 114, deve servir de referência como um indicador cabal de que há muito a otimizar, sobretudo na articulação entre a formação pré e pós-graduada, sob o risco de tornar os médicos indiferenciados numa epidemia”, observa.
O clima de incerteza
A deterioração das condições de formação e a emigração de jovens médicos são fenómenos que, na opinião do estudante, decorrem do atual estado de coisas. “O excesso de novos médicos sobrelota a capacidade de uma formação pós-graduada de qualidade, e isso fará a ponte para outra inexorável realidade, a da fuga de cérebros”, analisa.
O estudo de Correia da Cunha aponta para uma necessidade premente de “planeamento” no setor. Daí decorreria um nível de segurança que os profissionais da Saúde garantem estar cada vez mais em falta. Insegurança que se nota já ao nível da formação.
“O estudante de Medicina de hoje tem noção de que o futuro não está à sua espera, de que tem de ir atrás dele – e isso não o deixa desconfortável. Curar doenças e salvar vidas, sim, mas também pressão e medo de errar, sempre existiram no horizonte daquele que se candidata ao curso”, garante o presidente da AEFMUP.
O estudante acrescenta: “Atualmente, a incerteza é a nova preocupação do estudante de Medicina – e essa sim, deixa-o desconfortável. A incerteza quanto à Prova Nacional de Seriação, ao Ano Comum, ao Internato Médico – definir uma estratégia de carreira é cada vez mais dificil perante as incertezas impostas por uma incapacidade de gerar consensos por parte das entidades responsáveis”.
O dirigente associativo sublinha que está a tornar-se “abismal” a diferença “entre as expectativas à entrada do curso e a realidade esperada no seu final”, o que conduzirá muitos a procurarem “um cenário profissional mais próspero”. “E, ao contrário de antigamente, o regresso a Portugal não entra na equação”, conclui.