As universidades portuguesas “parecem não dar uma resposta adequada” às necessidades dos estudantes migrantes. É uma das conclusões da tese de doutoramento de Cosmin Nada, investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Por sua parte, a vice-reitora da Universidade do Porto para as relações externas e cultura, Maria de Fátima Marinho, considera que o facto “é um problema, mas não é dramático”.

Do quadro geral de problemas, Cosmin Nada realça, em entrevista ao JPN, “um défice nas atividades de orientação e apoio dirigidas a estudantes estrangeiros”, traduzido na escassez ou inexistência de apoios formais aos quais os alunos possam recorrer.

“Para a dimensão do país e para a dimensão do Ensino Superior, [o número de estudantes estrangeiros] é um fenómeno significativo e é preciso tomar consciência dele e corrigir este desequilibro”, afirma o investigador.

Estudantes migrantes são “invisíveis” nas universidades

Cosmin Nada sabe que “existem vários organismos físicos nas universidades para receber os estudantes em mobilidade”. No entanto, considera que “os estudantes migrantes são ainda tão invisíveis nas instituições que estão à responsabilidade dos serviços de gestão académica que atendem a generalidade dos estudantes, e que muitas vezes não estão preparados para responder às suas necessidades”.

O investigador de origem romena alerta para a distinção entre estes dois tipos de estudantes. “O estudante migrante vai tirar aqui um ciclo completo e não tem um vínculo institucional com o país de origem como o estudante em mobilidade tem”, esclarece Cosmin Nada.

Mesmo no grupo dos estudantes migrantes, existem diferenças: “o estudante internacional veio para Portugal com o objetivo específico de tirar um curso no ensino superior”; já o “estudante estrangeiro” é imigrante e “a determinado momento decide ingressar no ensino superior”.

A título de exemplo, Cosmin apresenta o caso de “migrantes económicos que cá têm empregos muito abaixo das suas qualificações nos países de origem” por não conseguirem a equivalência de diplomas e licenciaturas.

Fora da investigação, ficaram os estudantes de intercâmbio, como os Erasmus.

Entre 2001 e 2011, o número de estudantes internacionais no Ensino Superior em Portugal quase duplicou. Nos últimos anos, os estudantes estrangeiros nas universidades portuguesas rondam os 20 mil, o que representa cerca de 6% do total de inscritos. Infografia: André Garcia

Para o investigador, as universidades devem adaptar os serviços aos diferentes tipos de estudantes uma vez que estes também têm necessidades distintas. “É muito importante porque o tipo de apoio que precisamos de dar a estas pessoas é diferente do apoio que damos a uma pessoa que veio com o objetivo de estudar”, acredita Cosmin Nada.

A vice-reitora da Universidade do Porto (UP) para as relações externas e cultura vê a existência dos estudantes migrantes como um “fenómeno novo”. Maria de Fátima Marinho confessa que é difícil ter a noção exata do número de alunos estrangeiros porque concorrem da mesma forma que os alunos nacionais.

A ex-diretora da Faculdade de Letras afirma que a conclusão que a tese de Cosmin Nada apresenta “é um problema, mas não é dramático”.

As dificuldades com a Língua Portuguesa

Uma das principais dificuldades com que os estudantes estrangeiros se deparam relaciona-se com a aprendizagem da Língua Portuguesa e a compreensão dos conteúdos lecionados.

Maria de Fátima Marinho reconhece que o idioma é um obstáculo à aprendizagem, mas considera que “às vezes, os estudantes internacionais exageram”. A vice-reitora diz ocorrerem “mal entendidos” e que há estudantes estrangeiros que chegam às universidades sem saber falar português nem inglês.

No ano de 2016/2017, a Universidade do Porto acolheu 1.903 estudantes estrangeiros fora do regime de mobilidade. Linda Melo

“No passado, Portugal costumava receber muitos estudantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e havia essa inferência de que, como são das ex-colónias, falam português e não têm tanta dificuldade”, explica Cosmin Nada.

“Segundo os dados da Direção Geral de Estatística para a Educação e Ciência, uma grande fatia dos estudantes estrangeiros ainda vem dos países falantes de português, mas nos últimos 20 anos têm começado a chegar cá cada vez mais estudantes doutros países”, acrescenta o investigador.

Maria de Fátima Marinho afirma que “criar um equilíbrio não é fácil”, visto que muitos dos estudantes brasileiros ou dos PALOP não falam inglês.

Cosmin Nada revela ainda que em alguns casos as universidades não cumpriram com garantias de aulas ministradas em inglês. Nos “encontros biográficos” com o autor, alguns estudantes referiram que daí resultaram “problemas na relação com os professores”, como uma estudante do Laos que diz ter perdido oportunidades de aprendizagem devido à “exclusão total dentro da sala de aula”.

A vice-reitora da UP refere, contudo, que na Universidade do Porto os estudantes “podem fazer perfeitamente toda a investigação em inglês, francês ou espanhol”. Para Maria de Fátima Marinho, “onde surgem mais problemas é a nível da licenciatura”, ainda que, no caso das Engenharias, algumas cadeiras já sejam lecionadas em inglês.

Neste sentido, Cosmin Nada identificou algum “laxismo” por parte das instituições em aceitar estudantes estrangeiros sem verificarem as competências linguísticas ou apresentarem ferramentas que auxiliem os alunos.

Estudantes não ficam “completamente desamparados”

Apesar das dificuldades, a tese conclui que, de uma forma geral, “a experiência dos estudantes migrantes é maioritariamente positiva”. O investigador justifica este resultado com a existência de uma “rede de apoio informal que colmata as falhas institucionais”.

A tese mostra que “na maioria dos casos, os estudantes não ficam completamente desamparados nem com o problema por resolver”. Geralmente os estudantes conseguem encontrar apoio junto de “amigos, vizinhos, indivíduos da mesma nacionalidade e muitas vezes de pessoas dentro das próprias universidades”, garante Cosmin Nada.

Cosmin Nada acredita que nas universidades portugueses falham no acolhimento a estudantes estrangeiros. Linda Melo

“Existem exemplos negativos, mas há professores que despem a roupa de professores e vão muito além das suas responsabilidades”, acrescenta o investigador.

Cosmin Nada sublinha que os “dados permitem criticar a estratégia institucional”, mas que os professores e colaboradores das universidades “não são culpabilizáveis”.

Universidades devem criar “uma estratégia global de integração”

Cosmin Nada defende que “quando uma instituição procura estudantes estrangeiros, tem que tomar algumas medidas” e faz algumas recomendações no sentido de criar “uma estratégia global de integração” deste tipo de estudantes.

Para o investigador, Portugal deveria aprender com o que se faz lá fora, nomeadamente no Reino Unido – “que faz da internacionalização do ensino universitário quase uma indústria”.

A estratégia, crê o investigador do CIIE, deve passar por “melhorar práticas pedagógicas e a formação dos professores, sem reduzir o estudante migrante a uma entidade vulnerável, um coitadinho”.

Cosmin sugere ainda que as universidades deveriam “ter mais cuidado no processo de seleção” dos estudantes internacionais.

“Seria melhor os candidatos terem de apresentar provas da competência linguística”, recomenda Cosmin Nada. “Ou então, como isso poderá reduzir muito o número de estudantes migrantes, as universidades têm de garantir condições de aprendizagem – que não precisam de passar por dar as aulas todas em inglês, mas preparar os professores, fazer resumos dos conteúdos lecionados em inglês, por exemplo”, acrescenta.

Por fim, o investigador vê também vantagens em ser disponibilizado um atendimento especificamente direcionado aos estudantes migrantes.

No ano letivo de 2016/2017 havia 22.194 estudantes estrangeiros nas universidades portuguesas. Se os juntássemos numa só universidade, essa seria a terceira maior instituição de Ensino Superior em Portugal. Infografia: André Garcia

Cosmin Nada admite ter esperança de que a tese que defendeu recentemente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto “contribua para alguma mudança”.

Maria de Fátima Marinho garantiu que resolver as falhas no apoio a estes estudantes “é uma prioridade da UP”, que no início do ano letivo preparou uma receção especialmente destinada aos estudantes internacionais.

A tese “There is no such thing as a ‘typical’ student” é o resultado de quatro anos de investigação, com base em “narrativas biográficas” retiradas de 80 horas de conversa com 12 estudantes migrantes que frequentaram as universidades do Porto, Lisboa, Coimbra e Minho.

A forma como as instituições de ensino superior acolhem os estudantes estrangeiros é apenas uma dimensão da tese, que teve como objetivo “compreender a experiência migratória de estudantes migrantes em Portugal”.

Artigo editado por Filipa Silva