Passa-se em terras francesas, mas tem raízes portuguesas. “La Grande Famille”, dos realizadores Nuno Beirão Vieira e João Pedro Marnoto, conta a história de um grupo de nómadas e as relações estabelecidas entre eles.

Recebidos numa sala cheia, esta sexta-feira, no cinema Passos Manuel, no Porto, os realizadores e ZinZin, uns dos protagonistas, estiveram presentes para apresentar o projeto, numa sessão para já única.

O documentário de 64′ acompanha Pia e ZinZin no dia a dia, num modo de vida desenvolvido à margem da sociedade. Reflete sobre a análise psicológica dos grupos que rejeitam os moldes criados pela sociedade consumista e que escolhem viver em nomadismo. A grande tónica centra-se na definição de família e no sentido de liberdade.

João Pedro Marnoto (fotógrafo e realizador) e Nuno Beirão Vieira (psicólogo de formação) passaram um ano e meio dentro do grupo a analisar, vivenciar e a partilhar interações e experiências.

Fechada a sessão cinematográfica, estava aberta a hora das perguntas. ZinZin foi o primeiro a ter a palavra. Começou por agradecer o filme e a toda a gente presente. O termo “vida” foi várias vezes repetido no discurso.

“Não é uma boa vida. Não é fácil de ver. Mas é a minha vida e eu amo a minha vida. Não sei bem o que dizer sobre isto [o documentário]. É a minha vida, é a vida que escolhi. E temos que ser felizes na vida. E se não estiveres feliz com a tua vida, muda-a. É essa a minha visão”, afirmou ZinZin.

Quando questionado sobre o retrato da sua visão pessoal no filme, o francês diz existir uma mistura de perceções diferentes. “Em grande parte sou eu. Algumas partes não sou eu. O filme não é só sobre mim. É sobre mim e a minha grande família. É a visão do Nuno e do João Pedro e eles não têm a mesma visão que eu”, comenta.

Foi da curiosidade de Nuno Beirão Vieira que nasceu a ideia para a rodagem. Estava em França para escrever um artigo sobre o nomadismo, quando se apercebeu do potencial das camadas psicológicas deste tipo de subculturas. “Deparei-me com uma situação e uma ligação que, como psicólogo, me interessava muito. Não era algo visível ao nível social, mas sim mais do inconsciente. Então, a partir daí escrevi um argumento e escolhi os personagens”, contou o autor.

Sobre a verdadeira mensagem que o filme transmite, João Pedro Marnoto define-a como sendo “voltar à base daquilo que somos. A nossa personalidade. A nossa pessoa. E a maneira como vivemos e vemos o mundo. É sobre a necessidade de termos uma relação com as pessoas. De buscarmos uma família, mesmo que não seja a nossa. É ir à procura das nossas origens.”

A liberdade – plena? excessiva? – foi para João Pedro a maior dificuldade: “A liberdade é muito boa. Mas também tem o lado mau, porque passado uns dias senti que não tínhamos mais nada para fazer, sem ser falar, ir pescar, etc… No fim, a parte negativa foi essa liberdade. Eu gosto de liberdade, claro, mas preciso de algo para me guiar, para me agarrar. Um caminho que quero seguir. Um objetivo. Por isso é que foi um desafio”, explica.

A ausência de Pia foi notada. Nuno Beirão Vieira confessa que Pia não esteve presente porque não tinha gostado do filme. Em forma de resposta a uma pergunta por um membro da audiência, o co-realizador explicou que “Pia assinou o contrato, como se pode ver no início do filme”, mas depois passaram seis meses sem contacto. “Encontramo-la uns meses depois numas montanhas no Sul da França. Mostramos-lhe o filme e ela não gostou. Pediu que alterássemos umas coisas, o que fizemos. Ela assinou o contrato. Mas agora diz outra vez que não gosta do filme”, rematou.

A última pergunta foi direcionada para o protagonista francês: Onde estás agora na tua vida? “Acho que a minha vida não pode mudar. Se eu quisesse, conseguia. Mas para quê? Mudar para quê? Para ficar infeliz? Eu adoro-me. Eu não quero mudar. Eu quero sentir-me vivo”, responde ZinZin.

A sessão desta sexta-feira foi a única de “La Grande Famille” no Porto, depois do filme ter passado em antestreia por Lisboa. É de esperar que seja exibido noutras datas e locais, mas não estão ainda fechados.

Artigo editado por Filipa Silva