Em Lustosa, uma aldeia do concelho de Lousada, junto à linha que separa os distritos de Porto e de Braga, encontramos a Dalmática, uma empresa de conservação e restauro que andou pelas bocas do mundo em finais de janeiro, depois dos trabalhos que levaram a cabo na Catedral do Panamá terem sido inaugurados pelo Papa Francisco, no decurso das Jornadas Mundiais da Juventude.

A paixão pela arte, pela história e pela investigação sempre acompanhou o fundador da Dalmática, Rui Barbosa, hoje com 39 anos. De tal modo que, antes mesmo de terminar a licenciatura em Teologia, foi contratado pela sua universidade, a Universidade Católica Portuguesa, para trabalhar na Escola das Artes, que tinha um departamento de Conservação e Restauro. Foi desta forma que se aproximou da área do património. Em 2007, decidiu fundar a Dalmática.

A empresa reúne hoje uma equipa multidisciplinar que inclui técnicos superiores de conservação e restauro, especialistas de carpintaria e talha, profissionais de comunicação, captação e edição de imagem, design, da investigação historiográfica e arqueológica e ainda ligados à arquitetura e às artes.

Aumento de concorrência

Marlene Maia, diretora de comunicação da empresa, sublinha que o mercado da conservação e restauro se tornou gradualmente mais competitivo. “As dificuldades são crescentes nesta área”, afirma ao JPN.

A empresa tem profissionais de diversas áreas.

A empresa tem profissionais de diversas áreas. Foto: Dalmática

Até à viragem do século, frisa, a área não era muito explorada, mas começaram a surgir licenciaturas em Conservação e Restauro, o que fez aumentar o número de profissionais no mercado.

E aliada ao aumento da concorrência, chegou a crise. Sendo a Dalmática uma empresa voltada para a conservação e restauro de património sacro, tem como principal cliente paróquias que são sustentadas por fiéis e os donativos sofreram um corte substancial nos anos da troika.

A Dalmática vê o ano de 2019 como um ponto de viragem. Acredita que o trabalho que realizaram na Catedral do Panamá lhes traz um “selo de qualidade e garantia dos serviços”, o que esperam que atraia novos clientes.

A luta pela reabilitação da Catedral durou anos

“Não podemos dizer que a oportunidade surgiu. Nós corremos por ela”, conta Marlene Maia sobre o trabalho que realizaram na Catedral.

Tudo começou em 2011 quando Rui Barbosa se deslocou pela primeira vez ao Panamá, de forma a procurar edifícios que precisassem de intervenção. Quando voltou a Portugal, trazia a ideia de intervir sobre o retábulo mor da Catedral do Panamá e toda a equipa ficou contaminada pelo projeto.

Naquela altura, mesmo estando a Catedral em más condições, não se falava na possibilidade de reabilitação. Durante os anos que se seguiram, a Dalmática continuou a visitar o país, reunindo-se com autoridades civis e eclesiásticas, para os tentar convencer da necessidade de uma intervenção. Só em 2015 se tomou a decisão de intervir sobre o património no Casco Antigo do Panamá, sendo a Catedral uma peça fundamental do mesmo.

Depois de negociações e concursos internacionais, o trabalho de conservação e restauro do retábulo foi entregue à Dalmática. Devido às suas repetitivas visitas ao país e aos testes de levantamento de repintes que a equipa realizou durante aqueles anos, a equipa acumulou um grande conhecimento da peça.

Em dezembro de 2017, assinaram o contrato com o consórcio de empresas que ficou encarregue da obra. Em janeiro do ano passado, dez elementos da Dalmática viajaram para a Cidade do Panamá para começarem o processo que se estenderia por cinco meses.

O tempo necessário e a equipa destacada acabaram por dobrar, pois, para além do restauro do retábulo-mor, para o qual foram contratados, acabaram por restaurar mais um retábulo lateral, um monumento funerário, duas pinturas sobre tela e ainda duas pias batismais.

Imagem antes e depois do restauro Foto: Dalmática

Foi durante o longo trabalho de restauração, que se depararam com uma surpresa. Ao iluminar a parte traseira do retábulo, durante processos de tratamento da madeira, deparam-se com aquilo que se revelou ser um ponto importante do trabalho.

Numa zona coberta de raízes, lixo, teias de aranha, humidades e fungos, descobriram resquícios de uma pintura mural na parede fundeira. “Olhando ao estado de degradação de toda aquela parte, ou se salvava no momento, ou se perdia para sempre”, explica Marlene Maia. Acabariam por juntar à lista de serviços mais esse trabalho.

A mão do Papa

A equipa da Dalmática divida entre Portugal e o Panamá – 17 membros em campo e três na sede da empresa -, não sabia, quando assinou o contrato, que os trabalhos seriam inaugurados pelo Papa. Foi apenas entre março e abril do ano passado que essa informação lhes foi passada.

O empreendimento ganhou uma renovada importância: “Para nós, foi muito especial. Não só sabermos que estávamos envolvidos numa obra tão importante, uma vez que a catedral é património mundial da UNESCO, como também por ser uma obra que nós desejávamos há muito”, comenta a responsável pela comunicação da empresa. “Saber que iria ser o Papa Francisco a inaugurar o nosso trabalho elevou-nos ainda mais os ânimos. Ficamos muito felizes, mesmo”, rematou.

A internacionalização continuará a ser palavra de ordem para a empresa de Lustosa. Por toda a América Latina, em países como a Colômbia, Cuba, Equador e Peru, a Dalmática apresentou propostas de trabalho que estão de momento em análise.

Artigo editado por Filipa Silva