A sociedade está cada vez mais interessada e preocupada com questões relacionadas com a sexualidade de pessoas com deficiência. Todavia, ainda existem ideias pré-concebidas enraizadas sobre determinados grupos de pessoas que se encontram numa determinada condição física ou de consciência.

“Na nossa sociedade, a deficiência é conotada de forma negativa e imputada apenas a questões físicas, mas há muito mais. Quando a pessoa vive com um determinado tipo de doença ou de deficiência, que lhe limita a mobilidade, não é só o corpo em si que a prejudica, mas sim a forma como a sociedade olha para esse corpo”, começa por explicar Raquel Pereira ao JPN, à margem da conferência “Sexualidade de Pessoas com Deficiência” apresentada, esta quinta-feira, no Salão Erótico do Porto.

A investigadora no Sex Lab da Universidade do Porto juntou-se a Rui Machado, do Centro Vida Independente, que vive na primeira pessoa o problema da deficiência, para debater até que ponto é possível desassociar a incapacidade do prazer.

O preconceito para com este grupo específico de pessoas funciona como um mecanismo de negação social, uma vez que as diferenças são vistas como uma falta, carência ou impossibilidade de fazer algo. Aqueles que vivem com uma deficiência visível são, assim, mais facilmente estigmatizados.

Para Raquel, a sexualidade não se refere apenas às práticas sexuais, isto é, ao desempenho sexual funcional ou sexo considerado saudável, mas também às questões ligadas à vida social, afetiva e amorosa, que envolvem, por exemplo, os relacionamentos, a auto-imagem, a sedução ou questões de género.

Mitos e preconceitos

Um dos mitos mais comuns é considerar que as pessoas com deficiência são assexuadas. Logo, não têm sentimentos, pensamentos e necessidades sexuais. Ora, para a especialista, isto está diretamente relacionado com a crença de que estes indivíduos são dependentes e infantis e, portanto, incapazes de usufruir de uma vida sexual adulta.

Há quem pense também que as pessoas com deficiência são hipersexuais porque não sabem distinguir moralmente o que devem/podem fazer, ou não, em público. Indivíduos nesta condição tendem também a ser considerados “feios”, quase como se o direito sexual fosse exclusivo de pessoas jovens e bonitas, segundo padrões da sociedade.

Baixa auto-estima, preconceito, mobilidade reduzida e dificuldades financeiras estão entre as principais barreiras na vida sexual. A investigadora referiu ainda que o contexto histórico e social do país contribui para o adiamento das discussões sobre a sexualidade na diversidade funcional.

Discriminação

As pesquisas e as vivências da nossa sociedade têm vindo a mostrar que ainda é mais estigmatizante para as mulheres a abordagem da sexualidade entre os géneros com deficiência.“Se para os homens ainda é tabu e a sexualidade é mais reconhecida, para as mulheres esta questão ainda mais se coloca, devido às barreiras por causa do género”, comentou a sexóloga.

Apesar de não existir nenhum ator ou atriz porno com deficiência ou nenhuma área direcionada para pessoas com estas limitações no Eros, Raquel Pereira prefere acreditar que tal se deva a falta de representatividade que ainda hoje existe. “As pessoas parecem estar mais à vontade com o tema, mas, apesar de tudo, continua a ser pouco representado na sociedade”, expõe a investigadora.

Quando a deficiência não é sinónimo de falta de necessidade

O acesso à informação especializada sobre o impacto da condição com deficiência na saúde e sexualidade é pouco discutido. Neste campo, Rui Machado conta que alguns especialistas apoiam a legalização da assistência sexual a indivíduos com deficiência.

Fala-se de pessoas formadas, com curso e que por norma não o fazem a tempo inteiro, para que não sejam interpretadas como profissionais dos sexo. Para os indivíduos nesta condição, o mais difícil é sentir desejo e não o poder satisfazer por incapacidade.

Os brinquedos sexuais adaptados para pessoas com incapacidade motora são cada vez mais uma realidade. Segundo a sexóloga, não existe ainda um mercado suficientemente firme de brinquedos e produtos para pessoas com deficiência ou incapacidade, ou pelo menos, que seja vendido dessa forma. “Vibradores hands free começam a ser uma realidade. Isso é ótimo para quem não tenha a possibilidade de agarrar o vibrador enquanto se está a masturbar”, finaliza.

Artigo editado por César Castro