A entrada no Ensino Superior é um grande passo na vida dos jovens. Os estudantes embarcam na vida académica com várias expectativas. Agora, com a pandemia, os universitários experienciam e conhecem pela metade. E o processo de fazer amizades torna-se um pouco mais complexo. O JPN esteve à conversa com caloiros para perceber as dificuldades na socialização devido à pandemia.

A pandemia obrigou ao rearranjo do ensino, do pré-escolar ao superior. As escolas fecharam, as aulas passaram para as plataformas online, professores e alunos tiveram de se adaptar. Em Portugal, findo o segundo período de confinamento, o Ensino Superior foi um dos últimos a voltar à atividade presencial, sendo que, na maioria das instituições, as aulas continuam a ser lecionadas de forma mista, com alternância entre o regime online e o presencial.

Os estudantes que entraram este ano letivo na universidade mal sabem o que são aulas presenciais, não experienciaram a praxe, o convívio, nem a azáfama característicos da vida académica. Para os caloiros, o processo de conhecer pessoas e fazer amigos, num momento de transição importante nas suas vidas, tornou-se mais complicado com a pandemia e os poucos amigos que têm estão, por norma, do lado de lá de um ecrã de computador.

Mafalda Velho é caloira no curso de Gestão na FEP. Foto: Mafalda Velho

Mafalda Velho, de 18 anos, é estudante do primeiro ano do curso de Gestão na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. De acordo com a caloira, o primeiro contacto com os colegas de curso foi através de um grupo numa aplicação de mensagens instantâneas com mais de 300 estudantes.

Como não os conhecia fisicamente, restou à estudante avaliar outros sinais, como ver quem eram as pessoas que falavam mais, para começar a formar ideias sobre os seus colegas. “Tu começas a criar uma ideia da pessoa. Começas a criar, não digo amizades, porque nós não éramos amigos, mas colegas de curso e colegas de ano”, explica.

Entre os inúmeros colegas de curso, Mafalda arranjou uma dúzia de amigos, a maioria deles no primeiro semestre em que podia ir dois dias por semana às aulas presenciais. Essas amizades fê-las com quem esteve presencialmente na faculdade.

Segundo a estudante, o ensino misto não ajudou a conhecer de forma aprofundada as pessoas. As amizades foram feitas de semana para semana, porque ao estar online não há contacto e não vê as pessoas todos os dias da semana. Embora seja esta a nova realidade, os pais da estudante considerarem “estranho” conhecer pessoas pela Internet.

A máscara também foi uma barreira para reconhecer os colegas. A caloira explica: “o que aconteceu nas primeiras semanas é que tu ias lá à quinta-feira, fazias um amigo. Estavas lá à beira dessa pessoa durante a quinta-feira. Chegavas lá na sexta e já nem sabias muito bem quem era a pessoa, porque conheceste a pessoa com máscara”.

De forma a colmatar a falta de confraternização, Mafalda Velho recorda que, a meio do primeiro semestre, a “praxe” dirigida aos caloiros da FEP foi ativada, mas na forma de um grupo fechado numa aplicação de mensagens instantâneas. A entrada foi voluntária.

A primeira atividade proposta foi a criação de enfeites de Natal, o que “não funcionou”, segundo a estudante, dado o elevado número de estudantes envolvidos: “nós éramos 300”, conta. No entanto, remata, a experiência foi “gira”. Atualmente, o grupo continua a reunir-se, de 15 em 15 dias, às terças-feiras, através de videochamada. Entre jogos, teatros, palavras cruzadas e alguns “sermões” dos doutores, as atividades duram três a quatro horas. “A praxe tem feito muito com que nos entrosemos uns com os outros”, esclarece.

A universitária acredita que algumas destas amizades se podem traduzir em “amigos para a vida”. Para comunicar melhor, estes estudantes optam por falar através de vídeos ou áudios, porque o “áudio dá para perceber melhor como é o tom de voz da pessoa”. Os conteúdos multimédia permitem compreender o estado de espírito da pessoa que, numa mensagem por escrito, é mais fácil de esconder.

Mafalda Velho explica que a retoma das atividades presenciais no Ensino Superior vai ser uma vantagem para os estudantes, nem que seja de apenas uma hora de convívio com outra pessoa.

Inês Cruz é caloira do curso de Enfermagem na ESEP. Foto: Inês Cruz

Ansiosa por atividades de socialização no futuro está, também, a estudante de Enfermagem, Inês Cruz. A caloira da Escola Superior de Enfermagem do Porto explica que “arranjar conhecidos não foi difícil”, mas amigos ainda não fez muitos.

Tal como Mafalda, Inês, de 18 anos, utiliza as mensagens e as videochamadas para estabelecer relações com os colegas de curso. A estudante conta que, por vezes, combinava com os colegas ligarem-se antes de uma determinada aula começar, para conversarem e conhecerem-se melhor. Contudo, a atividade presencial no seu curso não durou muito e só foi a cerca de quatro aulas nesse regime.

Desta forma, a caloira passou grande parte do seu primeiro ano fechada em casa, o que afetou a quantidade de amigos que fez. Num ano sem pandemia, a estudante poderia usufruir de tudo o que a vida académica tem para oferecer.

Os cinco a seis amigos que tem conhece-os realmente. Contudo, nem sempre é fácil reconhecer as pessoas com máscara e, com as aulas online, por vezes, nem vê os colegas, porque estes preferem ter a câmara desligada. Para Inês, todas estas restrições isolam-na, todavia, sabe que é para o “bem da comunidade em geral”.

A caloira considera que as videochamadas são uma parte fundamental da vida social que tem agora. “É o café, é o almoço, é o jantar, é o lanche. É tudo. Houve uma vez que a reunião começou às nove, acabou às quatro da manhã”, explica.

Por agora, Inês espera ansiosamente pelo início das atividades académicas, porque considera que “é na praxe que se conhece as pessoas”. Deste modo, acredita que vai melhorar as amizades que tem e ainda fazer mais amigos.

Da ilha para o continente

Bruna Jardim é caloira da Madeira do curso de Ciências da Comunicação na UP Foto: Bruna Jardim

Bruna Jardim, de 18 anos, é natural da ilha da Madeira. A estudante de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto explica que a decisão de vir estudar para a Invicta não se alterou com a pandemia. “Queria ter uma experiência fora do meu meio familiar. Queria mesmo ir viver sozinha, ter essa independência e, realmente, queria vir para aqui, mesmo que fosse online”, esclarece. No entanto, a universitária acabou por ter de voltar para casa, uma vez que confinaram no continente, o que nas ilhas não ocorreu.

A caloira acredita que, por fazer parte de um curso de comunicação, os alunos são mais abertos e extrovertidos. Contudo, confessa que não foi fácil, uma vez que o ensino misto “cortava o ritmo” de conhecer pessoas. As restrições impostas pelo Governo também não ajudaram a proporcionar momentos de convívio. Para além disso, a estudante diz ter a sensação que as pessoas do continente são “mais frias” do que as da sua Madeira natal.

Como se mudou para cá, Bruna teve de partilhar casa com outros estudantes e considera que esses são os seus amigos mais próximos, “são quase família”. Fazer amigos dentro do curso foi mais complicado, o que gerou dificuldades na aprendizagem e na realização de, por exemplo, trabalhos de grupo.

Com o regresso da atividade presencial, a estudante acredita que a relação com os seus colegas vai melhorar. “Estou aqui há duas semanas e já estou a sentir isso”, esclarece. Também o grupo académico teve um papel importante na socialização, porque conseguiu estabelecer uma ligação com as pessoas do seu ano.

O regresso ao ensino presencial retomou, para Bruna, na terça-feira (20) e foi muito positivo para a caloira.

Estudar fora

Rita Flores é caloira no curso de Multimédia e Jornalismo na Universidade de Essex. Foto: Rita Flores

Rita Flores, de 19 anos, escolheu estudar fora de Portugal, mesmo com a pandemia de Covid-19. A estudante frequenta o curso de Multimédia e Jornalismo na Universidade de Essex, no Reino Unido. Mudou-se para lá em setembro e começou por ter aulas em regime misto. No entanto, em novembro, o país confinou e as aulas passaram a ser somente à distância.

A caloira explica que o processo de fazer amigos não foi muito complicado, porque teve a vantagem de ter ficado num dormitório universitário, que obriga à divisão do mesmo espaço com várias pessoas. Desta forma, a socialização deu-se com as pessoas com quem vivia e não com os colegas de curso.

O facto de não ter muitas amizades dentro do curso dificultou a aprendizagem, confessa a universitária. Da turma, fala apenas com duas ou três pessoas que conheceu através das poucas aulas presenciais que teve. “Sendo pelo zoom, acaba por ser um bocado difícil e estranho, porque estamos ali no computador. Eu, pessoalmente, muitas vezes, senti-me um pouco envergonhada de falar no início. E dificulta”, esclarece.

Nesta altura, ao contrário do acontece em Portugal, a estudante não vai ter mais atividades presenciais. Como em setembro usufruiu de ensino misto, nesta altura, o ensino vai ser apenas à distância. Todavia, vai voltar ao Reino Unido, visto que veio para Portugal durante a pausa letiva.

Embora a universitária tivesse oportunidade de ir a algumas atividades presenciais, este tipo de ensino não contribui para a socialização com os colegas. Sem qualquer tipo de obrigação de estar presentes nas aulas, os estudantes puderam optar por assistir no online, o que se traduziu em poucos alunos nas aulas presenciais. A caloira marcou presença no ensino presencial, mas muito dos seus colegas não o fizeram.

Rita não se arrepende de ter ido estudar para fora, contudo, sabe que, sem pandemia, a sua experiência teria sido diferente.

 

Artigo editado por Filipa Silva