Edifícios futuristas, robôs que facilitam o trabalho doméstico e profissional, automóveis aéreos e silenciosos. Estas são, provavelmente, algumas das imagens que passam pela cabeça de muitos quando o tema são as smart cities ou cidades inteligentes. O que talvez ninguém pensou é que seria uma empresa do setor automóvel, neste caso a Toyota, uma das organizações a investir na criação deste novo futuro, mas a verdade é que está a acontecer. A mais recente cidade inteligente, que tem como nome Woven City, já está a ser construída no Monte Fugi, a oeste da capital japonesa, Tóquio.
Com um design tecnológico e sustentável, a cidade foi projetada com o propósito de “construir uma sociedade melhor, no sentido de dar um exemplo daquilo que é possível tecnologicamente, não só a nível de mobilidade, mas também aquilo que nós podemos chamar de sociedade do hidrogénio” [sociedade baseada na utilização do hidrogénio, desde o abastecimento de automóveis ao aquecimento das casas]”, explica ao JPN Victor Marques, relações públicas da Toyota Portugal.
Para Ricardo Vitorino, gestor de investigação e desenvolvimento em smart cities da Ubiwhere, a sustentabilidade é também uma das áreas imperativas no desenvolvimento deste tipo de cidade. “Com tanta gente a vir morar para estas zonas, há mais poluição dos edifícios, das formas de deslocação ou dos consumos alimentares”, começa por explica ao JPN. “Portanto, tendo as cidades essa responsabilidade de albergar tanta população, ser responsável por emissões e consumos energéticos e ser uma área tão pequena em proporção, a sustentabilidade acaba por ser a área mais prioritária”, remata.
Na Woven City, a mobilidade começa na construção das estradas que estarão divididas em três — uma destinada à condução autónoma, outra para veículos de passageiros e a última reservada a peões. “Estes três caminhos entrelaçam-se como um tecido e daí o nome Woven, que também faz a referência ao inico da própria Toyota que nasceu da industria têxtil”, revela Victor Marques. Para além disto, o projeto inclui uma via subterrânea destinada ao transporte de mercadorias, que garante uma maior fluidez na circulação e contribui para aumentar a eficiência do planeamento urbano.
Para o gestor da Ubiwhere, a forma mais parecida com a solução é o metro. “Um metro de superfície face a um metro subterrâneo, pode ser menos eficiente tendo em conta que tem que partilhar algumas das vias com outros veículos que causam constrangimentos. Enquanto que no metro subterrâneo não existe esse constrangimento”, explica.
Já ao nível do solo, para além de evitar potenciais acidentes com veículos autónomos, a decisão de projetar este tecido circulável tem como principal razão a criação de um ambiente silencioso quando a rua utilizada é a dos peões que, desta forma, poderão beneficiar de um passeio a pé ou de bicicleta sem o barulho constante de motores, buzinas ou pneus.
Contudo, a grande novidade será mesmo o tipo de veículos autónomos que circularão na rua destinada à condução autónoma, neste caso, as E-palettes — meio de transporte transparente que pode acomodar até 20 pessoas e que, no caso da Woven City poderá transportar pessoas e negócios. “Por exemplo, um E-palette que vende sapatilhas. A pessoa apanha esse E-palette e, enquanto faz a sua viagem, experimenta as sapatilhas. Quando sai, compra”, exemplifica Victor Marques.
Em relação à arquitetura, os altos edifícios de madeira trabalhada com as técnicas da marcenaria tradicional japonesa são o verdadeiro ex-libris quando combinados com a robótica e o vidro que permite uma vista panorâmica sobre a cidade. Nesta sociedade do hidrogénio, cada componente foi pensado ao pormenor, incluindo os telhados cobertos com painéis fotovoltaicos, neutros em carbono, responsáveis pelo fornecimento de eletricidade às casas. No interior, e porque, diz a Toyota, esta cidade tem o cidadão em primeiro plano, cada habitação será equipada com sensores de Inteligência Artificial (IA) que cuidarão das necessidades básicas do morador e controlarão a saúde destes.
Praças por toda a cidade e uma praça central destinada à interação social defendida pela Toyota são outras infraestruturas que estarão presentes na cidade.
O financiamento da Woven City ronda os 819 milhões de euros. Um investimento necessário, na opinião de Victor Marques, para quem pior será se “não existir mais sítios como este no nosso planeta”. A empresa estima que a cidade estará pronta para ser habitada já em 2024.
Mas antes “de se apostar cegamente numa decisão, porque outros assim o fizeram”, destaca Ricardo Vitorino, é necessário realizar pequenos testes-piloto e avaliar se realmente funcionam. A opinião é partilhada pela Toyota que começará por receber cerca de 360 pessoas na Woven City, entre as quais colaboradores e parceiros da Toyota como é o caso da BIG — Bjarke Ingels Group —, responsável pela arquitetura da cidade.
Se o feedback for positivo, cientistas, famílias com e sem filhos e idosos reformados da Toyota e de outras empresas podem passar a fazer parte dos habitantes da cidade. Duas mil pessoas é o número inicial que a empresa espera atingir com o objetivo de “adicionar cada vez mais à medida que a cidade evolui”, pode ler-se no site da Toyota.
Afinal, parece que as previsões acerca destas cidades do futuro, não estão muito distantes da realidade que, em breve, chegará a Woven City. Aliás, da lista de tecnologias enumeradas, a única que não estará presente são os automóveis aéreos — isto, porque as E-palettes da Toyota são ainda mais inovadoras.
Smart Cities, Smart Countries, Smart Regions
A crescente aposta em cidades inteligentes faz surgir uma nova possibilidade — países inteligentes. Um desafio e uma dificuldade acrescida quando se trata de países de grandes dimensões como os EUA, Dubai ou Japão.
Por outro lado, e numa escala mais pequena, o que já tem vindo a ser desenvolvido na Europa são as chamadas Smart Regions responsáveis pela interligação de cidades geograficamente próximas através da partilha de serviços como as Comunidades Intermunicipais de Transportes, salienta Ricardo Vitorino.
“Isto não pode ser descorado, porque fomenta a partilha de conhecimentos entre os municípios, a partilha de serviços e de infraestruturas e está alinhado com a componente da sustentabilidade a longo prazo, porque cada país não tem que investir no seu sistema de transporte”, reflete.
Replicar esta realidade em Portugal é possível, mas complicado. Cascais ou Viseu foram apontadas como potenciais locais para o desenvolvimento de cidades inteligentes em 2030 e, para o representante da Toyota, trazer uma Woven City para o país seria “o sonho de qualquer um”. Um sonho possível de ser alcançado caso exista “vontade e investimento nesse sentido”, destaca Victor Marques.
Contudo, salienta, por sua vez, o gestor de investigação da Ubiwhere, se a estratégia passar por redesenhar as cidades, replicar a Woven City é mais difícil, tendo em conta que a proteção do património histórico de cada município deve estar sempre em primeiro lugar.
“Se pensarmos na vertente de painéis solares, novas grelhas energéticas, novas fontes de energia que alimentem uma comunidade sem depender de combustíveis fósseis… Não é fácil para as cidades europeias implementarem isso em centros históricos ou em zonas mais protegidas”, conclui.
Artigo editado por Filipa Silva