A sustentabilidade tem sido um tópico cada vez mais relevante, transversal a todas as indústrias - e o mundo da moda não é exceção. Neste sentido, o JPN foi até ao Portugal Fashion, na Alfândega do Porto, para falar com três novos designers que querem contribuir para a construção de um futuro mais consciente.

Em pouco tempo, a indústria da moda tornou-se uma das mais poluentes para satisfazer os desejos da sociedade do consumo. Em contrapartida, a sustentabilidade tem vindo a ganhar protagonismo e há cada vez mais respostas para quem tenciona ser um consumidor mais amigo do ambiente.

Foi sobre essas respostas possíveis que falámos com três jovens designers presentes nesta edição do Portugal Fashion. As alternativas que apresentaram assentam sobretudo no combate ao desperdício através da reutilização de material descartado – seja na produção de vestuário ou do têxtil-lar. Mas há outros caminhos de que é exemplo a moda digital. Fundamental, dizem, é a formação de um público exigente perante as marcas. 

Mas se queremos saber para onde vamos, temos que saber de onde vimos.  

A origem do nosso guarda-roupa

O conceito da roupa pronta a vestir foi introduzido durante a Revolução Industrial (entre os séculos XVIII e XIX) – nesse período desenvolveram-se, em simultâneo, as tecnologias necessárias para fabricar peças de roupa de forma padronizada e uma classe trabalhadora, que precisava de vestuário prático, confortável e barato. 

Mais tarde, já no século XX, com vista a baixar ainda mais os preços praticados, as empresas mudaram os processos de produção para países em desenvolvimento, onde a mão de obra era mais acessível. A mudança no modo de fabrico e consumo de roupa deu origem ao modelo de produção em massa que hoje conhecemos. Desde aí, tem-se assistido a um ritmo acelerado de produção e compra de vestuário – um fenómeno conhecido por fast-fashion.

Fast-fashion: quando o barato sai caro

Este modo de produção consiste em fabricar muito por pouco dinheiro, de acordo com as tendências do momento e sem olhar à qualidade das peças. O objetivo é dar aos compradores roupa que se assemelha à das marcas de luxo, mas a preços muito baixos, de forma a instigar o consumo desenfreado. As roupas perdem rapidamente a utilidade, associada ao surgimento constante de novas trends. Decresce o valor e cresce a vontade de comprar. 

No entanto, este ritmo tem um preço. A indústria da moda está entre as que mais contribui para a degradação do planeta, quer seja através da poluição aquática, atmosférica e do solo, quer pelo desperdício que produz. 

Infográfico sobre as consequências da indústria da moda. Por: Mafalda Barbosa e Margarida Guerreiro

Preocupadas com as questões climáticas, as gerações mais novas têm atraído cada vez mais atenção para este problema, impulsionando uma mudança na forma como as empresas atuam. Na área da moda, são os designers mais novos que introduzem formas diferentes de criar, em resposta à cultura do fast-fashion. Neste sentido, o JPN falou com três newcome designers que apresentaram coleções sustentáveis no dia de abertura do Portugal Fashion. 

O futuro é sustentável 

Circular economy, end of life, closed loop recycling. Estes são alguns dos termos que se infiltraram no mundo da moda, com o objetivo de lhe dar um novo significado. Várias respostas desfilaram pelas passarelas da 50.ª edição do Portugal Fashion. 

A nova tendência não é só criar, mas sim criar conscientemente. Os novos designers constroem as suas coleções sob um novo mote.

Sílvia Rocha. Foto: Margarida Guerreiro

Exemplo disso é a marca AHCOR, criada pela designer Sílvia Rocha, que aproveita material deadstock e com a sua intervenção, “de acordo com a estética da marca, tentar criar algo novo”. A criatividade não se deixa ficar pela roupa e estende-se aos materiais: “Podem ser colchas, lençóis, ou seja, pegar aqui no têxtil lar e, se for possível usar e ser confortável, usar no dia a dia”.

A criadora e designer da marca Judy Sanderson, que encerrou o primeiro dia do evento,  também admite optar pelo uso de materiais sustentáveis. É “uma marca livre de crueldade” que admite não utilizar “qualquer tecido que sangre”, lê-se no site.

“Antes de mais, não reproduzimos tecido, o que, por si só, já é sustentável, porque o que fazemos é comprar todo o desperdício (…), que normalmente acaba em aterros. Há muito excesso de produção na indústria da moda”. 

Judy Sanderson. Foto: Margarida Guerreiro

Apesar dos esforços delineados nas coleções destes novos designers, todos acreditam que ainda há um longo caminho a percorrer para que o mercado sofra uma alteração visível. A chave está na vontade em educar um público em crescimento, que começa a manifestar a sua preocupação sobre o tema da sustentabilidade. 

“Se pensarmos na capacidade de compra de um português, a grande maioria não vai ter a possibilidade de comprar a um jovem criador ou a uma marca que se intitule como sustentável a mesma quantidade que compraria de fast-fashion, diz Sílvia Rocha. 

Contudo, é a partir da educação que as pessoas começam a perceber que existem novas alternativas. Através de novos conceitos como re-sale, re-commerce ou rental, as peças de roupa ganham um novo significado e tornam-se acessíveis à maioria. “Pode-se obter um preço bastante acessível, pode-se comprar em segunda mão, bastante acessível. Isso é sustentável, não é caro. A educação é fundamental”, afirma Judy Sanderson. 

A slow fashion, isto é, o movimento que se opõe à fabricação de roupa em quantidades industriais, é de mais difícil acesso ao público em geral. No entanto, “devido à pressão do consumidor, estamos a ver muitas grandes marcas realmente a aumentar e a tentar introduzir coleções conscientes. É um começo”, realça a criadora sul-africana. 

 

Apesar destes esforços por parte das grandes empresas, estes não podem ser mínimos e deve haver uma continuidade de aplicação de medidas neste sentido. A designer afirma ainda que os dois grandes pilares deste processo são a “transparência” e a “rastreabilidade”

Um dos perigos mais evidentes da aplicação de medidas sustentáveis em grandes empresas é a possibilidade de praticarem greenwashing, ou seja, a aplicação de práticas verdes (ou pretensamente verdes) que servem apenas para promover a marca, sem produzirem efeitos de fundo no que à sustentabilidade ambiental respeita. Por isso, o interesse na mudança deve ser visível e ocorrer de forma contínua. 

Desenha-se para o futuro a mudança necessária para tornar a indústria da moda mais sustentável. São as novas gerações que, com a ajuda da tecnologia, vão impulsionar o trabalho necessário nesta direção. 

Vítor Dias. Foto: Mafalda Barbosa

Isto não é como um movimento. Não é como uma tendência. Isto é o futuro e vemo-lo com a Geração Z. Eles defendem a sustentabilidade a um nível muito elevado, pressionam por ela e lutam pelos direitos dos animais”, diz Judy Sanderson. 

Vítor Dias, designer criador da marca homónima, considera que o futuro pode passar pela moda digital, como já tem vindo a acontecer. “Eu vejo um futuro bastante sustentável até porque estamos numa onda bastante digital em que há muitas marcas que nem sequer apresentam coleções físicas.”

A Brazil Immersive Fashion Week (BRIFW) é um exemplo de um evento onde o digital é a base quer da criação quer da apresentação das coleções de moda. A Metaverse Fashion Week, que arranca precisamente esta quinta-feira (24), será a primeira 100% digital e tem como objetivo testar a recetividade das marcas e do público pela moda digital.

Os designers que marcaram presença no primeiro dia do Portugal Fashion acreditam num futuro sustentável, apoiado pela procura mais consciente do público e por um investimento por parte das empresas em resposta a esse incentivo e numa lógica de responsabilidade social, trazendo cada vez mais opções “verdes” para o mercado.

Artigo editado por Filipa Silva