Anand Agrawal é um dos quatro candidatos a reitor da Universidade do Porto e o único estrangeiro na corrida. Em entrevista ao JPN, falou da sua motivação para a candidatura e aquela que é a sua visão para a UP. Quer uma universidade internacional mais aberta para dentro e para fora. Candidatos são ouvidos na sexta-feira.

Anand Agrawal é agora candidato a reitor da Universidade do Porto (UP), mas soma já várias experiências internacionais no currículo. Atualmente, serve como reitor da BlueCrest University College, na capital do Gana, Acra.

Nasceu na Índia há 44 anos e aí iniciou o seu percurso académico e profissional, tendo-se doutorado em Negócios, Gestão, Marketing e Serviços de Apoio Relacionados pela Universidade ICFAI de Dehradun. Seguiram-se experiências profissionais na Malásia, nas Filipinas, nos Emirados Árabes Unidos e no Gana.

Os olhos agora colocam-se em Portugal, onde “os [seus] objetivos profissionais se alinham” com os da UP, diz na entrevista que deu ao JPN por videochamada. Dos quatro candidatos confirmados, é o único estrangeiro, mas isso não o demove de tentar a sorte numa Universidade que “precisa de se abrir para o mundo”.

Calendário
Sexta-feira, dia 29, tem lugar a Audição Pública dos candidatos. Segue-se a eleição do reitor pelo Conselho Geral da Universidade do Porto a 6 de maio.

Como principais prioridades define a internacionalização, a transformação e a sustentabilidade. São conceitos que convergem com o fim de “contribuir e acrescentar valor” à ambição de “estar no top 100 de melhores universidades no mundo”, que o candidato define como uma meta.

Para isso, promete uma série de reformas e projetos, como portefólios online, empresas universitárias e a aposta em métodos modernos de ensino, através da digitalização. Para concretizar ideias como essas, tenciona ser “próximo” da comunidade académica, mas também “perceber as práticas globais”.

Agrawal não tem dúvidas de ser a pessoa “certa”, com as competências para este cargo. “Eu vejo-me como uma pessoa que vem de fora, com pensamento criativo e inovações, que podem nem ser pensadas pelas pessoas atuais”, afirma.

Esta é a primeira de uma série de entrevistas que o JPN vai publicar ao longo dos próximos dias com os candidatos ao cargo de reitor. Sexta-feira, dia 29, tem lugar a Audição Pública dos candidatos, seguindo-se a eleição pelo Conselho Geral da UP a 6 de maio.

JPN – O que é que o fez decidir candidatar-se a reitor da Universidade do Porto?

Anand Agrawal (AA) –  Faço com um desejo profundo de causar impacto e de fazer a diferença. Tenho estado a pesquisar os locais onde os meus objetivos profissionais se alinham com o que as universidades querem fazer. Quando eu procurei, abriu esta posição de Reitor na Universidade do Porto e fiz uma boa dose de pesquisa. Percebi quais os requisitos da Universidade nesta altura, qual é a situação atual, qual é o desejo da Universidade. A Universidade do Porto quer estar no top 100 de melhores universidades no mundo. Eu quero contribuir e acrescentar valor a esta ambição. Estar no top 100 no mundo é uma ambição muito grande e ampla, mas é fazível. Com base na minha análise e pesquisa, decidi que este é o lugar onde posso verdadeiramente fazer uma grande diferença e ter impacto para o benefício da Universidade e todos os seus membros.

Este é o lugar onde eu posso verdadeiramente fazer uma grande diferença e um impacto para o benefício da Universidade.

JPN – Tem uma conexão ou ligação com a Universidade do Porto, a cidade ou o país?

AA – Não. Eu comecei com a Índia, depois fui para a Malásia. Não tinha qualquer conexão com a Malásia. Trabalhei lá como Professor Associado na Faculdade de Negócios e Design. E depois mudei-me para as Filipinas. Mais uma vez, um lugar novo para mim. Depois fui para o Gana, em África, que é totalmente diferente, mas sou um explorador e aventureiro. Quando vou a um lugar, rapidamente aprendo sobre as pessoas, sobre a cultura e sobre o lugar.

JPN – Pode essa experiência internacional trazer algo novo para a Universidade do Porto?

AA – Essa é a minha intenção. Quando analisei a Universidade do Porto, pude ver muitos desenvolvimentos, muito crescimento está a acontecer e é na verdade uma boa universidade. Mas para tornar esta universidade internacional, para transformá-la para o futuro e fazê-la sustentável, há a necessidade de perceber as práticas globais. E eu sou a pessoa com o tipo de experiência e aprendizagens para tal.

Uma das agendas que eu tenho em vista é a internacionalização, para fazer da Universidade do Porto global. Não apenas uma boa universidade dentro da Europa ou de Portugal, mas torná-la uma das 100 melhores no mundo. Esta influência tem de sair da Europa, de Portugal, e isso é possível apenas quando a universidade é aberta ao mundo e o mundo é aberto à universidade. Outra agenda é a transformação, com a digitalização. As práticas de ensino e aprendizagem estão a mudar pelo mundo todo. Hoje em dia os estudantes não aprendem usando práticas tradicionais de ensino. Vi um uso limitado de métodos modernos de ensino e aprendizagem em muitas regiões europeias, mas é fácil de implementar. Nas melhores das universidades à volta do mundo, há um centro dedicado de ensino e aprendizagem que faz investigação e que pode ajudar todo o pessoal docente a ser mais eficaz, ao usar métodos modernos de ensinar e aprender.

JPN – Há outras experiências que gostaria de replicar aqui em Portugal?

AA – É muito importante para uma pessoa como eu perceber o contexto e as necessidades da universidade primeiro. Não podemos cegamente começar algum projeto da Malásia ou Dubai no Porto, porque nósprecisamos de perceber qual é o contexto, quais são os requisitos, quais são os recursos e quais podem ser os desafios. E depois pode-se começar os projetos. Obviamente alguns deles, como a digitalização, podem ser já implementados na qualidade do ensino e da aprendizagem para tornar essas práticas mais modernas. Posteriormente, adotar os standards e práticas de investigação internacional e melhorar as condições de trabalho para criar um ambiente de trabalho mais moderno. E ainda a inclusão de estudantes na gestão da universidade. Sou a pessoa com a experiência para fazer isto acontecer na Universidade do Porto.

Para tornar esta Universidade internacional, para transformá-la para o futuro e fazê-la sustentável, há a necessidade de perceber as práticas globais.

JPN – Como é que planeia alcançar toda essa transformação daquilo que chama uma universidade “tradicional” para algo mais proativo, mais sustentável e, para o citar, “a Universidade do Futuro”?

AA – Os estudantes têm algum e-portefólio das suas aprendizagens e da sua experiência, que podem mostrar em qualquer lugar no mundo para serem empregues ou receber investimentos se quiserem começar as suas próprias atividades lucrativas?

JPN – A Universidade do Porto não tem algo assim.

AA – Este é um exemplo. Nós vivemos num mundo moderno e global. Supõe-se que um estudante tem um e-portefólio, um portefólio online, onde ao longo de três anos cria múltiplas páginas baseadas no ensino das aulas, de trabalhos e projetos e de todas as atividades que fez nos últimos três anos num site próprio, que pode mostrar ao mundo, com imagens e vídeos e os certificados de múltiplos cursos de competências completados. Passa a procurar emprego global e pode-se tornar um empreendedor global. Este é o tipo de internacionalização de que estou a falar.

JPN – Considera que a Universidade do Porto está muito atrasada nesse aspeto?

AA – Não consegui encontrar nenhuma versão de e-portefólio dos estudantes. Há ainda o LinkedIn [rede social voltada para emprego e negócios]. Quando eu vejo as atividades da Universidade do Porto no LinkedIn… Por exemplo, todas as publicações são em português, todas as atividades são em regiões limitadas ou mesmo em Portugal. Há uma necessidade de rever o que a universidade está a fazer. Há muitas coisas boas a ser feitas pela universidade, mas há a necessidade de sair da casca agora, de quebrar as barreiras, para ser internacional.

A beleza aqui é que quando se envolve os estudantes nestas atividades não há apenas ganhos financeiros, as competências e a experiência dos estudantes são também duplicadas.

JPN – No que toca a condições económicas, recentemente centenas de estudantes saíram às ruas no Dia Nacional do Estudante para protestar por melhores condições. O que pode um reitor fazer para aliviar economicamente quem mais precisa?

AA – Há várias formas em que as universidades pelo mundo estão a oferecer oportunidades aos estudantes e investigadores para serem economicamente fortes. Uma delas são estágios renumerados dentro da universidade. Se estamos confiantes em relação aos nossos estudantes, porque é que não os envolvemos em projetos e atividades da universidade onde podem contribuir para o seu crescimento e desenvolvimento e são pagos por isso? São o nosso produto, devemos ter orgulho deles e devemos dar-lhes emprego.

Outro aspeto é algo chamado de “empresas universitárias”. Investigadores e estudantes podem começar qualquer atividade comercial que gera receita e ser apoiados pela universidade. Para além disso, há muitas outras atividades, como, por exemplo, estudantes serem mentores e receberem uma compensação por isso. Também podem ser assistentes de professores e ajudá-los no processo de ensino. Ou ainda juntarem-se a equipas de investigação para ajudar os investigadores e gerar mais alguma receita com isso.

Há muitas formas de melhorar as condições financeiras envolvendo os estudantes. A beleza aqui é que quando se envolve os estudantes nestas atividades não há apenas ganhos financeiros, as competências e a experiência dos estudantes são também duplicadas.

Anand Agrawal Foto: D.R.

JPN – Dinheiro pode ser um problema nessa situação? Considera que a Universidade do Porto pode tornar-se economicamente sustentável e autónoma o suficiente para pagar esses projetos?

AA – O problema é a mentalidade de continuar dependente de fundos do Governo. Há muitos recursos e atividades para gerir receitas que a universidade pode fazer. Infelizmente, universidades tradicionais ainda não exploraram isso de uma forma séria. Primeiro, há a necessidade de rever e construir a capacidade da Universidade do Porto para aumentar a receita, de forma a ajudar os estudantes, os investigadores e também o corpo docente. Requere vontade, um plano e envolvimento com todos os membros da universidade. Há, por exemplo, as doações dos alumni. É uma fonte de receita muito grande no mundo todo. Não obtive nenhuma informação sobre doações dos alumni na Universidade do Porto.

JPN – Nos últimos anos houve maior investimento em alojamento estudantil, sendo que estão planeadas 800 novas camas para o futuro próximo. Apesar disso, citando o atual reitor, este é ainda “um dos maiores problemas socioeconómicos dos estudantes do Ensino Superior”. Se eleito reitor, como planeia expandir o alojamento acessível?

AA – Como reitor, a função mais importante é conectar com a comunidade. Não é necessário que a universidade possua ou alugue edifícios, há outros modelos, a maioria dos quais já existem, que podem ajudar os estudantes a conseguir um alojamento decente, mas implica envolvimento com a comunidade, pensamento criativo e práticas inovadoras. Há muitos apartamentos na Malásia para estudantes que são controlados pelos membros da comunidade. Há uma frase famosa de Albert Einstein, que é: “nós não podemos resolver um problema com o mesmo pensamento que o criou”. Eu vejo-me como uma pessoa que vem de fora, com pensamento criativo e inovações, que podem nem ser pensadas pelas pessoas atuais porque talvez não tenham tido a exposição que eu tive até agora.

A Universidade do Porto precisa de se abrir para o mundo e o mundo precisa de se abrir para a Universidade do Porto.

JPN – Essa exposição e experiência de fora podem trazer algo que os outros candidatos não estão a pensar?

AA – Sim. Os problemas atuais toda a gente conhece. Agora, para resolver essas questões, tem de se pensar fora da caixa. A Universidade do Porto tem 111 anos, 20 reitores trabalharam aqui até agora. Não sei porque é que nunca houve um único reitor do estrangeiro, nenhuma reitora do sexo feminino, nenhum reitor que não seja de campos como a medicina, engenharia e direito.

JPN – Considera que isso criou um problema?

AA – Não criou um problema, mas pôs um limite à forma como os problemas podem ser resolvidos. Há a necessidade da Universidade se abrir agora. A Universidade do Porto precisa de se abrir para o mundo e o mundo precisa de se abrir para a Universidade do Porto.

JPN – Recentemente tem-se falado muito nas questões de assédio e abuso sexual. Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), houve já mais de 70 denúncias contra professores; no Porto foram reportadas quatro queixas até agora. O que é que faria como reitor para resolver estas situações e facilitar a sua denúncia?

AA – Primeiro de tudo, preciso de perceber o contexto cultural. Em algumas universidades, há uma política de assédio sexual, que dita o que é para ser feito e quem vai ser envolvido. Em algumas outras universidades, a política de assédio sexual não é elaborada, mas depende de cada caso. Há um comité de assédio sexual e um comité de queixas que trabalham na sua investigação. No entanto, a coisa mais importante que tem sido feita é habilitar um corpo de estudantes ou outros membros da comunidade para expandir a conversa sobre assédio sexual. Apenas política não ajuda, ações são necessárias também.

JPN – Como é que imagina a Universidade do Porto em quatro anos?

AA – A atual posição da Universidade do Porto no ranking é 295, em quatro anos deve subir para entre 100 e pelo menos 120, 150. Pode mesmo alcançar o top 100. O mais importante são as características internacionais da universidade, não apenas em termos de estudantes internacionais, mas também docentes internacionais. Ter apenas estudantes de fora não faz dela uma universidade internacional. Se olharmos para universidades internacionais verdadeiramente globais, vemos membros do staff, docentes, investigadores e estudantes de diferentes partes do mundo, e isso transforma o ambiente de trabalho.

JPN – Acredita que isso é alcançável em quatro anos?

AA – Em grande parte. O que vamos alcançar em quatro anos? Depende do plano estratégico e dos parceiros. Como reitor, nos primeiros seis meses vou-me envolver com os membros da universidade, estudantes, staff, docentes e investigadores. Juntos vamos cocriar um plano para a universidade. Não apenas para quatro anos, mas talvez dez anos. Com esse plano vai haver objetivos anuais. Deve ser mensurável, alcançável e acionável. Todos os trabalhadores da Universidade devem ter a sua área de responsabilidade aliada aos objetivos. Uma grande parte disso é alcançável em quatro anos, mas é um curto período de tempo. Pode ir por múltiplas fases e, como reitor, posso criar um legado a partir do qual outros reitores podem construir mais, para que em dez anos alcancemos isso tudo. Penso que consigo começar, a partir da experiência e das aprendizagens que adquiri de múltiplas partes do mundo.

JPN – A Universidade do Porto tem o potencial para ser uma das melhores?

AA – Sim, porque é já uma das melhores em muitos aspetos. Por exemplo, cerca de 20% de todas as publicações científicas publicadas em Portugal são da Universidade do Porto. Quaisquer que sejam as forças da universidade, podem ser fortalecidas. Quaisquer que sejam as fraquezas, as equipas com o meu envolvimento vão trabalhar para preencher as lacunas e transformar essas fraquezas em forças. A chamada para se tornar grande já está na Universidade do Porto. A substância está lá.

JPN – Quais são as suas expectativas para esta candidatura?

AA – O que quer que o Conselho Geral decida, vou aceitar de bom grado. Se o Conselho Geral sentir que eleger um reitor estrangeiro pela primeira vez na história da Universidade do Porto pode ajudar na transformação, na internacionalização e na sustentabilidade da universidade, eu aceito de bom grado. Se o Conselho Geral sentir que o próximo reitor deve ser da Universidade do Porto outra vez, então também aceito de bom grado.

JPN – Se a sua candidatura falhar, tem planos futuros a ver com a cidade do Porto ou com Portugal?

AA – Estou aqui no mundo académico, da educação, para causar um impacto e fazer a diferença. Se a minha candidatura falhar, definitivamente que estarei em alguma parte do mundo a fazer o meu trabalho. Não é limitado ao Porto, mas se houver alguma boa oportunidade no Porto eu posso ir para a cidade, não apenas como reitor, mas noutras posições em que possa fazer a diferença.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha