Ana Catarina Correia, Marta Gomes e Diana Ramos são mulheres reais com um corpo real. Para mostrar que todos os corpos são bonitos, juntaram-se ao movimento digital "Tamanho TU", que quer combater os ideais estipulados pelas redes sociais. O projeto é recente, mas a criadora, Liliana Monteiro, espera que um dia se estenda para o panorama nacional.
Na chegada do verão, não é incomum ouvir relatos de quem se olha ao espelho e sente desconforto com um corpo que não encaixa nos padrões de beleza. Estrias, celulite, manchas, a cor da nossa pele ou a barriga a sair do biquíni são barreiras que pesam na autoestima de muitas, especialmente quando a época balnear bate à porta. Mas na praia de Marbelo, em Vila Nova de Gaia, um grupo de 30 mulheres juntou-se para contrariar essa mentalidade.
As condições meteorológicas típicas do mês de abril não facilitaram a tarefa, mas a chuva ou o vento não impediram o grupo de dar a cara pela normalização da diversidade. Embrulhadas em toalhas e casacos, mulheres de diferentes idades e físicos aguardam ansiosamente pela sua vez, enquanto as fotógrafas Daniela Torres e Inês Carrola captam imagens pelo areal e junto às rochas. Circulando de um lado para o outro, Liliana Monteiro, de 29 anos, coordena as sessões e organiza as voluntárias para irem tirar a sua fotografia.
Esta sessão fotográfica, que decorreu a 15 de abril, surge como a primeira intervenção do “Tamanho TU”, um movimento online que promove positividade e aceitação corporal. Tendo como mote o combate ao conceito de “ideal”, o movimento quer lembrar que “cada corpo é único”, bem como cada pessoa. Além de apelar à diversidade, quer também enfatizar características e partes do corpo tidas como menos apelativas, para as “normalizar”.
Diana Matos, uma das modelos, esteve toda a vida acima do “peso ideal”, diz, e posa para a câmara, na areia molhada, com um sorriso no rosto. Enquanto crescia, as inseguranças vieram ao de cima em múltiplas ocasiões mas, atualmente, não tem problemas com a sua aparência. “Quando estou em público esqueço-me que sou gorda; isso não interessa, ninguém está a ver”, explica.
Contudo, tem noção que esta característica representa um problema de imagem pessoal para muitos, exemplificando com pessoas que “não vão à praia porque pensam que os outros vão ficar a olhar para si.” “Há toda uma máquina de marketing e de fazer dinheiro, que é a indústria das dietas, que nota ali uma vulnerabilidade e ataca em força. A verdade é que todas as mulheres, no geral, sentem que podiam melhorar qualquer coisa”, completa.
Além da chamada “gordofobia”, a bióloga de 32 anos denota o enfoque naquilo que deve ser o corpo de uma mãe, no pós-parto. “Existe um marketing para mães. Diz que elas têm de continuar a tratar de si porque senão não estão presentes para os filhos”, afirma. Como mãe, recorda momentos em que sentiu o peso dos olhares de terceiros quando passeia com a filha. “A minha filha é assim muito minorca e às vezes olham para mim como se dissessem ‘a montanha pariu um rato’”, conta entre gargalhadas.
No entanto, lembra que, acima de tudo, “as mães continuam a ser mulheres” e que “as pessoas são mais do que um corpo”. “Um corpo gordo não quer necessariamente dizer que aquela pessoa é doente ou que tem algum problema. E o mesmo se aplica ao excessivamente magro”, remata.
Atrás, nos passadiços, duas mulheres preparam-se para a sua vez em frente à lente. Ambas sofrem de uma deficiência motora, mas esse fator é apenas mais uma razão para integrarem o movimento.
Ana Catarina Correia, de 31 anos, tem uma deficiência congénita que a acompanha desde sempre. “Nasci com ela, nunca se alterou nem nunca se vai alterar. Fui construindo a minha identidade sempre com base nisso”, partilha, salientando que “é um processo de construção e aceitação constante”. Acredita que o mundo “não está preparado” para mulheres como ela, havendo inúmeras barreiras a ultrapassar, sejam estas culturais, físicas ou psicológicas.
“Vamos a qualquer sítio e as pessoas olham inevitavelmente para nós, porque não é comum vermos uma pessoa com deficiência, ou uma mulher com deficiência, a frequentar uma praia, um bar ou uma discoteca”, avança a socióloga. Somado a esse fator, diz notar comportamentos “opressores” e “discriminatórios” de uma sociedade que não considera a sua feminilidade. “Muitas vezes esquecem-se do nosso género. Olham primeiro para nossa deficiência e só depois é que veem uma mulher ou um homem”, partilha.
Lembra que, como qualquer outra, quer “desempenhar papéis de género” e sentir-se incluída enquanto mulher. Entre risos, confessa que o frio não ajuda, mas nem por isso perde a motivação de vestir o biquíni. E não é a única. Marta Gomes também está numa cadeira de rodas, fruto de um acidente que teve aos 24 anos. Confessa que, mesmo antes, tinha algumas inseguranças “como todas as pessoas têm”, mas a sua condição fez alterar as perspetivas.
“Depois do acidente o meu corpo modificou bastante. Tive alguma dificuldade em aceitar e não posso dizer que o tenha feito completamente, mas acho que agora convivo melhor com isso”, confessa. Para a professora de 42 anos, a chave é “percebemos que não somos todas iguais”. “Aquele corpo padrão que nos impingem, em revistas ou na televisão, não é assim tão padrão. E também não é só esse que é bonito”, acrescenta.
Com o crescimento das redes sociais e da sua influência, os padrões de beleza são difundidos de forma mais abrangente e, em conformidade, crescem as inseguranças. Fatores como a cor da pele, marcas de todo o tipo, tonificação a mais (ou falta dela) são considerados imperfeições ou barreiras na atratividade da figura feminina. Mas Diana, Ana Catarina e Marta, com dezenas de outras mulheres, querem lembrar que essas características devem ser apreciadas.
Todos os corpos estão prontos para o verão
Confrontada com uma avalanche de publicidade nas redes sociais direcionada para “o corpo de verão”, Liliana Monteiro, fundadora do “Tamanho TU”, sentiu a necessidade de criar uma contracorrente com os meios que tinha. “O corpo ideal não existe. Não tem prazo de validade, não tem tamanho, cor, limitação, orientação ou identificação sexual. Se tu tens um corpo e um biquíni, tens um corpo preparado para o verão”, diz.
Motivada por esta ideia, fez passar a palavra entre amigas e em grupos na rede social Facebook. Rapidamente se criou uma pequena rede, que divulga a sua mensagem através das redes sociais. Apesar de só ter arrancado este mês, o movimento já conta com 50 mulheres, com idades que vão desde os 20 aos 60 anos.
A primeira intervenção contou com o apoio de duas marcas portuguesas de vestuário de praia: a Kalimera Collection, que promove fatos de banho sustentáveis, e a byBrazil, uma marca local. Liliana espera, no futuro, contar com o apoio de mais marcas e associações, como a Vida Independente, onde colaboram Ana Catarina Correia e Marta Gomes, para promover inclusividade. “Pode participar quem quiser. Idealmente gostaria também de incluir mulheres com outras orientações e identificações sexuais, e também indivíduos não binários, mas em tão pouco tempo ainda não consegui”, adianta ao JPN.
“O sonho é que isto se torne numa coisa que chegue a toda a gente, a nível nacional, como se fosse uma campanha de biquínis”, partilha Liliana Monteiro. Por agora, vão partilhar as fotografias nas contas pessoais das participantes e no perfil do movimento, para “dar a conhecer” a sua mensagem.
No futuro, pretende organizar mais sessões em sítios variados “para mostrar que não estamos a falar apenas de um corpo de verão, mas de aceitação corporal o ano todo”. “Queremos realmente que chegue a várias mulheres. Mas ficamos contentes se chegar a uma e ela decidir que este ano vai usar biquíni porque viu aquela sessão e se identificou com ela”, conclui.
Artigo editado por Tiago Serra Cunha