Cessou a chama do "Bibota de ouro", lenda do FC Porto e do futebol português. Fernando Gomes faleceu este sábado, aos 66 anos. O antigo avançado não resistiu à luta contra um cancro no pâncreas. Cerimónias fúnebres decorrem este domingo.

O dia 26 de novembro ficará marcado na história como um dia triste para o futebol nacional. A tarde solarenga de sábado trouxe a negra notícia: a morte de um dos mais geniais avançados portugueses, Fernando Gomes (1956 – 2022).

O antigo futebolista lutava contra um cancro no pâncreas, tendo sofrido, em outubro um AVC, depois de dar entrada numa unidade hospitalar do Porto.

Quatro dias depois do seu aniversário, o Bibota despediu-se, mas deixou o seu nome imortalizado na história do futebol. Dois anos e um dia após a morte de “El Pibe” Maradona, Gomes juntou-se ao astro argentino. Quase uma prova de união celestial entre os mais geniais futebolistas do mundo.

O percurso de um goleador nato

De Pinga (1909-1963) a Domingos, de Jardel a Lisandro López, o FC Porto sempre apresentou avançados de excelência. Todos eles com a sua marca, mas nenhum tão querido quanto Fernando Gomes no seio dos portistas.

O avançado, nascido na freguesia de Campanhã, no Porto, deu os seus primeiros passos no futebol de bairro. Na verdade, o seu percurso começou no andebol dos Salesianos, mas tudo mudou num torneio de futsal do Académico. A sua qualidade era inegável e bastou o olhar atento de António Feliciano, na altura treinador e coordenador da formação portista, e de Costa Soares para que o jogador integrasse as camadas jovens do FC Porto no início dos anos 70.

Desde cedo mostrou o seu gosto por ver balançar as redes e em apenas três anos, Gomes foi campeão de juvenis e juniores nos dragões. Colecionou golos e amadureceu cedo, tão cedo que chegou à equipa principal com apenas 17 anos.

Na sua estreia, a 8 de setembro de 1974, o então jovem avançado foi decisivo ao apontar dois golos do FC Porto na vitória por 2-1 sobre a CUF. Lançado pelo treinador brasileiro Aymoré Moreira e em pleno Estádio das Antas, a qualidade do avançado saltou à vista de todos os dragões.

Esses foram só os dois primeiros de 420 golos marcados ao longo de 17 anos de uma carreira ímpar que teve breves passagens por mais dois emblemas. Tornou-se assim, o grande “bombardeiro” das Antas.

O “bombardeiro” das Antas foi quem mais golos marcou ao serviço do FC Porto. Foto: FC Porto/Twitter

Enquanto sénior, Gomes ajudou os azuis e brancos a virarem a página na história do futebol português, contrariando o histórico domínio do Benfica e do Sporting. O avançado foi um dos protagonistas de uma das mais bonitas epopeias do Futebol Clube do Porto. O melhor de sempre? Talvez não, mas o mais icónico foi com alguma certeza.

No currículo leva aquilo que, até hoje, mais nenhum foi capaz de alcançar: os 354 golos marcados com a camisola das listas azuis e brancas. Os 354 “orgasmos”, como o “Bibota” de forma caricata apelidava os seus remates certeiros, são parte de uma reviravolta no futebol dos portistas. Ajudou, no fundo, a quebrar um “jejum” portista de 19 anos.

Em 13 épocas de azul e branco, Fernando Gomes venceu cinco campeonatos nacionais, três Taças de Portugal e também três Supertaças. Foi apaixonante, repetiu o mais belo ato de marcar um golo vezes e vezes sem conta. Encantou os adeptos com a sua força e energia, quando corria em direção às redes do antigo Estádio das Antas para o caloroso abraço aos adeptos.

Gomes esteve na conquista de três Taças de Portugal para o FC Porto. Foto: FC Porto/Twitter

Desses 354 tentos resultaram duas botas de ouro – prémio que distingue o melhor marcador dos campeonatos da UEFA – que batizaram Gomes com a eterna alcunha de “Bibota”, recebida precisamente na época 1984/85.

O regresso e a chegada ao topo do mundo

Fernando Gomes foi para Espanha, mais concretamente para Gijón, no início dos anos 80 e durante dois anos lá ficou, numa altura em que poucos jogadores portugueses saíam para o estrangeiro. Fez 33 jogos e marcou 16 golos, mas as múltiplas lesões não lhe deram a estabilidade para se afirmar a 100% no emblema espanhol.

Regressou aos quadros do FC Porto e na década de 80 vincou ainda mais a sua presença na história do clube, na resplandecente era de José Maria Pedroto, técnico dos dragões de 1976 a 1984 com duas épocas de interregno no Vitória de Guimarães.

Gomes ajudou a levar os portistas a duas finais europeias. A primeira para a disputa da extinta Taça das Taças, em 84, diante da poderosa Juventus de Michel Platini. Sem sucesso, mas com a noção de que poderia estar por perto o primeiro triunfo europeu dos azuis e brancos.

E aconteceu! Três anos depois, em 1987, já sob o comando de Artur Jorge, os “heróis de Viena” bateram os alemães do Bayern de Munique por 2-1, no jogo do famoso “calcanhar de Madjer”. Gomes não esteve presente por conta de uma fratura, mas marcou o último golo do percurso até ao grande palco europeu de Viena.

A infelicidade de não marcar presença na final deu as forças necessárias ao “Bibota de ouro” para recuperar e marcar presença na final da Supertaça Europeia, com vitória sobre os neerlandeses do Ajax, ainda em 1987. Mais tarde o sucesso e a conquista do Mundo: a final da Taça Intercontinental, em Tóquio.

Fernando Gomes (ao centro) ladeado por André (à esquerda) e Inácio (à direita) também eles parte de uma ‘geração de ouro’ que ajudou o FC Porto a afirmar-se dentro e fora de portas. Foto: FC Porto/Twitter

Diante dos uruguaios do Peñarol, Gomes registou mais um  para a conta pessoal. Marcou um de dois golos portistas naquela conquista debaixo da neve japonesa, que colocava o FC Porto no topo do globo.

Carreira e personalidade ímpar

Fernando Gomes é dos poucos jogadores no mundo que terminou a carreira da mesma forma que começou: a marcar!

Começou aos 17 e terminou quase 17 anos depois, no rival Sporting CP, tendo marcado o seu último golo, no seu último jogo diante do Gil Vicente, em 1991. Pelos leões marcou 38 golos em 79 jogos.

Pelo meio foi seis vezes bola de prata, prémio que distingue o melhor marcador do campeonato nacional. A primeira logo aos 20 anos. A mais icónica em 84/85, com 39 golos marcados em 30 jornadas.

Juntou mais 11 golos em 47 internacionalizações pela seleção A de Portugal, por quem marcou presença no Europeu de 1984 e no malfadado Mundial de 1986.

Dotado de um mortífero pé direito, de uma forma de cabecear inigualável, tecnicista também e um predador dentro da área, com instinto infalível, Fernando Gomes era dono de um estilo ímpar: o cabelo longo ao vento dava-lhe um ar de classe e rebeldia. Carismático e goleador, disse uma vez numa entrevista que “a missão não era marcar golos bonitos, era marcar”.

Foi dos mais letais avançados, o segundo de três botas de ouro portugueses, juntando-se assim a esses dois ícones do futebol nacional: Eusébio (com duas) e Cristiano Ronaldo (com quatro).

As homenagens e o último adeus

O Futebol Clube do Porto, clube que Fernando Gomes representou por 13 anos, ajudando à consolidação portista, foi dos primeiros a reagir e a homenagear o eterno bibota.

Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente dos portistas desde 1982, reagiu à triste notícia, reconhecendo o valor de Gomes no universo azul e branco, mas não conseguiu terminar o seu discurso dada a emoção.

Também Sérgio Conceição, treinador dos azuis e brancos, não deixou passar em branco e falou do Bibota no campo pessoal e profissional.

A Liga Portugal eternizou a imagem de Fernando Gomes e a sua importância para o futebol nacional, com um vídeo marcante do craque.

A Federação Portuguesa de Futebol também prestou homenagem com uma fotografia do antigo avançado que teve a forte concorrência de Rui Jordão, Nené e Manuel Fernandes.

Embora rival, o Sporting CP, clube que Gomes também representou, prestou homenagem ao avançado. O mesmo fez o SL Benfica, clube igualmente rival do FC Porto. A prova de que nestas fases não há lugar para cores e clubismos.

Fernando Gomes arrastou milhares e hoje milhares também lhe prestarão homenagem.

O velório de Fernando Gomes, bibota de ouro, começou este sábado, dia 26 de novembro, das 19h00 até às 22h30. Neste domingo, a partir das 11h00, o velório prolonga-se na Capela Mortuária da Igreja de Santo António das Antas. 

A missa de corpo presente, a que se segue o funeral, terá lugar às 15h00, na Igreja de Santo António das Antas.

Artigo editado por Filipa Silva