O futebol é a modalidade mais financiada em termos absolutos. No entanto, em proporção com o número de atletas federados e clubes registados, é a quarta modalidade com menos subsídios públicos. Uma análise relativa permite chegar a conclusões inesperadas: o rugby e a vela estão entre os desportos que mais dinheiro recebem.
O Orçamento de Estado de 2023 fixou a despesa de 44,7 milhões no setor do desporto. O valor orçamentado representa um aumento de 1,6 milhões de euros em relação ao ano anterior e segue uma tendência crescente registada já desde 2020, o primeiro ano marcado pelo grande impacto da pandemia de covid-19 no setor.
A Pordata, uma base de dados sobre Portugal organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicou, em novembro de 2022, uma série de dados e estatísticas relativas ao financiamento público dos desportos em Portugal. Poucos dias depois da qualificação inédita da seleção portuguesa de Rugby para o Mundial, a Fundação Francisco Manuel dos Santos partilhou nas suas plataformas a seguinte mensagem, de modo a divulgar o estudo em questão: “O Rugby recebe menos financiamento público do que modalidades como a patinagem, ginástica, o judo ou o voleibol”.
De facto, é verdade. Em valores absolutos, o rugby recebe menos financiamento público do que todas as outras modalidades citadas. A conclusão atraiu vozes indignadas contra o parco investimento público na modalidade e um agigantar do feito por este ter sido conseguido através de uma falta de recursos. Mas a conclusão não é totalmente verdadeira, uma vez que não considera outros dados (constantes, inclusive, no mesmo estudo) relativos, por exemplo, ao número de equipas ou ao número de federados.
Uma análise pluridimensional dos dados faz-nos chegar a outras conclusões que, até, desmentem totalmente o anúncio dos autores do estudo. Em dados absolutos, o futebol, como seria de esperar, é o desporto que mais beneficia de investimento público. Seguem-se o atletismo e o andebol. O rugby é o sétimo menos financiado.
Uma visão relativa dos dados faz-nos perceber que a “injustiça” que a mensagem da fundação pretendia passar pode não ser inteiramente exata. O Rugby é o desporto nacional com menos clubes registados – apenas 64. Ainda assim, recebeu em 2020 cerca de 900 mil euros. Ou seja, a esta modalidade são destinados, em média, 14 mil euros por clube, o que os coloca, destacadamente, no primeiro lugar quanto ao financiamento por clube. Olhando por esse prisma, o rugby é, quando se tem em conta o número de clubes, a modalidade mais financiada.
Esta perspetiva multifacetada sobre as informações permite chegar a outras conclusões. Por exemplo, o futebol, apesar de ser o desporto mais popular do país, está no quarto lugar a contar do fim quanto ao financiamento por clube ou ao financiamento por federado. No sentido inverso, existem alguns destaques inesperados. É o caso da vela – esta modalidade recebe, por federado, 445 euros, quase o triplo da segunda modalidade mais financiada, que é, mais uma vez, o rugby.
Olhando para outras modalidades referidas pela publicação, como a patinagem, a ginástica, o judo e o voleibol, percebemos ainda mais as discrepâncias entre os valores. A ginástica recebe quase tanto como o rugby por clube (13.788 e 14.064 euros, respetivamente). A patinagem é apenas a 10ª modalidade mais financiada por equipa (4482 euros) e a 8ª por federado (75,52 euros). O judo tem um financiamento por clube de 6115,84 euros e o voleibol de 2082,02 euros. Todos, à exceção da ginástica, recebem sempre menos de metade do que o rugby seja nos dados relativos ao financiamento por clube, seja no financiamento por atleta.
Rugby: um investimento a longo prazo
Ao isolar o rugby e analisar a evolução do financiamento global, verifica-se alguma oscilação, principalmente em anos de crise. De 2017 a 2019, a tendência era de crescimento. Já em 2020, o valor diminuiu. Ainda assim, continua a ser a modalidade mais financiada por clube.
Voltando aos dados iniciais, que conferem à modalidade o título de mais financiada por clube, percebemos que os valores vão ao encontro do plano estratégico 2020-2024 da Federação Portuguesa de Rugby (FPR), que destaca o investimento em três pontos: nas camadas mais jovens, no rugby feminino e nas competições internacionais. Os resultados do primeiro ponto são visíveis na evolução do escalão sub-12 que, de acordo com a Federação, é o que “mais tem crescido”.
Além disso, de um modo geral, o número de praticantes de rugby quase triplicou, mas a quantidade de mulheres atletas da modalidade é ainda muito reduzida. Destaca-se a superação da barreira das 500 federadas, em 2019, e há o compromisso por parte da FPR de manter a tendência de crescimento através de um reforço no investimento.
Já a aposta nas competições internacionais materializa-se no desejo manifestado por parte do presidente da FPR, Carlos Amado da Silva, no preâmbulo do documento. “É necessário e urgente recuperar as Academias e o Centro de Alto Rendimento, sabendo que este será o passo decisivo para a afirmação do potencial de muitos jovens que formarão a base de uma seleção residente (Lusitanos) que se pretende que participe numa competição internacional, numa antecâmara para a seleção nacional (Os Lobos)”, lê-se. A equipa dos lobos, acrescenta ainda, será “necessariamente reforçada com jogadores profissionais que participam em campeonatos estrangeiros”.
Vela: um desporto caro para poucos praticantes
Percebido o investimento no rugby, vamos à vela, a modalidade mais financiada por federado. Este facto justifica-se, essencialmente, pelos gastos.
Para um aluno poder praticar o desporto é necessário um barco, uma vela, um fato e um colete. O modelo de barco mais barato, e adequado aos aprendizes, é o optimist, que se encontra à venda no mercado a partir de 3.350 euros. Adicionalmente é necessária uma vela, que tem o custo quase dois mil euros. Já o fato e o colete custam, no total, 170 euros.
Assim, para apenas um aluno, é preciso fazer um gasto inicial de 5.515 euros. Estes valores multiplicam-se pelo número de praticantes, pelo que muito facilmente é ultrapassada a meta dos 20 mil euros.
Do rugby à vela, do futebol à patinagem, o financiamento total nem sempre é suficiente para compreender na íntegra a realidade da distribuição do dinheiro público no desporto. Deve ter-se em conta outros fatores importantes como o investimento por atleta e por equipa, os custos efetivos em equipamento e infraestruturas e estratégias de desenvolvimento a longo prazo das modalidades. No desporto, a distribuição orçamental não parece guiar-se por popularidade. O dinheiro público é repartido consoante as necessidades e os projetos específicos de cada modalidade.
Esta reportagem foi realizada no âmbito da disciplina de Jornalismo de Dados – 3º ano
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro