Ação Social e o alojamento estudantil dominaram o debate na especialidade do Orçamento de Estado de 2023 para o setor da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Confira os principais pontos de discussão ao longo de 3 horas de debate.

Elvira Fortunato é a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

A falta de camas para os estudantes deslocados do Ensino Superior foi o tópico dominante, mas o financiamento das instituições e a saúde mental dos estudantes também estiveram no centro do debate.

Ao longo de mais de três horas, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, e o secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Teixeira, apresentaram o plano da tutela para o setor em 2023 e responderam às dúvidas e críticas dos deputados das comissões de Orçamento e Finanças e de Educação e Ciência, no âmbito de uma audição conjunta enquadrada pelo debate na especialidade do Orçamento do Estado para 2023

A principal novidade veio do campo da Ação Social, com Elvira Fortunato a anunciar, no discurso de abertura, que já este ano o Governo vai aumentar o montante das bolsas de estudo em 10% para acompanhar o aumento do custo de vista. O aumento será majorado tanto no caso dos estudantes deslocados, como no caso dos alunos carenciados que realizem Erasmus fora.

No alojamento, ficou a promessa de acrescentar ao lote de 15 mil camas agora disponíveis, mais “1.216” no presente ano letivo, por via de obras já em curso.

A equipa governamental apresentou no Parlamento uma “lista de intenções hercúlea”, como a batizou a deputada Joana Mortágua (Bloco de Esquerda), que inclui, no próximo ano, a revisão do modelo de financiamento, do modelo de acesso, do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), a atualização do estatuto de carreira de investigação científica e a aprovação do regime jurídico das carreiras de docência e investigação no ensino superior, além da implementação de programas de promoção da saúde mental e de combate ao abandono escolar, entre outros.

Em 2023, os setores da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deverão receber uma verba de 3.264,5 milhões de euros, o que corresponde a um aumento de 4,7% face ao orçamento deste ano. 

Por tópicos, deixamos uma síntese dos pontos discutidos no debate desta segunda-feira:

Ação Social Escolar

Foi uma das matérias mais abordadas no debate, sobretudo do lado do Governo que não se cansou de sublinhar o reforço de “70%” da verba alocada a esta rubrica no OE2023. No total, são mais 23 milhões de euros para o Fundo de Ação Social.

Além disso, avançou Elvira Fortunato, já este ano o Governo decidiu aumentar em 10% todas as bolsas de estudo, aumento que será de 15% no caso das bolsas de estudantes deslocados e de 50% no caso de estudantes carenciados que façam Erasmus fora do país.

“Esta medida, que vigorará extraordinariamente neste ano letivo, permitirá que todos os estudantes bolseiros tenham a sua bolsa aumentada acima de todas as previsões de inflação existentes, garantindo-se assim que, no mínimo, se mantém o valor real do apoio social que é concedido”, declarou Elvira Fortunato na sua alocução inicial aos deputados.

A ministra frisou ainda as vantagens da “atribuição automática de bolsas”, feita pela primeira vez este ano, que permitiu que 42 mil processos de atribuição estejam até agora tratados e “36 mil tenham a bolsa paga”, um recorde “em ambos os indicadores”, segundo o Governo.

O aumento do limiar de elegibilidade e a atribuição de novos complementos ao alojamento para estudantes deslocados foram também referidos. As bancadas do PCP e do BE reclamaram que o Indexante de Apoios Sociais de 2023 fosse aplicado já este ano.

Alojamento estudantil 

Já era sabido que o Governo pretende aumentar a oferta pública de camas para estudantes do ensino superior das atuais 15 mil para 26 mil até ao final de 2026, através do muito criticado Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior (PNAES) – o PSD chamou-lhe “fraude política”, a Iniciativa Liberal um “falhanço”.

Sobre respostas mais imediatas, Elvira Fortunato garantiu no debate desta segunda-feira que, fruto de contratos já em execução, será possível disponibilizar mais 1.216 camas até ao final deste ano letivo. “A esmagadora maioria são camas novas”, acrescentou o secretário de Estado, Pedro Teixeira. “Cerca de 90 são reabilitadas”.

No Porto, serão 54 as camas novas, fruto da nova residência que vai ficar instalada na Viela da Carvalhosa, em Cedofeita.

Ainda neste capítulo, em resposta ao deputado Alexandre Poço do PSD, a ministra informou que foram realizadas reuniões com associações ligadas ao setor hoteleiro para renovar os protocolos assinados em 2021, no sentido de estes parceiros disponibilizaram camas a preços acessíveis para estudantes – o plano não teve grande sucesso no passado.

Segundo Elvira Fortunato, a estes acrescem conversações com o setor social e da Igreja. Uma das entidades referidas foi a Associação Mutualista Montepio, a quem o Governo terá proposto incluir a sua rede de residências na rede de residências estudantis.

De quantas camas estamos a falar no total no âmbito destas negociações? A ministra disse não dispor desses dados. 

Audição juntou comissões do Orçamento e Finanças e da Educação e Ciência.

Já sobre o acordo firmado com a Movijovem, que disponibilizou 285 camas em pousadas de juventude de vários pontos do país, em finais de outubro, estavam ocupados por estudantes apenas “22%” dos quartos disponibilizados, segundo informou a ministra.

BE, PCP e PAN alertaram o Governo para um outro aspeto no domínio do alojamento: o facto de muitos estudantes deslocados terem alojamento sem contratos de arrendamento, o que os impossibilita de acederem aos novos apoios desenhados pelo Governo. O BE deu o exemplo de um estudo da Federação Académica do Porto segundo o qual 52% dos estudantes deslocados estão no mercado de alojamento paralelo. Ministra e secretário de Estado frisaram que nada podem fazer em relação a essas situações.

Financiamento

A fórmula de financiamento das Instituições de Ensino Superior (IES), que “não é alterada há 12 anos”, será revista. O Governo aguarda “um estudo da OCDE” sobre a matéria.

No entretanto, já em 2023, um ponto percentual do reforço orçamental do MCTES terá como destino compensar as instituições que saem mais prejudicadas com a aplicação da atual fórmula: “das 34 instituições públicas de ensino superior, 15 estão a ser prejudicadas com o atual modelo de financiamento”, referiu a ministra.

Outra garantia deixada por Elvira Fortunato, em resposta ao ex-ministro da Educação, agora deputado, Tiago Brandão Rodrigues (PS), é que “é intenção do Governo fazer um novo contrato de legislatura” com as instituições, para continuar a dar “estabilidade e previsibilidade” às universidades e politécnicos, substituindo aquele que está em vigor até ao final de 2023.

Relativamente ao aumento dos custos com a energia nas instituições, Elvira Fortunato garantiu que está “a negociar, dentro do Governo” um reforço de verbas para colmatar esse problema. “Em termos médios”, segundo informou os deputados, as faturas com energia “duplicaram” nas instituições, sendo que esse aumento de custos é mais grave naquelas que possuem “mais laboratórios e equipamentos”.

Plano de Saúde Mental

Será “lançado ainda este ano” e vai ser complementar face à oferta atual das IES. Trata-se de uma parceria com o Ministério da Saúde e a ministra informou que esta quarta-feira vai reunir com o novo ministro da tutela, Manuel Pizarro, para debater o assunto. “Do nosso lado, está tudo pronto”, garantiu aos deputados.

À frente, Pedro Teixeira acrescentou que este plano estará alinhado com o Programa Nacional para a Saúde Mental. O plano do ensino superior vai compreender “respostas estruturadas e não medicalizadas”, referiu. “As situações mais graves serão encaminhadas para o Serviço Nacional de Saúde. O papel do Ensino Superior é aproveitar a proximidade que tem com os estudantes e capacitá-los para lidarem com a adversidade”, concluiu.

O secretário de Estado, Pedro Teixeira, é professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Modelo de Acesso ao Ensino Superior

Há muito prometida, a revisão do modelo de acesso ao ensino superior também foi referida pela ministra na abertura do debate com os deputados. Elvira Fortunato prometeu iniciar “uma discussão pública” sobre a matéria garantindo que “as conclusões dessa discussão” vão ter aplicação já “no ano letivo 2023/2024”.

RJIES

Também o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), que data de 2007, “vai ser discutido” e o ministério garante que será uma revisão “participada”, tal como com a fórmula de financiamento e o modelo de acesso. 

Ciência e Tecnologia

Neste campo, o Governo destacou o aumento da dotação anual da Fundação para a Ciência e a Tecnologia em 3,5%. Manifestou também a intenção de elevar a fasquia das bolsas de doutoramento em ambiente não académico dos atuais 8% para os 50%, até 2027.

Para o Dia Mundial da Ciência, celebrado a 24 de novembro, ficou prometida a apresentação do programa ERC-Portugal, o qual pretende “premiar o mérito científico das candidaturas” ao programa do Conselho Europeu de Investigação as quais obtiveram classificação para transitar para a segunda fase de avaliação, “mas que não foram propostas para financiamento.”

Propostas da oposição

Depois de aprovado na generalidade na última sexta-feira (28), a proposta de Orçamento para 2023 está agora a ser discutido na especialidade. É nesta fase que as várias forças políticas representadas no Parlamento têm a oportunidade de apresentar propostas de alteração ao Governo. Algumas delas foram já afloradas esta segunda-feira.

O Chega, que acusou o Governo de apostar no “sucesso estatístico” do setor e de promover a “asfixia financeira” das instituições, vai sugerir a contratação de mais funcionários, nomeadamente para apoio a estudantes com necessidades especiais e mobilidade reduzida.

A Iniciativa Liberal (IL) vai defender a “necessidade de acelerar a divulgação das colocações”, para que as famílias tenham mais tempo para se prepararem.

Sobre este ponto, o secretário de Estado Pedro Teixeira explicou que o tempo que permeia a candidatura ao Ensino Superior e a divulgação dos resultados decorre, em larga medida, da análise dos processos de candidatura dos contingentes especiais. “Estes processos têm que ser analisados um a um, só neste último Concurso Nacional de Acesso tivemos cerca de 2 mil candidaturas para estes contingentes e são várias semanas para os analisar”. O governante mostrou, contudo, “disponibilidade” para discutir o assunto.

O PCP anunciou que vai voltar a propor o fim das propinas, mas Elvira Fortunato lembrou que atualmente o valor está fixado nos 697 euros e que “seria um grande problema para as instituições” abolir por completo essa fonte de receita. Já sobre taxas e emolumentos, que os comunistas propõem abolir e que o PS propõe uniformizar, há abertura do Governo para negociar. “Não faz muito sentido haver valores diferentes em diferentes instituições. Somos das opinião que os valores devem ser iguais para qualquer estudante do ensino superior”, admitiu a ministra aos deputados.

No capítulo da Ação Social, Bloco de Esquerda e PCP sugeriram ao Governo aplicar já este ano o Indexante de Apoios Sociais de 2023 de forma a aumentar a elegibilidade de estudantes para bolsas e apoios da Ação Social . O Bloco recordou também a proposta que apresentou no sentido de ser feita uma requisição de camas para estudantes ao setor do Alojamento Local.

“Estamos de acordo nos fins, mas não nos meios”, respondeu Pedro Teixeira. “Não nos peçam para avançar com requisições civis”, rematou o secretário de Estado.

Rui Tavares, do Livre, focou-se na revisão do modelo de financiamento. O deputado sugeriu que Portugal devia seguir o “modelo de São Paulo” em que “parte dos impostos sobre a atividade económica” são canalizados para o financiamento das instituições de ensino superior e referiu também a criação de um Fundo de Apoio ao Estudante do Ensino Superior financiado através de uma parte do IRS dos contribuintes do escalão mais alto que tivessem beneficiado do ensino superior público. Também questionou o MCTES sobre a possibilidade de usar quartéis militares no âmbito do aumento da oferta de camas para estudantes.

Pedro Teixeira afirmou ter “muitas reservas” sobre o modelo de São Paulo, porque implica “trazer a volatilidade da atividade económica para as instituições”. “Não me parece uma boa ideia”, disse.

Quanto à utilização de quartéis militares para dar resposta à falta de camas, Pedro Teixeira admitiu que a solução foi equacionada, mas não parece adequada.

Inês Sousa Real, do PAN, falou da proposta de criação de um “passe nacional” para todos os jovens do país  poderem usar nos transportes públicos com 50% de desconto e questionou o Governo sobre a abertura para mudar regras no que respeita ao uso de animais vivos na investigação dos laboratórios de universidades e politécnicos. Sobre este ponto, Elvira Fortunato referiu que o uso de modelos sintéticos na investigação é cada vez mais comum, contudo, “ainda há situações em que não é possível deixar de usar animais, porque só em ambiente vivo podem ser testadas [soluções]”.

O debate desta segunda-feira está disponível, na íntegra, no site do Canal Parlamento. Quanto ao Orçamento do Estado para 2023 vai continuar a ser debatido na especialidade. A aprovação final global do documento está agendada para o dia 25 de novembro.