Partindo de uma premissa já bastante conhecida, o teatro “As Bruxas de Salém” retrata o evento histórico dos julgamentos de pessoas acusadas de bruxaria na cidade de Salém, em 1692. Para Arthur Miller, o encenador original, esta produção surge como “um ato de desespero” – e foi a partir daí que Nuno Cardoso trouxe de volta de volta a questão crucial da coabitação das pessoas em sociedade ao Teatro Nacional São João (entre 16 de março e 2 de abril).

O trabalho apresentado pelo diretor artístico do TNSJ – que já previamente se mostrava preocupado com questões sociais, sendo exemplo a recente produção baseada no livro “O Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago -, vem acompanhado por filmagens com os atores, que dão seguimento às cenas a decorrer. Deste modo, conjugam-se duas artes: o teatro e o cinema. É através do ecrã em palco que a plateia tem o prazer de observar uma combinação que preenche as lacunas de certos momentos, tornando duas cenas numa só.

“As Bruxas de Salém” é nada mais, nada menos, que uma produção que deixa bastante sobre o que pensar. Por entre os troncos de árvores que fazem o cenário sombrio da peça de teatro, deixando-nos com uma sensação de que ali não há vida, estamos cercados de falsas verdades, especulação, e de um “passar a batata quente” nunca antes visto.

O caráter do ser humano é posto em causa e, num cenário de sobrevivência, tudo pode acontecer – desde falsas acusações para alguém se “safar”, confissões que de sinceras pouco ou nada têm, até aos orgulhosos que mantêm a sua palavra até ao fim.

Mas se nada disto bastar, o drama perpetua no espectador uma reflexão bastante próxima da realidade. O guarda-roupa não nos parece assim tão datado quanto é e as questões morais e filosóficas são possíveis de remeter para a sociedade em que vivemos.

Com um guião que, apesar da temática, não mostra ser de difícil compreensão, a peça “As Bruxas de Salém” perdura na mente de quem a vê e apresenta-se como intemporal.

Agora são todos santos, os que acusam?

Não sabendo em quem confiar nem no que acreditar, até o mais sábio dos homens e das mulheres se tornaria num louco. “Agora são todos santos, os que acusam?” é uma citação que não pode deixar de ser mencionada quando se fala desta peça tão antiga, pois funciona com um espelho da época e da falta de justiça vivida.

Faz parte de um elenco bastante talentoso Ana Brandão, Carolina Amaral, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Mário Santos, Nuno Nunes, Paulo Freixinho, Patrícia Queirós Pedro Frias e Sérgio Sá Cunha. No meio do caos e euforia, os atores conduzem-nos por uma representação belíssima, de deixar os nervos à flor da pele.

É de destacar a clara hegemonia de Carolina Amaral e Pedro Frias em palco, que correspondem às personagens Abigail, o epicentro de toda a desordem provocada, e John Proctor, um homem cético e lógico, mas que traz à peça uma mistura hiperbólica de emoções que nos fazem desesperar em conjunto com a personagem.

A peça, originalmente de 1953, está ainda intrinsecamente ligada ao macarthismo, um conceito que surge no seguimento da repressão política americana aos comunistas, nos anos 1950. Tendo Miller sido acusado de participar em tertúlias do Partido Comunista, talvez possamos considerar que há igualmente uma perspetiva reflexiva um pouco autobiográfica em cena.

Acima de tudo, tanto Arthur Miller como Nuno Cardoso deixam-nos com a difícil tarefa de repensar as nossas ações para com os outros. Mais ainda, deixam a sugestão de embarcar numa jornada pessoal que nos deixe mais humildes, altruístas e conscientes. Esta fica marcada por ser uma excelente trama que entrega à plateia tudo aquilo que era desejado.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira