Um plano do Governo para a construção de nove parques eólicos ao largo da costa portuguesa está em fase final de elaboração. Um representante dos pescadores diz ao JPN que a sua instalação vai impedir o acesso a zonas ricas em peixe. Associação Zero diz que é preciso encontrar um "equilíbrio" entre a transição energética e a preservação dos ecossistemas.
O governo quer construir nove parques eólicos ao largo da costa portuguesa. O projeto é decisivo para cumprir os objetivos de “descarbonização da economia e a transição energética e climática“, diz um relatório preliminar. A intenção do Executivo está, no entanto, a gerar polémica entre as associações de pescadores e ambientalistas.
O secretário geral da Associação dos Armadores das Pescas Industriais (ADAPI), Luís Vicente, explicou ao JPN que os locais apontados para a colocação dos parques vão ter um impacto direto na pesca. Deste modo, a preocupação número um destes profissionais é a redução do espaço que vão ter disponível para pescar, assim que começar a construção das torres em alto-mar.
No projeto, que esteve em consulta pública entre janeiro e março, aponta-se para a criação de nove parques offshore em Viana do Castelo, Leixões, Figueira da Foz, Ericeira, Sintra/Cascais, Sines (norte-sul), Matosinhos, Sines (área portuária) e Aguçadoura. Os pescadores avisam que estes locais coincidem em grande medida com as áreas usadas pelos pescadores para realizar a sua atividade.
“A nossa plataforma continental e de sentido geográfico é curta”, diz o representante dos pescadores, pelo que, caso as torres sejam efetivamente colocados nos locais previstos, os pescadores serão obrigados a ir para outro lugar no mar, o que é apontado como prejudicial: “Se as outras zonas fossem as melhores para pescar, já lá estávamos”, diz o secretário da ADAPI.
O dirigente lamenta que a ocupação do espaço marinho vá prejudicar, principalmente, a pesca e que este seja o “único segmento económico que não foi considerado na preparação dos planos”. O secretário protesta essa exclusão e afirma que o facto de não estarem a ser “considerados, indicia que é contra nós. É uma atitude que percebemos que é para correr connosco”.
Ministério do Ambiente e da Ação Climática fala em plano “ambicioso” que vai baixar custos da energia
O governo criou, em setembro de 2022, um Grupo de Trabalho interministerial (envolvendo os ministérios do Meio Ambiente e da Ação Climática (MAAC), da Economia e do Mar, e das Infraestruturas e Habitações) “que terá de apresentar aos membros do Governo responsáveis, até ao dia 31 de maio de 2023, um relatório com contributos e recomendações”
Contactado pelo JPN, o MAAC informou que a proposta que está a ser estudada faz parte de um plano “ambicioso” de Portugal para a descarbonização do país. A ideia é antecipar para 2026 “o objetivo de alcançar 80% de fontes renováveis na produção de eletricidade”.
O MAAC esclarece ainda que para alcançar tais metas são necessárias políticas “ousadas” de transição energética e de maximização do potencial dos recursos endógenos. O gabinete afirma, ainda, que Portugal tem “condições únicas para o desenvolvimento de energia eólica offshore”. O plano é que Portugal consiga gerar 10 gigawatts de energia verde via eólicas offshore, o que pode baixar os custos de eletricidade.
Movimento climático diz que projeto precisa de ser melhorado
A construção dos parques eólicos, ao permitir a produção de energia renovável, é bem vista pelos movimentos climáticos. Ainda assim, a coordenadora de projetos da Associação Zero, Carolina Silva, afirma, em declarações ao JPN, que três das nove áreas discutidas tinham de ser retiradas do projeto: “A área de Matosinhos e de Sintra/Cascais já estão classificadas como Rede Natura 2000 e a de Sines ainda está para ser classificada”, informou, não ficando claro, porém, qual das duas áreas de Sines previstas no plano é que deveria ser excluída, ou se ambas.
A Rede Natura 2000 define um conjunto de locais de preservação ambiental e de habitat de espécies raras, ameaçadas ou vulneráveis, na União Europeia. A representante da Zero explica que “há sobreposição” dos parques “com zonas de proteção especial”. Isto contraria as normas da Rede Natura 2000, onde existem “áreas marinhas protegidas”.
Assim, embora considerem que o plano é uma boa iniciativa, esperam que o mesmo possa ser melhorado. “Há aqui um equilíbrio que não está a ser assegurado entre os nossos objetivos energéticos e a necessidade de preservar e conservar o nosso oceano”, afirma a ativista. Carolina Silva aponta, ainda, que o projeto tinha de ser feito de forma mais ponderada, baseada nos ecossistemas, mas que a proposta do governo é de carácter económico e energético.
Confrontada com estas posições divergentes, a assessoria do MAAC diz, ao JPN, que todas as questões estão a ser tidas em conta na elaboração do projeto final, esperando conseguir “lançar o primeiro leilão de eólico offshore ainda em 2023″.
O Ministério esclarece ainda que a consulta pública permitiu receber “164 contributos“, dos quais “85 são oriundos do setor das pescas – 25 de associações, cooperativas e grupos de cidadãos, 3 de empresas e 57 de pessoas individuais”.
[Artigo atualizado a 19 de abril, às 10h50m. Foram acrescentados dados relativos aos contributos recolhidos pelo Governo durante o processo de consulta pública.]
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro